Acórdão nº 0412967 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelBORGES MARTINS
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam os juízes deste Tribunal da Relação: No Proc. n.º ../.., -.º Juízo Criminal da Comarca de....., foi condenado B....., casado, distribuidor de carne, nascido a 21.9.1974, em....., ....., residente na Rua....., em....., ....., por autoria material de um crime de homicídio negligente, p. p. no art.º 137.º, ns. 1 e 2, do CP, na pena de 20 meses de prisão; por autoria material de dois crimes de omissão de auxílio, p. p. pelo art.º 200.º, ns. 1 e 2, do CP, na pena de 7 meses de prisão, por cada um; e em cúmulo jurídico, na pena única de 26 meses de prisão.

Também foi o arguido condenado na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sete meses, de acordo com o disposto nos arts. 20.º do RGCC e 139.º, 146.º, al. e) do CEstrada.

Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido, alegando as seguintes questões: - o depoimento da testemunha C..... é o único meio probatório que serviu para considerar a negligência grosseira e não foi concordante com as declarações do arguido nem com a demais prova produzida, contrariando também as regras normais da experiência; - a fundamentação da decisão recorrida é contraditória, no que diz respeito à descrição da forma como o arguido conduzia na sua hemi-faixa de rodagem; - devia o tribunal ter valorado positivamente as declarações do arguido, no sentido da desculpabilidade da sua conduta prevista no art.º 200.º, n.º 3 do CP e consequente não preenchimento dos crimes de omissão de auxílio - por as mesmas serem as mais concordantes com as regras normais da experiência; - a medida da pena é exagerada, devendo pela autoria do crime de homicídio involuntário p. p. no art.º 137.º, n.º 1 do CP ser fixada em 10 meses de prisão; pela autoria de cada um dos crimes de omissão de auxílio p. p. pelo art.º 200.º, n.º 1 e 2 do CP em pena de multa, próxima do mínimo legal e não superior a 80 dias- ou, para a hipótese de se optar pela prisão, até 3 meses por cada um deles; a pena única não deveria ser superior a 12 meses de prisão; - a dar-se como apurado que não ocorreu negligência grosseira, não há lugar à prática da contra-ordenação prevista no art.º 146.º, al. d) do CE; se assim se não entender, não deverá o recorrente ser sancionado em inibição de conduzir superior a 3 meses; - a decisão recorrida, atentos o decurso de tempo verificado e bom comportamento do arguido deveria ter atenuado especialmente a pena, nos termos do disposto no art.º 72.º, n.º 2, alínea d) do CP; substituído a mesma de acordo com o previsto no art.º 44.º do CP e/ou suspendendo a mesma na sua execução, de acordo com o determinado no art.º 50.º do CP.

Respondeu o M.º P.º junto do tribunal recorrido, pronunciando-se sumariamente pela manutenção da decisão recorrida.

Os assistentes, por seu turno, consideraram que a decisão recorrida não merece reparo, sublinhando que o recorrente não impugnou a matéria de facto nos termos do disposto no art.º 412.º, ns. 3 e 4 do CPP; não ocorrem no texto da decisão recorrida os vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2; perante a gravidade da conduta do arguido, face aos ensinamentos da jurisprudência seria inaceitável a suspensão da execução da pena.

Neste Tribunal da Relação o Exmo PGA apôs Visto.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Foram os seguintes o conjunto dos factos provados e respectiva fundamentação: 1. No dia 6 de Agosto de 2001, pelas 23.45 horas, o arguido conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, marca Volkwagen...., de cor branca, matrícula UA-..-.., pela Estrada Nacional n.º .., sentido Sul-Norte, ocupando a parte mais à direita da hemi-faixa de rodagem e com as luzes dos médios ligadas.

  1. Fazia-o, imprimindo ao veículo uma velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 70 km/hora, bem como, de forma aventureira, já que a dado momento ultrapassou em plena curva o veículo conduzido por C....., que o precedia e continuando a viagem de forma ziguezagueante.

  2. Ao Km 290,5, na localidade de ...., área desta comarca, em local em que a via é ladeada do lado direito, atento o sentido sul-norte, por um estabelecimento comercial, sendo que entre a parede deste e o início do betuminoso da via, se localiza um rego em cimento, em resultado da velocidade a que circulava e da condução que efectuava, o arguido perdeu o controlo da sua viatura e foi embater de frente com violência contra os ofendidos D..... e E......

  3. Os ofendidos seguiam a pé, pelo lado direito da via, atento o sentido de marcha do arguido, e o mais próximo possível do limite da faixa de rodagem, ou seja, junto ao aludido rego, por local onde existia alguma areia e terra, sendo que ao lado do E....., com 16 anos de idade, seguia também F....., este à direita daquele.

  4. Na retaguarda do E..... e do F....., aproximadamente a meio das posições que ocupavam, seguia o ofendido D....., com 17 anos de idade.

  5. O arguido quando embate nos ofendidos dispunha do seu corredor de circulação completamente livre.

  6. Em consequência do embate, o D..... foi projectado pelo ar a uma distância de cerca de dezassete metros do local em que aquele ocorreu, sendo que o E..... ficou caído no chão a uma distância de vinte e oito metros.

  7. Como consequência directa e necessária do embate sofreu o ofendido E..... traumatismo craniano e várias escoriações dispersas pelo corpo, que demandaram para curar vinte dias de doença, com igual período de afectação da capacidade de trabalho; e o D..... lesões traumáticas crânio encefálicas, nomeadamente, duas soluções de continuidade com seis e sete centímetros de comprimento na metade direita da região occipital, que foram causa directa e necessária da sua morte, sendo que entre esta e o acidente decorreram três dias.

  8. Após o embate, o arguido não parou e retomou a sua marcha, ausentando-se do local sem se inteirar do estado dos dois ofendidos e sem promover por qualquer forma pelo seu socorro, não tendo sequer chamado uma ambulância.

  9. O arguido apercebeu-se do embate e atropelamento daqueles peões, que estes tinham ficado feridos e apesar disso não lhes prestou socorro nem promoveu por ajuda, sendo que esta foi prestada por terceiros, independentemente da sua vontade e acção.

  10. Sabia o arguido que devia prestar assistência aos peões, o que não fez de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que tal comportamento lhe era proibido.

  11. O local do acidente configura-se como recta com visibilidade de aproximadamente 100 metros, sendo a largura da faixa de rodagem destinada à circulação de veículos de 7,60 metros.

  12. Actualmente, o local por onde seguiam os ofendidos na altura do embate corresponde a berma.

  13. As condições atmosféricas eram, na ocasião, boas.

  14. O piso da faixa de rodagem era em alcatrão em bom estado de conservação, recentemente colocado, no qual ainda não estavam pintadas quaisquer marcas rodoviárias, designadamente nos bordos da faixa de rodagem.

  15. A Estrada Nacional n.º.., no local do embate, apresenta boa iluminação pública, encontrando-se nela colocados postes de iluminação.

  16. No local do embate e suas proximidades a Estrada Nacional n.º.. é ladeada por casas e residências.

  17. Após o local do embate e a uma distância aproximada de 30 metros existe na Estrada Nacional n.º.. um entroncamento à esquerda, atento o sentido de marcha do arguido.

  18. O arguido exerce a profissão de distribuidor de carne e aufere o vencimento mensal de € 425,00.

  19. É casado e a esposa é empregada doméstica.

  20. Tem como habilitações literárias o 2º ano de escolaridade.

  21. O arguido tem uma filha menor com quatro anos de idade.

  22. O arguido ao agir como se descreveu, omitiu voluntariamente os deveres de cuidado e diligência que, segundo as circunstâncias descritas e as suas capacidades pessoais, sobre si recaíam, designadamente ao circular a velocidade superior à permitida aos condutores que conduzem veículos ligeiros de passageiros no interior das localidades, de forma desatenta e aventureira, sem se aperceber e atentar na presença dos ofendidos, colhendo-os no local referido nos factos contidos nos pontos 4. e 5..

  23. O arguido passava diariamente pela Estrada Nacional n.º...

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