Acórdão nº 0435704 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Novembro de 2004

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução18 de Novembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B..........., na qualidade de única e legítima herdeira de C............, veio propor esta acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros X........., S.A..

Pediu que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 75.617,76, acrescida de juros de mora desde a citação, sendo € 74.819,68, a título de ressarcimento pela morte do filho e € 798,08 de despesas tidas com o funeral deste.

Como fundamento, alegou, em síntese, que em consequência de acidente de viação, que consistiu no despiste do ciclomotor de matrícula .-MDL-..-.., em consequência do rebentamento do pneu traseiro, o filho da Autora, C............, que era transportado nesse veículo como passageiro, veio a falecer.

A Ré contestou invocando a ilegitimidade da Autora, a prescrição do direito desta e a nulidade do contrato de seguro; impugnou ainda, por desconhecimento, as circunstâncias em que ocorreu o despiste.

Concluiu pela procedência das excepções invocadas e improcedência do pedido formulado pela autora.

A pedido da ré foi admitida a intervenção acessória de D............., condutor do ciclomotor.

O chamado apresentou também contestação indicando como causa do embate o rebentamento de um pneu do ciclomotor e alegando ser titular de licença de condução.

Concluiu pela improcedência da acção no que concerne à sua responsabilidade enquanto parte acessória.

No saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade da Autora e da prescrição, relegando-se para final a apreciação da excepção da nulidade do contrato de seguro.

Percorrida a tramitação normal, veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, tendo a R. sido condenada a pagar à A. a quantia de € 29.927,88, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a R., de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões:

  1. O Juiz só pode fundar a sua decisão nos factos alegados e provados pelas partes, laborando em erro se se servir de factos não provados para fundamentar a sua decisão.

  2. A circulação rodoviária é uma actividade de "risco", sendo necessário, porém, para que tal risco ocorra que se aleguem e provem factos geradores do mesmo.

  3. A circunstância percepcionada pelo Tribunal de que ocorreu um embate em que interveio o ciclomotor conduzido pelo D.........., reveste conteúdo conclusivo, faltando demonstrar em que é que se traduziu ou concretizou tal embate.

  4. Não existe na matéria de facto colhida pelo Tribunal qualquer facto, evento, lesão, sequela que permita concluir que o C........... morreu do embate.

  5. O embate, em abstracto e só por si, não é causa para provocar seja que tipo de lesão for.

  6. A morte é provocada por lesões corporais ou outras; mas nem por todas, apenas por aquelas que se mostrem adequadas ou das quais resulte necessariamente aquele dano morte.

  7. Não se sabe do que morreu o C..........., inexistindo por isso o nexo de causalidade entre a morte e o facto (?).

  8. Não se mostram preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar seja com base na responsabilidade subjectiva, seja na objectiva, já que quedando um dos pressupostos tal obrigação não nasce I) Existe assim nulidade da sentença, ou pelo menos erro de julgamento, face à inexactidão dos fundamentos de facto adoptados por tal aresto.

  9. No domínio da responsabilidade pelo risco só os danos pessoais da pessoa transportada são indemnizáveis.

  10. A dor moral pelo perda de um filho, que transportado gratuitamente faleceu em acidente de viação, não é tutelada, pelo nosso Direito Civil.

  11. É nulo o seguro feito por quem, na celebração do respectivo contrato, presta declarações inexactas e omite factos ou circunstâncias suas conhecidas e que influam na existência e condições do contrato.

  12. Ao celebrar-se o contrato de seguro automóvel as características do veículo a segurar são fornecidas (de boa fé) pelo segurado, nada impondo ao segurador o dever de previamente averiguar ou inspeccionar as características declaradas pelo proponente.

  13. Os factos ocultados pelo tomador do seguro (lotação de mais uma pessoa desde origem) aumentavam o risco transferido e alteravam a tarifa aplicável.

  14. Tal contrato de seguro é nulo.

  15. Foram violadas e/ou incorrectamente interpretadas as seguintes disposições legais: - Código Civil: artigos 483°, 499°, 503°, 504°, 562° e 563°; - Código Comercial: artigos 426° e 429°; - Código Processo Civil: artigos 264° e 668° n° 1 alínea b).

Nestes termos, deve o presente recurso merecer inteiro provimento, revogando-se a douta Sentença e absolvendo-se a Ré do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver: - fundamentação de facto da sentença e verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar; - nulidade do contrato de seguro; - danos indemnizáveis.

III.

Na sentença recorrida foram considerados provados estes factos: 1. No dia 19 de Junho de Junho de 1999, cerca das 19h 15m, na E.N. n.º ..., ao Km 8.900, da freguesia de ............, do concelho de ..........., ocorreu um embate no qual foi interveniente o ciclomotor de matrícula .-MDL-..-.., pertença de E.........., na altura conduzido por D............ .

  1. Na altura o tempo estava bom.

  2. No ciclomotor circulava como passageiro traseiro C........... .

  3. Do embate resultou a morte de C........... .

  4. Em consequência do embate o C............ necessitou de tratamento hospitalar.

  5. O C.......... era saudável e tinha alegria de viver.

  6. O C........... tinha gosto e propensão para a escrita.

  7. Vivia com a mãe, que é analfabeta.

  8. O que faz com que a autora viva de forma dolorosa a morte do filho.

  9. A autora despendeu a quantia de 798,08 euros no funeral efectuado pela agência funerária ............., sita em ........... .

  10. À data do embate o .-MDL-..-.. estava adaptado com pedais de apoio de mais um ocupante e de correia a meio do assento.

  11. Estes elementos equipavam o ciclomotor de origem.

  12. Em 21 de Setembro de 1998, C........... subscreveu, na qualidade de proponente, uma proposta de seguro, da qual consta na qualidade de segurado E.......... que se propõe ao seguro na qualidade de dono do veículo .-MDL-..-.., em que surge na lotação "o condutor".

  13. Companhia de Seguros X..........., S.A. e E............ celebraram um acordo escrito mediante o qual o primeiro assumiu, mediante prémio anual correspectivo a pagar pelo segundo, a responsabilidade de circulação do ciclomotor ........., com matrícula .-MDL-..-.., conforme apólice n.º ......... .

  14. D.......... é portador da carta de condução n.º P- ........, emitida pela D.G.V. do Norte, em 22 de Setembro de 1995.

    IV.

    Apreciemos as questões acima enunciadas.

  15. Fundamentação de facto da sentença e verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar Defende a Recorrente que: - na fundamentação da sentença a Sra. Juíza serviu-se de factos que não se provaram; concretamente quando alude ao rebentamento de um pneu e subsequente despiste do .-MDL; - o facto provado, que consistiu no embate em que interveio o ciclomotor, reveste carácter conclusivo, inexistindo qualquer facto material que sirva de pressuposto à obrigação de indemnizar com base na responsabilidade pelo risco; - não foram alegados e provados factos - eventos, lesões - que permitam concluir que o C.......... haja morrido do falado embate, inexistindo também nexo de causalidade entre o...

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