Acórdão nº 0442647 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução27 de Outubro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial de St.º Tirso, pelo M.º P.º foi deduzida acusação em processo comum singular contra os arguidos B.......... e C.........., ambos devidamente identificados nos autos, a fls.873, imputando-lhes, além de outros crimes e contra-ordenações relativamente aos quais foi declarado extinto o procedimento criminal, ao primeiro, a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravada pelo resultado, p.p. nos termos dos arts. 69.º, n.º1, al. a), 291.º, n.ºs 1, als. a) e b), e 2 e 294.º, este último por remissão para o art. 285.º, todos do Código Penal, e ao segundo, a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 69.º, n.º1, al. a) e 137.º, n.º 1, ambos do mesmo código.

Efectuado o julgamento, foi o primeiro arguido condenado pela prática do mencionado crime na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 2 anos, e foi o segundo arguido absolvido da acusação.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o M.º P.º, tendo concluído a motivação nos seguintes termos: 1. O Mmo. Juiz a quo deveria ter aditado aos factos provados que "se encontravam garrafões espalhados, pelo menos na via mais à direita" e que "momentos antes do 2º embate, uma viatura de matrícula francesa, circulando na faixa da esquerda, conseguiu travar, imobilizar e aguardar para retomar a circulação pela direita", o que constitui insuficiência da matéria de facto dada como provada e erro notório na apreciação da prova; 2. Não dando o 1º facto referido como provado não poderia o mesmo servir para motivar a decisão sobre a matéria de facto, constituindo contradição insanável na fundamentação; 3. Pontos de facto incorrectamente julgados: 3.1 FACTOS DADOS COMO PROVADOS: - Facto n.º 11 - peca por defeito: assim, além de ter ficado provado que pelo menos um dos veículos que circulava mais à direita accionou os quatro piscas (luzes avisadoras do perigo), ficou também provado que o veículo em que circulava a testemunha D.........., médico, parou o seu veículo mais à frente em relação ao local do 1º embate, deixando-o com as luzes ligadas e, sendo certo, que aquele outro veículo que supra ficou referido que circulava com as luzes avisadoras de perigo ligadas ocorreu entre o 1º e o 2º embate, logo imediatamente antes de surgir o veículo Audi, conduzido pelo arguido C..........; - Facto n.º 13 - não ficou provado que o arguido C.......... se apercebeu da obstrução da via de trânsito mais à esquerda pelos veículos sinistrados supra referidos quando junto deles chegou, o que ficou provado foi que nem junto deles se apercebeu, mas apenas após o embate e o accionar dos "airbags" - próprias declarações do arguido C..........; - Facto n.º 14: I. não ficou provado que a obstrução da via de trânsito mais à esquerda pelos veículos sinistrados era visível apenas à distância das "luzes de cruzamento (médios)", mas entre 40 a 60 metros, ou então, só poderia ter sido dado como provado que era visível pelo menos à distância dos médios; II. a parte final deste facto n.º 14 - "de cerca de 30 metros" - é conclusiva e, como tal, tem que se considerar não escrita; - Facto n.º 24 - em consequência do que se disse supra, terá que se dar como não provado o segmento "por força do que só se apercebeu e avistou os obstáculos (...) quando junto deles chegou"; 3.2 FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS: - Facto n.º 3 - está em contradição com os factos dados como provados sob os n.ºs 7, 8 e 11, pois se as viaturas intervenientes (3) nos dois embates ocuparam a faixa esquerda, é lógico que o tráfego só poderia passar a circular pela direita, podendo é não ter ficado suficientemente provado que o faziam a uma velocidade mais reduzida; - Facto n.º 6 - ficou provado este facto, uma vez que a testemunha D.........., refere cerca de 40 a 60 metros, sendo certo que só avistou a esta distância porque se ia a defender dois garrafões que se encontravam espalhados pela estrada, não sabendo precisar se nas duas vias, mas pelo menos na via mais à direita em que circulava (cumpre ainda acrescentar que o próprio Mmo. Juiz refere que a testemunha disse que avistou um vulto a 40 metros na motivação da decisão de facto, entrando em contradição!), bem como das declarações dos agentes da GNR - E.......... e F.........., que referiram expressamente que a recta onde se deu o acidente, tendo inclinação, apresenta perfeita visibilidade desde o início da curva até ao pontão que fica imediatamente a seguir ao local do embate, quer de dia quer de noite; - Facto n.º 13 - em sequência do que imediatamente antes se deixou dito, teria este facto que também ser dado como provado; - Facto n.º 16 - também ficou provado que o arguido C.......... não avistou qualquer indício de congestionamento do tráfego ou de perigo, como consequência da sua condução desatenta e descuidada - declarações do próprio arguido, que supra já se assinalou e em consonância com a primeira parte do facto dado como provado sob o n.º 13; 4. Provas que impõem decisão diversa: a. audiência de julgamento de 10/11/2003, declarações do co-arguido C.........., cassete 2, lado A, rotações 638 a 1672; b. audiência de julgamento de 10/11/2003, declarações do assistente G.........., cassete 2, lado A, rotações 1672 a 2500 e cassete 3, rotações 0010 a 0626; c. audiência de julgamento de 05/12/2003, declarações da testemunha D.........., cassete 1, lado A, rotações 0000 a 2113 e audiência de julgamento de 15/01/2004, cassete 1, lado A, rotações 1413 a 2199; d. audiência de julgamento de 05/12/2003, declarações da testemunha E.........., cassete 1, lado A, rotações 2113 a 2507 e lado B, rotações 0000 a 0188; e. audiência de julgamento de 05/12/2003, declarações da testemunha F.........., cassete 1, lado B, rotações 0188 a 913 e audiência de julgamento de 18/12/2003, cassete 1, lado A, rotações 0000 a 0595, analisadas criticamente com as declarações prestadas na audiência de 15/01/2004, cassete 1, lado A, rotações 0000 a 1413 e confrontando-as com as assinaladas em d) - diferentes versões apresentadas(!); f. inspecção ao local, fotografias do local e medições efectuadas e juntas aos autos - acta de 15/01/2004.

  1. Falta de credibilidade notória da testemunha H.........., havendo erro notório na apreciação deste elemento de prova, ultrapassando a livre convicção do julgador, porque contraria frontalmente o depoimento das outras testemunhas que também serviram para fundamentar a sua convicção, nomeadamente a testemunha D.......... - assim, o Mmo. juiz ou acreditava num ou noutro, não podendo acreditar em parte num e em parte noutro, originando nessa medida contradição insanável (audiência de julgamento de 10/11/2003, cassete 3, lado A, rotações 626 a 2500 e cassete 4, rotações 0010 a 1110).

  2. Integração da conduta do arguido C.......... no direito: a. o arguido C.......... deverá ser condenado pelo crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1 do C. Penal; b. o arguido C.......... tinha a possibilidade em concreto de vir atento, travar, abrandar, desviar-se para a direita, e por, qualquer desses meios, evitar o 2º embate ou pelo menos a consequência fatal - o resultado morte do condutor do I..........; c. o resultado morte é imputável ao 2º embate; d. deriva da violação de um dever de cuidado e/ou na potenciação de um risco resultante da condução desatenta; e. aquele dever de cuidado era exigível ao arguido C.......... em concreto, engenheiro, jovem, não lhe sendo conhecido nenhuma doença ou problema físico que de algum modo limitasse a sua actuação; f. o obstáculo do 1º embate era avistável desde o início da recta, logo a seguir à curva, ou pelo menos desde o meio dessa subida; g. os garrafões que obstruíam a auto-estrada eram avistáveis desde o desfazer da curva; h. o arguido C.......... vinha de tal forma desatento que nada avistou, nem quando junto dos veículos embatidos chegou, uma vez, que nas suas próprias palavras só deu conta com o accionar dos "airbags"; i. o arguido C......... não abrandou a sua marcha, não travou, não manifestou sequer uma ineficiente travagem, não teve a reacção natural sequer de guinar o volante para a direita, sendo certo que o poderia fazer com segurança, porque nesse momento não circulavam carros pela faixa da direita; j. com qualquer daquelas condutas podia e devia ter evitado o 2º embate, conduta que lhe era em concreto exigível; k. a morte é causa adequada do 2º embate, imputável objectivamente ao arguido C..........; l. se tivesse um comportamento lícito alternativo teria evitado o embate ou, pelo menos, minimizado as suas consequências, não se verificando essa situação in casu; m. O Mmo Juiz a quo tem liberdade na integração dos factos no direito, tendo o dever de analisar todas as situações plausíveis de direito; n. a ausência do triângulo a assinalar a obstrução da via não modifica o que se deixou dito, porque tal era a desatenção do arguido C.......... que também não o teria avistado, não sendo também exigível a sua colocação atento o facto de entre o 1º embate e o 2º mediarem apenas 4 a 5 minutos; 7. Integração da conduta do arguido B.......... no direito - impossibilidade de agravar a sua conduta pelo resultado morte, devendo ser condenado apenas por condução perigosa de veículo rodoviário: a. teoria da adequação ou do risco - a acção do arguido B.......... não é eficaz para produzir a morte do condutor I.........., pois a série causal que iniciou foi ultrapassada pela acção do arguido C.......... - interrupção do nexo causal b. imputar a morte ao 2º embate e depois agravar o 1º embate com esse resultado resulta em contradição insanável; c. teria a conduta do 1º embate que tornar impossível ao condutor do 2º evitar essa colisão, ficando provado o contrário, uma vez que uma viatura de matrícula francesa, momentos antes, conseguiu travar e aguardar para circular pela direita; 8 - Ao decidir nos termos do douto acórdão recorrido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT