Acórdão nº 0346840 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução23 de Junho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal da Relação do Porto: B.........., tendo participado criminalmente contra C.......... - por este lhe ter, alegadamente, entregue um cheque no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), para pagamento do preço pelo qual o Denunciante lhe vendeu uma viatura automóvel de sua pertença, cheque esse que, apresentado a pagamento, foi devolvido pelo banco sacado, por falta de provisão -, requereu oportunamente, ao abrigo do disposto no artigo 228.º, nº 1, do Cód. de Proc. Penal, que fosse decretado o arresto preventivo do aludido veículo automóvel.

Alegou, para tanto, em síntese, que não é conhecido ao Denunciado qualquer outro património, além da viatura que adquiriu ao Denunciante, sendo que o Denunciado tem tido um comportamento que evidencia claramente ser sua intenção não pagar ao Denunciante o preço da viatura que este lhe vendeu e ter ele como único objectivo desfazer-se, a qualquer preço, da viatura que adquiriu ao Denunciante, para realizar, o mais rápido possível, dinheiro, a isto acrescendo que o Denunciado deixou, há cerca de 15 dias, a sua residência e não tem sido visto nos locais que habitualmente frequentava, sendo desconhecido o seu actual paradeiro.

Porém, o M.mº Juiz do 1º Juízo B do Tribunal de Instrução Criminal do Porto indeferiu liminarmente o arresto requerido pelo Denunciante, sob a invocação de não estarem suficientemente discriminados os pressupostos do arresto preventivo, nomeadamente o fundado receio da perda de garantia patrimonial.

Inconformado com este despacho do Ex.mº Juiz de Instrução do Porto, o Denunciante interpôs recurso para esta Relação, tendo rematado a motivação por si apresentada pela formulação das seguintes conclusões: "I. O douto despacho recorrido carece de fundamentação de facto e de direito, pelo que o mesmo está ferido de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 97º, n.º 4, 379º e 380º, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal.

  1. O despacho recorrido não aduz qualquer razão em abono da afirmação conclusiva que nele consta - "Não estão suficientemente discriminados os pressupostos do arresto preventivo, nomeadamente o fundado receio da perda de garantia patrimonial." III. Nem indica qualquer norma legal que o sustente.

  2. O despacho recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 97º n.º 4, 379º e 380º, n.º 3, do Cód. de Proc. Penal.

  3. Os factos articulados pelo Recorrente, no requerimento de arresto preventivo, reúnem todos os requisitos para que este, após exame das provas oferecidas, venha a ser decretado.

  4. Os factos alegados pelo Recorrente, analisados em termos objectivos, demonstram claramente a intenção do Denunciado de não pagar ao Recorrente o preço da viatura que este lhe vendeu.

  5. Assim como, o objectivo de vender ao desbarato a viatura que adquiriu ao Recorrente, bem sabendo que ainda estava por pagar o preço pelo qual a havia comprado ao Recorrente.

  6. Face ao alegado no requerimento de arresto, a actuação adoptada pelo Denunciado, colocou, objectivamente, o Recorrente a recear ver frustado o pagamento do seu crédito.

  7. Os factos invocados pelo Recorrente são bastante e suficientemente elucidativos e fundamentadores do justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito.

  8. Atento o disposto no artigo 228º n.º 1 do Cód. de Proc. Penal e nos artigos 406º, n.º 1, 407º, n.º 1 e 408º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil, o meritíssimo juiz a quo deveria ter proferido despacho designando dia e hora para inquirição das testemunhas indicadas no requerimento de arresto.

  9. Ao decidir de modo diverso, o douto despacho recorrido violou o disposto nas normas citadas na conclusão anterior.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando o douto despacho recorrido e ordenando que o tribunal a quo o substitua por outro que designe dia e hora para exame das provas oferecidas no requerimento de arresto do Recorrente farão, como sempre , inteira e sã JUSTIÇA." O MINISTÉRIO PÚBLICO respondeu à motivação apresentada pelo Recorrente, pugnando pela improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto foi de parecer que o recurso não merece provimento.

A DECISÃO RECORRIDA O despacho que indeferiu o requerimento de arresto preventivo formulado pelo ora Recorrente, proferido pelo Sr. Juiz do 1º Juízo B do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, e que constitui o objecto do presente recurso, é do seguinte teor: "Não estão suficientemente discriminados os pressupostos do arresto preventivo, nomeadamente o fundado receio da perda de garantia patrimonial.

Indefere-se, pois, o requerido." A QUESTÃO PRÉVIA DA ILEGITIMIDADE DO RECORRENTE Na sua resposta à motivação de recurso apresentada pelo Recorrente, o MINISTÉRIO PÚBLICO suscitou uma questão prévia, obstativa do conhecimento do mérito do presente recurso: a ilegitimidade do ora Recorrente, decorrente da circunstância de ele não ser parte civil - visto se ter apresentado a requerer o arresto como mero denunciante-ofendido e não haver deduzido o correspondente pedido de indemnização civil, até à data em que veio requerer o arresto preventivo -, sendo certo que só após a sua constituição como parte civil passaria ele a gozar dos direitos processuais que a lei confere aos assistentes (art. 74º, nº 2, do Cód. Proc. Penal), nomeadamente, do direito de interpor recurso das decisões que os afectem (mesmo que o Ministério Público o não tenha feito) conferido pelo art. 69º, nº 2, al. c), do mesmo Código.

Quid juris ? O nº 1 do art. 401º do CPP estabelece quem pode recorrer e o nº 2 do mesmo preceito impõe uma restrição adicional: o interesse em agir.

Ora, muito embora, em regra, apenas os sujeitos processuais (acusador e arguido) possam interpor recurso, a al. d) do nº 1 do cit. art. 401º introduz uma excepção a esta regra, alargando a legitimidade para o recurso a meros intervenientes processuais, «nomeadamente às testemunhas e peritos» [GERMANO MARQUES DA SILVA in "Curso de Processo Penal", Vol. III, 1ª ed., 1994, p. 316]. «Todos aqueles que forem afectados nos seus direitos têm legitimidade para recorrer ao abrigo desta alínea» [GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem.], [«Assim, v.g., o defensor nomeado poderá recorrer da decisão que fixa a remuneração referida no art. 66º-5; o detido nos termos e para os fins dos arts. 116º-2 e 254º, al. b), quando não seja arguido ou assistente, que esses têm já reconhecida a sua legitimidade no art. 401º-1, al. b), poderá recorrer da decisão que ordene a detenção» (GONÇALVES DA COSTA, "Recursos" in "Jornadas de Direito Processual Penal" "O Novo Código de Processo Penal", Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 1988, p. 414)]. Segundo MAIA GONÇALVES [In "Código de Processo Penal Anotado e comentado", 11ª ed., 1999, p. 724], esta al. d) do nº 1 do art. 401º do CPP de 1987 representa um significativo alargamento do que já se dispunha no § 6º do art. 647º do CPP de 1929. «Todos aqueles que sejam afectados nos seus direitos pela decisão penal têm agora legitimidade para interpor recurso, v.g. os que foram condenados em taxa de justiça ou custas, os que vejam um seu objecto declarado perdido, etc.» [MAIA GONÇALVES, ibidem].

A esta luz, o ora Recorrente, mesmo não sendo parte civil - dado não haver ainda deduzido qualquer pedido de indemnização civil, à data da entrada em juízo do seu requerimento de arresto preventivo - e não gozando, portanto, de nenhum dos direitos que o art. 69º do CPP confere aos assistentes e que o art. 74º, nº 2, do mesmo diploma torna extensivos às partes civis, nomeadamente, o direito de interpor...

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