Acórdão nº 0510007 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelANDRÉ DA SILVA
Data da Resolução27 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto IRelatório No processo n.º ../02 do -º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de....., após audiência de julgamento foi proferida a seguinte decisão: "Julgo a acusação pública improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os arguidos B....., C..... e D....., da prática, em co-autoria material, de um crime doloso de poluição com criação negligente de perigo comum, p. e p. pelo art. 280º, al. b) do Código Penal, por referência ao artigo 279º, n.º 1, al. c) do Código Penal, de que vinham acusados".

Inconformada com a decisão veio a Digna Magistrada do M.º P.º interpor recurso para este Tribunal Superior tendo concluído da seguinte forma: 1 - Por sentença de 21.10.2004, proferida nos presentes autos, foram os arguidos C..... e D..... absolvidos, da prática, em co-autoria material, de um crime doloso de poluição com criação negligente de perigo comum, previsto e punível pelo art.º 280º, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 279º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, de que vinham acusados; 2 - O tribunal a quo fundou tal decisão, primordialmente, na interpretação que faz do art.º 280º, qualificando-o, simultaneamente, como crime de perigo comum e crime de perigo concreto, ou seja que o tipo legal apenas se preenche se se coloca em perigo um grande número de pessoas, considerando não ter sido feita prova de perigo para uma multiplicidade de pessoas representativas da sociedade.

3 - Classicamente e doutrinalmente, na classificação da tipologia dos crimes de perigo, subdivide-se tal categoria em crimes de perigo concreto e crimes de perigo abstracto, configurando-se os crimes de perigo concreto naqueles em que o perigo figura como elemento do tipo legal do crime, ao passo que os crimes de perigo abstracto redundariam naqueles em que o perigo figura, tão só, como motivação do legislador; 4 - Uma terceira categoria dentro dos crimes de perigo consubstancia-se nos denominados crimes de perigo comum que, na esteira da concepção propugnada por Faria da Costa, assentam naqueles em que o perigo se expande relativamente a um número indiferenciado e indiferenciável de objectos de acção sustentados ou iluminados por um ou vários bens jurídicos.

5 - Ora, da preposição normativa "quem criar desse modo perigo para a vida ou integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado", retirada do dispositivo 280º, do Código Penal, constata-se que o legislador apenas procedeu a um recorte individualizado do bem em perigo e, não já a uma expansão comum do perigo criado pelo agente.

6 - Aliás, a utilização do pronome indefinido outrem, que significa pessoa diversa, outra pessoa que não o agente, utilizada pelo legislador quer significar que configurou a possibilidade da violação unívoca do bem jurídico integridade física por referência a uma só pessoa.

7 - Assim, perfilhamos o entendimento, em colisão com o perfilhado pelo Tribunal a quo, de estarmos no art.º 280º, do Código Penal, somente, perante um clássico crime de perigo concreto, bastando-se para preencher os elementos do tipo legal dessa infracção, a mera colocação de um dos bens jurídicos, aí elencados e tipificados, em perigo, independentemente de tal actuação incidir sobre o número indeterminado ou indiferenciável de pessoas ou objectos, que manifestamente o tipo não exige.

8 - Destarte, entendemos que o artigo 280º, do código Penal deve ser interpretado no sentido de aí se conter num mero crime de perigo concreto e não como interpretou o Tribunal a quo no sentido de estarmos, simultaneamente, perante um crimes de perigo concreto e um criem de perigo comum.

9 - Subsidiariamente, caso assim, não se entenda, consideramos estar a fundamentação enferma de uma contradição insanável, na medida em que considera provado que os arguidos se aperceberam de que o ruído provocado pelas máquinas que possuíam em laboração no seu estabelecimento poderia provocar lesões para o corpo e saúde das pessoas que habitavam no prédio onde estava implantado o estabelecimento, ao mesmo passo que dá como não provado que tal ruído atinge apartamentos vizinhos no prédio onde aquele estabelecimento se encontra implantado.

10 - Ao dar como provado que os arguidos se aperceberam de determinada realidade, tal ilação implicava que se tivesse de dar como provado a realidade em que os arguidos se fundaram para obter esse conhecimento.

11 - Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado provado por precedente e, por via dele, revogar-se a Sentença que a Meritíssima Juiz a quo proferiu em 21.10.2004, considerando-se procedente por provada a acusação pública e, consequentemente condenar os arguidos B....., C..... e D....., da prática, em co-autoria material, de um crime doloso de poluição com criação negligente de perigo comum, previsto e punível pelo artigo 280º, alínea b), do Código Penal, por referência ao artigo 279º, n.º 1, alínea c), do Código Penal.

12 - Subsidiariamente, perante a razão subsidiária invocada, deve o presente recurso merecer provimento e em consequência revogar-se e declarar-se anulada a sentença recorrida, por contradição insanável da fundamentação e, por conseguinte a audiência de discussão e julgamento que lhe serviu de suporte, ordenando-se a baixa dos, autos à primeira instância para repetição do julgamento e prolação de nova decisão.

Ao recurso responderam os recorridos B....., C..... e D..... e terminam pedindo que seja mantida a decisão.

Os Autos subiram a este Tribunal Superior e aqui o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Deu-se cumprimento ao artigo 417º n.º 2 do C.P.P. e nada mais foi requerido.

Colheram-se os vistos legais.

Cumpre decidir.

Factos provados: 1 - Os arguidos foram desde o ano de 2001 até ao dia 10 de Abril de 2002 sócios-gerentes de um estabelecimento comercial de bebidas com fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados, sito na Rua....., ....., altura a partir da qual apenas o arguido B..... continuou como sócio-gerente.

2 - O arguido D....., desde 10 de Abril de 2002, que, por escritura notarial de cessão de quotas, celebrada no -º Cartório Notarial do Porto, cedeu a sua quota a E....., conforme escritura de fls. 269 a 272.

3 - Tal estabelecimento encontra-se em laboração sem que tenha sido apresentado junto da autoridade administrativa competente - Câmara Municipal de..... - o pedido de licenciamento acompanhado do respectivo projecto de especialidade de isolamento acústico.

4 - Foi apresentado na Câmara Municipal de..... projecto para a instalação de um estabelecimento de bebidas com fabrico próprio de pastelaria, panificação e gelados na Rua....., da freguesia de....., que deu lugar...

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