Acórdão nº 0447069 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Novembro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução02 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I - Relatório I - 1) No ...º Juízo Criminal da Comarca de Santa Maria da Feira foi submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, o arguido B........., acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º, n.º 1, do CP, em concurso real com um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo art. 200.º, nºs 1 e 2 do mesmo diploma.

Por C......... e D......... foi deduzido pedido de indemnização cível contra a "E........., S.A.", o mesmo sucedendo com o Hospital de S. Sebastião relativamente ao arguido.

O primeiro terminou por transacção e o segundo por declaração da ilegitimidade passiva deste último.

I - 2.) Efectuado o julgamento foi decidido:

  1. Condenar o arguido B....... pela autoria do crime de homicídio por negligência na pena de 14 (catorze) meses de prisão e pelo crime de omissão de auxílio, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico, na pena única de 19 (dezanove) meses de prisão.

  2. Determinar ainda a cassação do título que habilita o arguido a conduzir veículos a motor de qualquer categoria, e bem assim, a interdição da concessão ao arguido novo título de condução de veículos com motor, de qualquer categoria, durante 2 (dois) anos, prazo a contar do trânsito em julgado da presente sentença, mas que se suspende durante o tempo em que o arguido estiver privado de liberdade.

    I - 3.) Irresignado com o teor da sentença, dela recorre o arguido B......., apoiando-se para o efeito nas conclusões que abaixo se transcrevem: "Atenta a total ausência de matéria de facto para fundamentação da sentença, deverá a sentença recorrida ser alterada nos termos do n.º 2 do artº 419 do CPenal por: a) insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) contradições insanáveis da fundamentação e entre esta e a decisão; c) erros notórios na apreciação da prova; e ser modificada nos termos da al. a) do artº 431 do CPenal, no sentido de considerar: 1.º - Como não provado que o arguido atravessou na perpendicular toda a largura da E.N. 223; 2º - Como não provado que o ofendido foi projectado a uma distância não concretamente apurada para a frente do local onde ficou caído o seu ciclomotor, e consequentemente, considerar como provado que o corpo do ofendido tenha sido projectado cerca de 16,30m; 3º - Como não provado que o arguido parou a viatura e verificou que o ofendido havia sido projectado pelo ar e ficara caído na estrada; 4º - Como não provado que o arguido logo que se apercebeu das graves consequências do embate que provocara, iniciou, de novo, a marcha do seu veiculo automóvel e fugiu do local antes que outras pessoas ali acorressem; 5º - Como não provado que sabia o arguido que, em resultado do embate que provocara, o ofendido havia sido projectado pelo ar alguns metros e ficado caído no chão; 6º - Como não provado que as peças identificadas a fls. 30, 35 e 36 se separaram da viatura; 7º - Como não provado o crime de omissão de auxílio, mormente pelo não verificação do preenchimento do tipo legal; 8º - Como não provado o concurso de crimes, mormente pela existência de um só crime - o homicídio negligente -; 9º - Como provado o notório arrependimento do arguido; 10º - Como desadequada e desproporcional a pena de 14 (catorze) meses de prisão efectiva para o crime de homicídio negligente, devendo ser reduzida a pena concreta e suspensa a sua execução;" Solicitou, pois, a alteração da decisão recorrida no sentido indicado nas conclusões.

    I - 3.) Numa actuação que entendemos totalmente deslocada, o Sr Juiz titular do processo, por entender que o recorrente não havia dado cabal cumprimento ao estatuído no art. 412.º n.ºs 3 e 4, do Cód. Proc. Penal, convidou-o a corrigir a sua motivação, apresentando no prazo de dez dias as referências aos suportes técnicos das provas que impunham decisão diversa da recorrida relativamente aos pontos de facto considerados incorrectamente julgados.

    No cumprimento de tal convite, veio o recorrente a apresentar a peça recursória melhor constante de fls. 338 a 348, onde corrigindo tal aspecto, manteve as conclusões acima transcritas.

    I - 4) Na sua resposta, a Digna magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de St.ª Maria da Feira desenvolveu pertinente argumentação no sentido de evidenciar a manutenção da decisão recorrida.

    II - Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador Geral-Adjunto depois de efectuar justo reparo ao regime de admissão do recurso, na parte em que o mandou subir em separado e sobretudo naquela outra em que o Sr. Juiz de 1.ª Instância endereçou convite à sua correcção, quando tal faculdade não lhe pertence, nem no caso se justificava, passou abordar a impugnação de facto efectuada à luz da primeira versão apresentada da motivação e seguidamente a da matéria de direito, para concluir pela improcedência total do recurso.

    *Deu-se cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 417.º do C.P.P., concluindo o recorrente como já o havia feito aquando da interposição do recurso.

    *Seguiram-se os vistos legais, e procedeu-se a audiência com observância do legal formalismo.

    Cumpre apreciar e decidir: III - 1) Como é sabido, o âmbito de um recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação e por elas limitado.

    Tendo presente o que vem de dizer-se e as que foram concretamente apresentadas, definem-se no caso como questões a analisar: - Verificam-se na decisão recorrida os vícios de insuficiência da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e erro notório na apreciação da prova; - Em consequência, deve a mesma ser modificada nos termos da al. a) do art. 431º do Cód. Penal (quererá dizer-se, seguramente, Cód. Proc. Penal) no sentido de considerar: Como não provado: Que o arguido atravessou na perpendicular toda a largura da E.N. 223; Que o ofendido foi projectado a uma distância não concretamente apurada para a frente do local onde ficou caído o seu ciclomotor, e consequentemente, considerar como provado que o corpo do ofendido tenha sido projectado cerca de 16,30m; Que o arguido parou a viatura e verificou que o ofendido havia sido projectado pelo ar e ficara caído na estrada; Que o arguido logo que se apercebeu das graves consequências do embate que provocara, iniciou, de novo, a marcha do seu veículo automóvel e fugiu do local antes que outras pessoas ali acorressem; Que o arguido sabia que, em resultado do embate que provocara, o ofendido havia sido projectado pelo ar alguns metros e ficado caído no chão; Que as peças identificadas a fls. 30, 35 e 36 se separaram da viatura; Como provado: O notório arrependimento do arguido; - Não se verifica o crime de omissão de auxílio dado o não preenchimento dos respectivos requisitos legais, assim inexistindo concurso de crimes.

    - A pena de 14 (catorze) meses de prisão efectiva aplicada ao crime de homicídio negligente não é adequada e proporcional, devendo ser reduzida e suspensa a sua execução.

    III - 2) Vejamos no entanto primeiro, a matéria de facto que foi definida pelo Tribunal da Feira: Factos provados: No dia 15 de Setembro de 2001, cerca das 20h.10m, na Estrada Nacional n.º 223, ao Km 197, 700, o arguido conduzia o seu veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca Honda, modelo CRX, de cor vermelha e matrícula "..-..-RM", no sentido Santa Maria da Feira - Arrifana (poente - nascente) e, em sentido contrário, ou seja, Arrifana - Santa Maria da Feira (nascente - poente), circulava o ciclomotor, marca PIAGGIO, de cor azul e preta e matrícula "..-OAZ-..-..", o qual era conduzido por F....... .

    A determinada altura do percurso, no entroncamento da EN 223 com a Rua da Circunvalação, o arguido pretendeu mudar de direcção para a sua esquerda, a fim de seguir pela referida Rua da Circunvalação.

    Concretizando tal objectivo, o arguido direccionou o seu veículo automóvel para a esquerda, atravessou, na perpendicular, toda a largura da EN 223 e invadiu a metade da faixa de rodagem onde seguia o ciclomotor conduzido pelo ofendido.

    Quando invadiu a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha em que seguia, o arguido provocou, então, o embate da frente direita do seu veículo automóvel na parte lateral esquerda do ciclomotor conduzido pelo ofendido.

    O referido embate ocorreu então na metade direita da faixa de rodagem da EN. n.º 223, atento o sentido de marcha Arrifana-Santa Maria da Feira (Nascente-Poente).

    Em resultado do embate, o ciclomotor conduzido pelo ofendido ficou caído já na Rua da Circunvalação, distando a roda traseira de tal veículo cerca de 2,00m (dois metros) da linha descontínua marcada no pavimento e que divide a faixa de rodagem da EN n.º 223 dessa mesma Rua da Circunvalação.

    Dada a violência do embate, o ofendido foi projectado a uma distância não concretamente apurada para a frente do local onde ficou caído o seu ciclomotor, atento o sentido de marcha Arrifana-Santa Maria da Feira.

    Como resultado directo e necessário de tal embate, o ofendido sofreu lesões traumáticas crânio-encefálicas e torácicas - fracturas cominutivas com afundamento occipito-parietal e temporal esquerdas; hemorragia subdural e subaracnoideia bilaterais; focos de contusão encefálicos e no tronco cerebral; fracturas de múltiplos arcos costais à esquerda e hemotórax do mesmo lado com cerca de 400 centímetros cúbicos; aspiração de sangue; contusão esofágica, da cabeça do pâncreas e fractura da clavícula esquerda.

    Tais lesões determinaram, directa e necessariamente, a morte do ofendido.

    O local da EN. n.º 223 onde ocorreu o embate caracteriza-se por ser uma recta visível em toda a sua largura e comprimento.

    A faixa de rodagem tem, no total, 9,00m (nove metros) de largura.

    Assim que embateu com o seu veículo no ciclomotor do ofendido, o arguido parou a viatura e verificou que o ofendido havia sido projectado pelo ar e ficara caído na estrada.

    Logo que se apercebeu das graves...

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