Acórdão nº 0444031 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelBRÍZIDA MARTINS
Data da Resolução03 de Novembro de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em Conferência, os Juízes que integram a 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

*I- Relatório.

1.1. No Tribunal recorrido correm termos uns autos em que é denunciante o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e são arguidos B.......... e outros.

Deduzida oportuna acusação pelo Ministério Público, por alegada autoria de crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, remetidos os autos para designação de data para julgamento, no despacho em que a indicou, pronunciando-se, igualmente, sobre o pedido de admissão de assistente que entretanto também formulara o denunciante, invocando o disposto no artigo 68º, n.º 1 do Código de Processo Penal (doravante vulgo CPP), o M.mo Juiz não admitiu a reclamada constituição.

O fundamento essencial do M.mo Juiz «a quo», traduziu-se em que nos crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social o interesse protegido não é um interesse próprio do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, mas antes um interesse próprio do Estado pelo que o requerente não tem a pressuposta legitimidade para se constituir como assistente.

1.2. Inconformado com este despacho, dele interpôs recurso o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que motivou formulando as conclusões seguintes: 1.2.1. As cotizações dos beneficiários são receitas próprias do sistema da Segurança Social e fonte de financiamento do mesmo (artigo 84º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 17/2000, de 8 Agosto - Lei de Bases do Sistema de Solidariedade e Segurança Social).

1.2.2. A arrecadação e cobrança das cotizações referidas na conclusão precedente compete, exclusiva e autonomamente, ao Instituto de Gestão Financeira de acordo com o preceituado no artigo 3°, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 260/99, de 7 de Julho (Estatuto do IGFSS).

1.2.3. O IGFSS é um Instituto Público dotado de autonomia administrativa e financeira, personalidade jurídica e património próprio - artigo 1° do citado estatuto -, tendo, deste modo, um interesse próprio, directo e individualizado no ressarcimento nos prejuízos efectivamente por ele sofridos aquando da não entrega pelos contribuintes das aludidas cotizações nos prazos e termos legais (cfr. artigo 3º, n.º 2, alínea b), do mesmo), ao contrário do que acontece com a administração fiscal que mais não é do que um serviço simples do Ministério das Finanças, sem personalidade jurídica distinta do Estado, consubstanciada na estrutura da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, sendo esta sim representada pelo Ministério Público a quem cabe defender a legalidade e promoção do interesse público, sendo por aquela via titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.

1.2.4. O IGFSS integra o sistema de solidariedade e segurança social, o qual mais não é do que o conjunto estruturado de regime normativos e meios operacionais para realizar os objectivos de protecção social - n.º 2, do artigo 22° da Lei 17/2000, de 8 de Agosto -.

1.2.5. Atenta a interacção e interdependência funcional entre os vários organismos que compõem o sistema de segurança social, não se pode analisar, para efeitos de determinação de interesse especial legitimador da intervenção no processo Penal, o sistema de segurança social em sentido estrito, uma vez que este conceito (sistema de segurança social) é, na sua essência, só possível de ser entendido enquanto um todo, e, ipso facto, insusceptível de comportar divisões ou extracções sem perda da sua identificação enquanto tal.

1.2.6. À data dos factos em causa no processo pendente, o diploma legal que estava em vigor era o RJINFA (Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro), o qual, no seu artigo 46°, n.º 1, previa expressamente a possibilidade de a Administração Fiscal se constituir, querendo, assistente no processo crime em que fosse ofendida/ lesada.

1.2.7. Na esteira desta orientação legislativa, surgiu o RGIT (Lei n.º 15/01, de 5 de Junho), o qual, no seu artigo 50°, prevê expressamente a assistência técnica (sem definir os limites da mesma) do Ministério Público pela Segurança Social em todas as fases do processo, inclusive na sua fase Judicial (pensamos nós).

1.2.8. A referida assistência técnica a prestar pela Segurança Social ao Ministério Público não coarcta a possibilidade de se poder exprimir, também, na sua intervenção como Assistente, nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 68°, do CPP, aplicável ex vi do artigo 3° do RGIT.

1.2.9. Não há qualquer incompatibilidade entre estas duas disposições normativas.

1.2.10. Nesta conformidade, mesmo que academicamente se admitisse que o artigo 50° do RGIT veio proibir a prerrogativa processual do artigo 46° do RJINFA, o que não se concede, sempre o IGFSS teria a possibilidade processual de se constituir Assistente no processo crime em que fosse ofendido/lesado (tal e qual como o caso sub judice) nos termos do artigo º68°, n. 1, alínea a) do CPP, porque, em virtude de ser directo e imediatamente ofendido/lesado com a prática deste crime, tem um interesse próprio, imediato e individualizado que o legitima, à face da lei processual em vigor a usar de tal prerrogativa - O interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação prevista no artigo 107º do RGIT -. O bem jurídico protegido é o erário da Segurança Social, independentemente de nestes crimes existir um interesse mediato, ou "de dever" que assume natureza pública, sendo da exclusiva atribuição do IGFSS proceder à cobrança e fiscalização dos deveres de cumprimento da obrigação contributiva.

1.2.11. Atente-se, ainda, que a norma do artigo 50° do RGIT, ao contrário do que é dito no despacho recorrido, não reveste natureza adjectiva, mas antes substantiva e, por isso, de aplicação que não tem que ser imediata - artigo 5º, n.º 1 do CPP, a contrario senso.

Terminou, consequentemente, pedindo a revogação do despacho apontado a dever ser substituído por outro que admita o IGFSS a constituir-se Assistente e intervir nos autos nessa qualidade.

1.3. Admitido o recurso, no Tribunal recorrido o Ministério Público respondeu sufragando o entendimento de que devia conceder-se provimento ao recurso.

1.4. Proferido despacho de sustentação do despacho recorrido pelo M.mo Juiz «a quo», remetidos os autos a este Tribunal, em separado dos principais, o Ex.mo Procurador Geral Adjunto limitou-se a apôr "visto".

1.5. Colhidos os vistos legais, e uma vez que nada a tanto obsta, cabe apreciar e decidir.

*II- Fundamentação.

2.1. Resultam dos autos as seguintes ocorrências processuais com relevância para a questão a decidir: 2.1.1. No Tribunal recorrido correm termos uns autos de processo crime (comum singular) em que é denunciante o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e arguidos B.......... e outros contra os quais, no âmbito respectivo, foi deduzida acusação pública pelo Ministério público imputando-lhes a prática de dois crimes de abuso de confiança em relação à Segurança Social.

2.1.2. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social veio aí requerer a sua constituição como assistente, nos termos do artigo 68º, n.º1, do CPP.

2.1.3. No despacho que designou dia para julgamento, o M.mo Juiz «a quo», apreciando tal requerimento exarou despacho do teor seguinte: «O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social veio a fls. 293 requerer a sua constituição como assistente nos presentes autos, invocando o disposto no artigo 68°, n.° 1, do Código de Processo Penal.

Cumprido o disposto no artigo 68°, n.º 4, do Código de Processo Penal, não foi deduzida qualquer oposição.

Tudo visto, cumpre decidir. - Em conformidade com o teor da acusação de fls. 266 a 272. concluiu-se que o ilustre magistrado do Ministério Público imputa aos arguidos aí devidamente identificados a prática de dois crimes de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelo disposto no artigo 27º-B do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 140/95, de 14 de Junho e, actualmente, previsto e punido pelo disposto no artigo 107°, do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho. Sendo consensual que nos tipos de abuso de confiança fiscal e em relação à segurança social se procede à tutela da integridade do património fiscal e da segurança social na perspectiva do interesse/ comunitário (tratando-se, por...

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