Acórdão nº 0515247 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2006
Magistrado Responsável | ÉLIA SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório Na .ª Vara Criminal do Porto, foi julgado em processo comum (n.º ../93..IDPRT), com intervenção do Tribunal Colectivo, o arguido B.........., tendo sido proferida a seguinte decisão: "Absolver o arguido B.......... da autoria de um crime de burla; Condenar o arguido pela autoria de dois crimes de fraude fiscal, previsto e punido, cada um deles, pelo artigo 23º do Decreto Lei 20-A/90 em 900 dias de multa à taxa diária de 150,00 €, ou seja, a pena de 135.000,00 €, na alternativa 600 dias de prisão, pelo primeiro dos crimes e de 950 dias de multa, à taxa diária de 150,00 €, ou seja, na multa de 142.500,00 €, na alternativa 633 dias de prisão.
Condenar o arguido B.......... na pena única de 1250 dias de multa, à taxa diária de 150,00 €, ou seja, na multa de 187.500,00 €, ou, em alternativa, 833 dias de prisão.
Condenar o arguido no pagamento de 2 UCs de taxa de justiça, acrescido de 1% a favor das vítimas dos crimes violentos.
Julgar procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condenar o arguido a pagar ao Estado Português a quantia de 580.966,09 € (116.473.243$00), acrescido de juros de mora às sucessivas taxas legais, calculados sobre aquela quantia e devidos desde 18/11/2004 até efectivo e integral pagamento".
Inconformado com tal decisão, o MINISTÉRIO PÚBLICO junto do tribunal "a quo" recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões: "1. Do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2003, do STJ, de 07-05-2003, publicado no D.R., I-A Série, de 10-07-2003, não resulta o entendimento de que sempre que o património lesado através do artifício fraudulento seja o do Estado estamos perante um crime de fraude fiscal.
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Na verdade, tal acórdão, ao contrário da conclusão a que chegou o acórdão recorrido, não dispensa a verificação de uma relação tributária entre o sujeito passivo - o contribuinte - e o sujeito activo - o Estado - como pressuposto do crime de fraude fiscal, tão só referindo é que essa relação tributária também existe no caso das chamadas facturas falsas, que era a situação em análise.
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Efectivamente, do disposto no art. 23º do RJIFNA, quer na redacção original do Dec-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, quer na redacção que lhe foi introduzida pelo Dec-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e, actualmente, do disposto no art. 103º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, resulta que o crime de fraude fiscal pressupõe sempre uma relação tributária entre o sujeito passivo, o contribuinte, e o sujeito activo, o Estado, devendo a acção do agente visar uma diminuição das receitas tributárias.
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No entanto, da matéria dada como provada resulta que o contribuinte era a sociedade C.........., Lda., nunca tendo, contudo, o arguido actuado em representação desta, mas sim se aproveitado do facto de aquela sociedade, de que era sócio gerente e que se encontrava ao abrigo da legislação que rege o processo especial de recuperação de empresas vindo depois a ser declarada falida, ter deixado de fazer pedidos de reembolsos de IVA, uma vez que os mesmos não eram devidos, face à cessação da sua actividade comercial, para passar a fazer, em nome da mesma, tais pedidos que depois integrava no seu património.
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Por outro lado, resulta também da matéria dada como provada que todos os reembolsos recebidos pelo arguido, com excepção dos dois primeiros, no montante de 23.341.454$00, foram pagos pelos serviços do IVA já depois da referida sociedade ter sido declarada falida, pelo que aquele já os não podia ter recebido em representação da mesma, face à sua inibição para administrar os bens de tal sociedade, resultante da declaração da falência, sendo esta representada pelo administrador da falência (art. 1189º, n.ºs 1 e 3, do Cód. Proc. Civil, então vigente).
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O arguido nunca actuou, assim, em nome da mencionada sociedade, mas apenas utilizou o seu nome, como, aliás, reconhece o acórdão recorrido, para obter, desta forma ardilosa, os montantes que solicitava aos serviços de IVA, a título de reembolsos que não eram devidos, visando, assim, com a sua actuação, não a diminuição das receitas tributárias, já que não havia lugar a qualquer tributação dos lucros da sociedade, que já não tinha qualquer actividade comercial e veio até a ser declarada falida, mas tão só o desapossamento do Estado das quantias em causa, que logrou obter por esta forma e que integrou no seu património, pelo que a sua conduta não integra a previsão do crime de fraude fiscal, p. e p. pelo art. 23º do RJIFNA, na versão original, do Dec-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, e na redacção que lhe foi introduzida pelo Dec-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, e, actualmente, pelo art. 103º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
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Actualmente, a par do crime de fraude fiscal, o RGIT prevê, no seu art. 87º, o crime de burla tributária, com penas muito semelhantes às previstas para o crime de burla nos arts. 217º e 218º do Cód. Penal, o qual exige, como o crime de burla comum, o enriquecimento do agente ou de terceiro, e não tem como pressuposto a diminuição das receitas tributárias, ao invés do que acontece com o crime de fraude fiscal, pelo que a conduta do arguido se integra, agora, na previsão de tal preceito legal, já que se verificam todos os seus elementos: as falsas declarações insertas pelo arguido nas declarações de reembolso de IVA, o nexo causal entre essas falsas declarações e os pagamentos que lhe foram efectuados pela administração fiscal, o seu enriquecimento ilegítimo à custa desta última, cujo prejuízo patrimonial se cifrou em 116.473.243$00, e o dolo específico, consistente em querer que a administração fiscal fizesse essas atribuições patrimoniais a que sabia não ter direito.
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O facto de o RJIFNA não ter qualquer preceito legal semelhante ao do art. 87º do RGIT não significa, contudo, que condutas que, actualmente, integram a previsão ou da burla tributária ou da fraude fiscal, sendo certo que a previsão deste último crime é em tudo idêntica à do art. 23º do RJIFNA, fossem, durante a vigência deste, punidas sempre como fraude fiscal, 9. Devendo, antes, concluir-se que o crime de fraude fiscal previsto no art. 103º do RGIT abrange as condutas que, na vigência do RJIFNA, se integravam na previsão do art. 23º, enquanto que o crime de burla tributária previsto no art. 87º do RGIT veio abranger condutas que, antes, face à inexistência de idêntico preceito no RJIFNA, eram punidas como crime de burla comum.
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Ora, no caso em apreço, encontram-se verificados todos elementos do crime comum de burla, o artifício fraudulento, o enriquecimento ilegítimo do arguido à custa do património do Estado e o dolo especifico, não se verificando, por outro lado, o elemento do crime de fraude fiscal consistente na diminuição das receitas tributárias.
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A conduta do arguido integra, pois, apenas e tão só, a previsão do crime de burla, p. e p., à data da sua prática, pelos arts. 313º e 314º, al. a), do Cód. Penal de 1982, versão original, e, após a reforma de 1995, pelos arts. 217º e 218º, n.º 2, al. a), do mesmo Código, e, actualmente, a previsão do crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º, n.º 3, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, não se verificando assim qualquer concurso real entre o crime de fraude fiscal e o de burla, pelo que não havia lugar à aplicação da jurisprudência fixada no acórdão n.º 3/2003, do STJ, de 07-05-2003, publicado no D.R., I-A Série, de 10-07-2003, como entendeu o acórdão recorrido.
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Assim, ao ter condenado o arguido pela autoria de dois crimes de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23º do RJIFNA, na versão original, do Dec. Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, absolvendo-o da autoria do crime de burla, p. e p. pelos arts. 313º e 314º, al. a), do Cód. Penal de 1982, versão original, por que estava acusado, violou o acórdão recorrido tais preceitos legais." Igualmente inconformado com a condenação, o arguido recorreu para esta Relação, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões: "1 - Enferma a douta sentença recorrida de erro notório na apreciação da prova.
2 - Há clara contradição entre a fundamentação do acórdão em crise e o depoimento da testemunha D......... .
3 - Os documentos tidos em consideração para a formação da convicção do Tribunal a quo, infirmam o depoimento da testemunha supra referida.
4 - Diversamente do constante da acusação, o Tribunal a quo considerou no "enquadramento jurídico" (fls. 10 e 11 da decisão em crise) ter o arguido praticado dois crimes de fraude fiscal, apesar de estranhamente no título "Da escolha e medida da pena" (fls. 14 da dita decisão) referir estar provado o cometimento pelo arguido do crime pelo qual vinha acusado.
5 - A decisão recorrida não é clara, havendo erro notório na apreciação da prova o que levou a uma clara contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo que umas vezes se refere que o arguido cometeu o crime pela qual vinha acusado e outras, dois crimes de fraude fiscal.
6 - O entendimento do Tribunal a quo de que o arguido cometeu dois crimes de fraude fiscal, baseou-se no facto, único, de haver uma quebra temporal em 24/09/92.
7 - Não curou o Tribunal de esclarecer os factos que estavam antes e os que estavam depois da referida data, nem procurou analisar correctamente toda a documentação existente nos autos, pois, se o tivesse feito, não poderia concluir, como concluiu, que o arguido, ao contrário do que vem na acusação, praticou dois crimes de fraude fiscal e não um crime de fraude fiscal, na forma continuada.
8 - Não se pode entender que o arguido tenha tido dois desígnios, uma vez que o espaço-tempo em que o arguido praticou os factos é contínuo, 9 - É irrelevante a declaração de falência da sociedade, havendo, outrossim, circunstâncias que se prolongaram ao longo de todo o tempo em que o arguido solicitou o reembolso de IVA.
10 - Deveria pois o Tribunal a quo ter condenado o arguido pela...
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