Acórdão nº 0430932 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Maio de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução27 de Maio de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B............. veio propor a presente acção declarativa. de condenação sob a forma ordinária, contra Companhia de Seguros X.............., S.A.

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Pediu que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de Esc. 15.247.000$00, acrescida de juros de mora, a partir da citação, até efectivo e integral pagamento.

Como fundamento, alegou ter sido vítima de acidente de viação da responsabilidade do condutor do veículo segurado na Ré, do qual lhe advieram danos patrimoniais e não patrimoniais.

A Ré contestou, refutando a culpa do condutor do veículo seu segurado e imputando a responsabilidade do sinistro ao próprio Autor. Impugnou ainda a extensão dos danos invocados por este.

Concluiu pela improcedência da acção.

O Autor replicou.

Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o Autor, de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: 1. O Tribunal «a quo» descredibilizou completamente a versão do acidente trazida pelo Autor, através de três testemunhas - C.............., D............ e E............ - desde logo pelos seus nomes não constarem da participação a fls. 109/110, elaborada pelo soldado da GNR, e por entender, sem fundamentação (cfr. resposta aos quesitos), serem depoimentos inconsistentes e contraditórios.

  1. Para além de não se poder aceitar, ou sequer consentir que a referida participação policial encerre o rol de testemunhas presenciais a apresentar a julgamento - até porque se não retira de tal documento que as não há - muito menos se entende em que é que foram tais depoimentos inconsistentes e contraditórios.

  2. Dos excertos desses depoimentos, que aqui se dão por reproduzidos, verifica-se que todos os três afirmam o mesmo de forma consistente: 1) o veiculo ligeiro seguia em contramão; 2) o ciclomotor não pode evitar a colisão e bateu na frente do veiculo do réu sendo falso que viesse em «cavalo».

  3. Ao invés, inconsistente e contraditório foi definitivamente o depoimento da testemunha presencial apresentado pelo Réu, a sua passageira de nome F........... .

  4. O excerto do seu depoimento, acima transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido, é a máxima evidência de quem inquirida por três pessoas (advogados das partes e Juiz) não consegue dizer: 1) a moto vinha no ar; 2) caiu com a roda da frente em cima do capot do carro.

  5. Algo demasiadamente fácil para se tentar diminuir com todo o nervosismo que efectivamente revelou mas que de todo tem a ver com a inexperiência de depor em tribunal mas mais com o facto de se ver obrigada a apoiar a falsa tese do Réu.

  6. Aceitou sem reserva o tribunal a quo o depoimento desta testemunha (que curiosamente não consta da tão invocada participação policial que serviu para afastar outras mas não esta), mesmo reconhecendo que ao longo do depoimento não conseguiu concretizar e manter a sua versão.

  7. Assim se entende que existiu erro de julgamento na apreciação da prova, porquanto é credível e consistente a prova das três testemunhos do Autor acima referidos, cujos depoimentos devem ser aceites, porque são testemunhas efectivamente presenciais, modificando-se assim a resposta ao quesitos 1, 2, 3, 5 e 6 para provados e em especial os quesitos 43, 45, 49 para não provado (quem disse que a mota vinha no ar? quem falou no ar a mais de um metro?).

  8. Não se concebendo que alguém, intitulando-se perito-averiguador (G............) não tendo assistido ao acidente, pela análise de fotografias juntas com a contestação, ajude o tribunal a concluir que as marcas de pneu no capot do carro indiciam o ponto de embate, porquanto não conseguiu afirmar serem aquelas as marcas deixadas pela moto do Autor e porque dessas mesmo fotografias decorrem marcas de pneu também na porta do condutor, o que diz bem da razão de ciência desta testemunha.

  9. O depoimento da testemunha C........... em conjugação com a do pai do Autor H............., cuja excertos aqui se dão por integralmente reproduzidos, também são inequívocas sobre a prova positiva do quesito 55°, que assim deve ser mudado para provado.

  10. Em face do relatório de perícia médico-legal junto, entende-se que os quesitos 22, 23, 24 e 26 deverão ser respondidos como provados.

  11. Por confronto com o croquis da participação policial, não impugnado e confirmado em audiência por quem o elaborou, a recta não tem cerca de 5 metros, mas 4,80, pelo que deverá ser respondido negativamente o quesito 39, assim se verificando pela posição dos veículos que quem de facto circulava fora de mão era o Réu.

  12. Croquis e participação que ainda deverão sustentar uma mudança de resposta aos quesitos 2, 5 e particularmente aos quesito 39 e 43, em conjugação com a prova testemunhal acima aludida.

  13. Porque aceitou como válido e sério o depoimento de H............ também a sua resposta positiva aos quesitos 26 e 27, cujo excertos aqui se reproduz, devem modificar a resposta dada para provada.

    Por fim, 15. Ninguém, à excepção do Réu em depoimento de parte, confirmou o quesito 45, nem a testemunha F..........., devendo ser mudado então para não provada.

  14. Daí que se impugne a resposta positiva que mereceu do tribunal, que só a poderá ter recolhido do depoimento de parte do próprio Réu, mas porque se trata de matéria favorável não admite confissão e assim dever ser considerada prova nula.

  15. Assim, impugna-se a matéria dada como não provado dos quesitos 1, 2, 3, 5, 6, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 55, devendo ser respondida positivamente, 18. Bem como a matéria dada como provada nos quesitos 39, 43, 45, 47, 49, 50 e 51, que impugnada vai devendo ser respondido em termos negativos.

  16. Tendo a sua convicção pelo motivos expostos acima mas também porque recorda que leu da contestação do Réu que 1) era o autor quem vinha em contramão (art. 24°); 2) que fugiu para esquerda em manobra de salvamento oferecendo a direita ao autor; 3) que dada a distancia de 10 a 15 metros não foi possível evitar o embate; e 4) que a moto se imobilizou a 12 metros do local do choque e não minimiza que tal versão tenha sido pura e simplesmente afastada pelos factos.

    Termos em que deve alterar-se as respostas acima impugnadas, nos termos propostos, revogando-se a douta sentença recorrida julgando-se procedentes os pedidos 1) 2), 4) e 6) da p.i..

    A Ré contra-alegou, concluindo pela improcedência da apelação.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Questões a Decidir Decorre das conclusões acima indicadas que o Recorrente impugna a decisão da matéria de facto sobre vários pontos dessa matéria de facto.

      Decidida esta questão, importará tomar posição sobre a questão de fundo, ou seja, decidir da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e, em caso afirmativo, fixar a indemnização que for devida.

    2. Fundamentação 1. Impugnação da decisão de facto O Recorrente pretende que sejam alteradas as respostas a estes quesitos: - 1º, 2º, 3º, 5º, 6º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º e 55º - para provado; - 39º, 43º, 45º, 47º, 49º, 50º e 51º - para não provado.

      Antes de analisarmos cada um dos referidos quesitos, importará referir que uma das situações em que é admitida a alteração da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto é a prevista no art. 712º nº 1 a), segunda parte, do CPC: ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados e tiver sido impugnada, nos termos do art. 690ºA, a decisão com base neles proferida.

      Neste caso, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados - art. 712º nº 2.

      A prova, afirma Antunes Varela [RLJ 116-339], visa apenas a certeza subjectiva do julgador, não a certeza absoluta da verificação do facto; atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (especialmente dos factos pretéritos e dos factos do foro interno de cada pessoa), tem de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador da verificação ou realidade do facto.

      Por outro lado, como se afirma no Ac. da Rel. de Coimbra de 3.10.2000 [CJ XXV, 4, 27], a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz e na formação dessa convicção não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação áudio ou vídeo.

      O tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si.

      O Recorrente começa por se insurgir contra a fundamentação da decisão de facto por não ter reconhecido credibilidade às três testemunhas que se apresentaram como presenciais: C............, D............ e E.............. .

      Há que distinguir: a testemunha D............, como foi confirmado (pela própria testemunha e pelos depoimentos de I.................. e G...............), esteve no local, onde chegou logo após o Autor, por transitar atrás deste, também de motorizada. Segundo referiu, não assistiu ao embate, pelo que o seu depoimento poderia ser relevante sobre a velocidade a que seguia o Autor e sobre a posição em que ficaram os veículos e consequência do embate. No entanto, o depoimento sobre o primeiro ponto suscita desde logo sérias reservas: a afirmação de que o Autor vinha devagar, a cerca de 30 km/hora ou menos, é manifestamente contrariada por elementos objectivos - danos provocados pelo embate nos veículos, distância a que o Autor foi...

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