Acórdão nº 0411297 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelMARQUES SALGUEIRO
Data da Resolução26 de Maio de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Relação do Porto: Na ......ª Vara Criminal do Porto, o arguido A.............................., com os sinais dos autos, foi submetido a julgamento, em processo comum e por tribunal colectivo, pronunciado pela autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artº 131º e 132º, nº 1 e 2, al. b), d) e h), do C. Penal, vindo a ser proferido douto acórdão que, na procedência dessa imputação, condenou o arguido, como autor material desse crime, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão.

Do mesmo passo, foi o arguido absolvido do pedido de indemnização civil que a assistente B......................, mãe da vítima C........................., deduzira contra si.

Inconformado com o acórdão que assim o condenou, interpôs recurso o arguido, concluindo nestes termos a sua motivação: l. Do texto do acórdão resulta uma nulidade, na medida em que o tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar - al. c) do art° 379° do C. P. Penal.

  1. Não se pronunciou o Tribunal sobre o destino do veículo Subaru, de matrícula ..-..-MF, propriedade do recorrente.

  2. Devia o Tribunal ter ordenado a sua entrega ao recorrente, já que o mesmo não foi instrumento do crime, nem por ele produzido - a contrario do art° 109° do C.Penal - e dado que o referido veículo não põe em perigo a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas.

  3. Resulta do texto do acórdão recorrido, facilmente detectável e perceptível, um erro notório na apreciação da prova, vício que se verifica nos factos provados que constam do ponto l., nomeadamente o § 7°, e o exame à caixa de cd's, pois o tribunal dá como provado que o arguido escondeu no alojamento do pneu sobressalente, situado entre este e o tapete/tampa do resguardo da bagageira, e do exame pericial à caixa de cd's - a fls. 284, conforme consta do acórdão - resulta que na caixa de cd's não existem impressões digitais do recorrente, mas apenas da vítima.

  4. Por outro lado, foi considerado provado que o recorrente não tinha recuperado o auto-rádio, marca Kenwood, sendo que também se deu como provado que a caixa de cd's apenas era compatível com um auto-rádio Kenwood.

  5. Esta questão assume relevo, na medida em que o Tribunal entende e considera provado que o arguido apenas vai atrás da vítima para obter o auto-rádio, dado que já tinha em seu poder, curiosamente na mala do veículo onde tinha o próprio arguido colocado os demais objectos que entregou à PSP.

  6. Não faz sentido tal entendimento, existindo pois, um manifesto erro notório na apreciação da prova.

  7. Por outro lado, resultam também do texto do acórdão recorrido contradições insanáveis, irredutíveis e inultrapassáveis, vício que se verifica nos factos provados sob os pontos 3, 4 e 5, conjugados com os factos provados sob o 14 do acórdão recorrido.

  8. Considerou, pois, o Tribunal que os três tiros são desferidos no meio da Rua Dr. ....................., no Porto, quando a vítima seguia a sua marcha, seguida do arguido, sendo que os dois primeiros tiros atingem a parede do cemitério (que se localiza paralelamente à artéria - fls 17 a 28 dos autos), encontrando-se, portanto, arguido e vítima numa posição paralela àquela parede.

  9. As marcas deixadas na parede do cemitério encontram-se separadas cerca de metro e meio e, em termos de altura, apenas diferençam 10 cm, portanto com posições muito similares para serem efectuadas de forma indirecta.

  10. Para além das duas marcas causadas por projécteis, existiam, no meio de ambas, manchas hemáticas da vítima, o que contraria o facto provado de o terceiro tiro é que atinge a vítima e que esta depois ali se encostou.

  11. Por outro lado, consideramos também existir insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada provada.

  12. Desde logo, porque não foi encontrada a arma através da qual foi desferido o tiro que veio a vitimar a vítima.

  13. Também não foi encontrado o respectivo invólucro.

  14. Do exame de balística resultam nas recolhas efectuadas que, embora consideradas compatíveis, existiam elementos de identifìcação não compatíveis, aliás o relatório faz a menção de que "não é de excluir", não referindo, portanto, aquilo a que, de forma comum, estamos habituados e que passa pelo "provável" ou "muito provável", não podendo, com segurança e certeza científicas, dizer que a arma que desferiu os tiros e que atingiram o muro do cemitério foi a desferiu o tiro que causou a morte á vítima.

  15. Os invólucros dos dois disparos que atingiram o muro do cemitério foram recolhidos, um deles junto àquele e o outro muito próximo e não no meio da Rua Dr. .........................

  16. Vício que, noutra perspectiva, a da qualificação jurídica dos factos considerados provados pelo Tribunal, também se verifica.

  17. Desde logo, porque o Tribunal, a condenar, nunca devia ter condenado pelas agravantes das als. b), d) e h) do art° 132° do C.P., por as mesmas não se verificarem.

  18. Refere o acórdão que o crime foi praticado contra pessoa particularmente indefesa, em razão da doença, determinado por motivo torpe ou fútil, utilizando meio insidioso, com o que não concordamos.

  19. Um toxicodependente não é, sem mais, uma pessoa indefesa. É um dependente de drogas que poderá ou não ser indefeso. Ficou provado que a vítima dos presentes autos era uma pessoa de compleição física normal. Que se fazia acompanhar de uma faca com lâmina de 10 cm, que exibiu ao arguido e com a qual o ameaçou fortemente.

  20. Motivo torpe ou fútil também neste caso se não verifica, pois o arguido apenas pretendeu recuperar da vítima os objectos furtados que entregou e afastá-lo de continuar a praticar assaltos, sendo durante esta sua conduta confrontado com a vítima que, empunhando uma faca, o ameaçou de morte.

  21. A utilizar meio insidioso para a prática do crime, também aqui se não verifica, pois uma arma calibre 6,35 mm, tratando-se de uma arma vulgarmente utilizada como arma de defesa, assim não pode considerar-se. E também tal não colhe se se considerar que o tiro é dado pelas costas, à queima roupa, pois, embora a vítima tenha sido atingida pelas costas, temos que analisar a trajectória do tiro - da esquerda para a direita e de baixo para cima, o que faz perceber que a vítima estaria relativamente ao agressor numa posição lateral, que lhe permitia ver o agressor.

  22. Assim, andou mal o tribunal quando condenou e, pior ainda, quando condenou pelo crime de homicídio qualificado.

  23. Nesta conformidade os referidos vícios são fundamento de anulação e reenvio do processo para novo julgamento.

  24. E, mesmo no enquadramento jurídico-penal dos factos, o Tribunal comete um erro, que entendemos material, quando se refere à moldura penal aplicável ao crime, pois o homicídio qualificado vai de 12 a 25 anos e não de 16 a 25 anos. Falamos, pois, de uma diferença significativa de 4 anos (de prisão).

  25. E consideramos que se trata de um erro material, em virtude de, pese embora o tão favorável relatório social do arguido, nomeadamente, quanto à sua situação familiar e inserção social, bem como o facto de o arguido não ter antecedentes criminais por ilícitos desta natureza ou considerados graves, se ter a pena aproximado, quase bordando a pena máxima prevista para o crime, que é, refira-se, a pena de prisão máxima permitida no ordenamento português.

  26. Não é, pois, concebível que, com os factos considerados provados, o tribunal tenha aplicado ao arguido a pena de 21 anos de prisão, por ser manifestamente excessiva.

  27. Preceitua o art° 40°, n° 2, do C. Penal que "em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa" e estatui, por seu lado, o nº 1 do art° 71° que "a determinação da pena, dentro dos limites definidos da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção", o que, no caso, não foi seguido e acautelado.

  28. Refira-se que consta do texto do acórdão que "dentre as possíveis condutas subsumíveis às referidas normas incriminadoras, a provada não é de reputar, nem objectiva, nem subjectivamente, das mais graves" - Como circunstâncias atenuantes (do próprio crime).

  29. Erro este que deverá levar também à nulidade da sentença.

    Assim, entendendo violadas, entre outras, as normas dos art° 131°, l32°, n° 1 e 2, al. b), d) e h), 40º e 71° do C. Penal e 374° e 379°, n° 1, al c), do C. P. Penal, pede o provimento do recurso em conformidade.

    Na resposta, o Mº Pº rebateu pontualmente a argumentação do arguido, concluindo pelo não provimento do recurso e integral confirmação do decidido.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pronuncia-se pelo provimento parcial do recurso, apontando para uma pena que ronde os 14 anos e meio de prisão, parecer a que, notificados, o arguido e a assistente não responderam.

    Cumpridos os vistos e realizada a audiência, cabe agora decidir.

    *Atentas as questões que, consoante as supra transcritas conclusões, se levantam no recurso, vejamos a matéria de facto, provada e não provada, acolhida no acórdão recorrido.

    Deram-se ali como provados os factos seguintes: 1. Cerca das 5 horas de 7.10.2002, ao dirigir-se a casa da então sua namorada H..................., melhor id. a fls 33, sita na Rua Dr. ............................, ......, habitação ....., no Porto, conduzindo o seu veículo automóvel, ligeiro de passageiros, matrícula ..-..-MF, marca Subaru modelo Impreza, 1994 cc a gasolina, à direita do seu sentido de marcha o arguido apercebeu-se, quando parou em plena faixa de rodagem ao lado da repleta baía de estacionamento perpendicular existente junto da entrada de tal prédio, da presença de um indivíduo, até então seu desconhecido, dali transportando nas mãos uma caixa de cartão, Que o arguido de imediato relacionou com o furto de objectos do interior da viatura automóvel ligeira de passageiros, marca Honda modelo Civic, matrícula ..-..-JL, estacionado entre outros veículos naquela baía, por o arguido ter constatado, pelo espelho retrovisor interior do Subaru, tal indivíduo, já junto da paragem de autocarro, a remexer o interior de tal caixa de cartão e, após ter deixado...

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