Acórdão nº 0516343 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução11 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.

  1. RELATÓRIO 1.- No PCS n.º ..../03....... do ..º Juízo do Tribunal de .........., em que são: Recorrente/arguido: B.......... .

Recorrido: Ministério Público.

Recorrido/assistente: C.......... .

foi aquele condenado por sentença, constante a fls. 183-194, proferida em 2005/Mai./09, pela prática, como autor material e em concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1 do Código Penal, nas penas de cem (100) e cento e vinte (120) dias de multa, à taxa diária de 2,5 € e, em cúmulo jurídico, na pena única de cento e oitenta (180) dias, com o mesmo valor diário, num total de € 450, bem como nos Pedido de Indemnização Cível aí referenciados.

  1. - O arguido, não se conformando com esta decisão, interpôs recurso a fls. 247-258, insurgindo-se contra essa condenação, apresentando para o efeito as seguintes conclusões: 1.ª) Verifica-se uma contradição insanável na fundamentação de direito relativa ao crime de injúrias, dado que o julgador considera que, para estar preenchido o elemento objectivo deste crime é necessário que as palavras sejam ofensivas da honra e consideração do visado e de seguida vem afirmar que nem todas as expressões são ofensivas dessa honra e consideração, pois, além de considerar que tal conduta depende do contexto sócio-cultural do visado e das circunstâncias espácio-temporais, depende também da conduta ser ou não reprovável em termos penais (fl. 5 da douta sentença).

    1. ) Esta fundamentação, obscura e contraditória na sua essência, não pode conduzir à conclusão de que as expressões "puta" e "vaca" são objectivamente injuriosas e que a visada se sentiu atingida na sua honra e consideração (fl. 5 da douta sentença).

    2. ) Ao admitir na fundamentação de facto da decisão, nomeadamente quanto aos factos não provados que "não se demonstrou qual a reputação de que goza a assistente no seu meio social", verifica-se, por inerência, uma insuficiência da matéria de facto provada para a condenação do arguido pela prática de um crime de injúrias.

    3. ) De facto, ao considerar que "não se demonstrou qual a reputação de que goza a assistente no seu meio social" (2.º parágrafo da fl. 3 da decisão) e ao concluir na fundamentação de direito que as expressões "puta" e vaca" são "objectivamente injuriosas e que a ofendida se sentiu - é normal - atingida na sua honra e consideração pessoal" (7.º parágrafo da fl. 5 da sentença), o tribunal forma incorrectamente um juízo, pois esta conclusão ultrapassa as premissas da fundamentação de facto, pois para saber se um pessoa se sente ofendida na sua honra e consideração pessoal tem de se provar se é uma pessoa que utiliza com frequência impropérios na sua linguagem diária, a sensibilidade perante eles, se é pessoa educada e civilizada no seu meio social ou não, se se sentiu desgostosa e aborrecida com tais palavras ou não, o que não se provou.

    4. ) Por outro lado, resulta manifesto do texto da decisão recorrida, nomeadamente do confronto dos factos considerados provados e não provados (fls. n.ºs 2 e 3 da douta sentença) com os depoimentos prestados em audiência, que houve erro notório na apreciação da prova.

    5. ) Na verdade, nenhuma testemunha de acusação conseguiu provar o dia, hora e ano em que ocorreram os factos (cassete C, rotações n.º001 a n.º388 e n.º389 a n.º744); a assistente afirmou claramente ao tribunal que, após a entrega da criança em sua casa, que foi logo para dentro do carro, não chegando a agredi-la; que tem dores no parietal direito e que os exames clínicos que fez devem-se a essas dores frequentes que tem, nada tendo a ver com quaisquer agressões perpetradas pelo arguido (cassete B, rotações n.º0000 a n.º0607); a testemunha D.......... teve depoimento muito frágil, pois não conseguiu descrever como os murros foram dados, com que mão, se foi no lado direito ou do lado esquerdo da cabeça, qual foi a intensidade, se foi perto da porta do carro ou da porta da residência da assistente e se a ofendida se queixou ou não; a testemunha E.......... nada viu (cassete C, rotações n.º389 a n.º744).

    6. ) Relativamente à acusação ao arguido de um crime de ofensas à integridade física simples ao E.........., os depoimentos das mesmas testemunhas revelaram-se igualmente muito frágeis e até desconexos, pois, como já tinha acontecido para a prova do mesmo crime à assistente, nada se diz quantos murros foram dados, onde foi dada a bofetada, com que mão, se foi no lado direito ou do lado esquerdo da cabeça ou da cara, onde foram dados os pontapés, quantos, qual foi a intensidade, se foi perto da porta do carro ou da porta da residência da assistente e se o ofendido se queixou ou não (cassete C, rotações n.º001 a n.º388 e n.º389 a n.º744).

    7. ) Decorre claramente do próprio texto da decisão recorrida (a fls. 3 da douta sentença) que o meritíssimo Juiz "a quo" teve sérias dúvidas sobre a credibilidade e consistência da prova produzida pela acusação, uma vez que recorreu apenas a uma testemunha, no caso D.........., e mesmo assim afirma que lhe "parece ser a mais equidistante" de todas, portanto, sem nenhuma convicção ou certeza da sua seriedade e da veracidade do seu depoimento para, com base nele, condenar o arguido pela prática dos crimes de que vem acusado.

    8. ) As declarações prestadas pelas testemunhas de defesa revelaram-se seguros e garantes da veracidade dos factos constantes da contestação, conforme decorre do próprio texto da decisão recorrida (4.º parágrafo da pág. 3 da sentença) e dos suportes técnicos (cassete C, rotações n.º745 a n.º1040, n.º1041 a n.º1345, n.º1346 a n.º1640), infirmando todos os indícios resultantes da acusação pública.

    9. ) Por todos estes motivos, o tribunal "a quo" deveria ter absolvido, sem qualquer espírito de dúvida razoável, o arguido de todos os crimes de que vem acusado ou, pelo menos, tendo um estado de "non liquet" como parece que tem, aplicado o princípio fundamental de processo penal "in dubio pro reo", tendo havido uma incorrecta interpretação, face à prova produzida, dos arts. 181.º, n.º1 e 143.º, n.º1 do C. P. e do art. 32.º, n.º2 da C. R. P., por não se ter provado com clareza que estivessem preenchidos, nomeadamente, os seus elementos constitutivos de natureza objectiva "palavras ofensivas da sua honra e consideração pessoal" e que tivesse sido "ofendido o corpo e a saúde" da assistente e do demandante E.........., havendo ainda a acrescentar, quanto à suposta agressão ao E.........., que ficou provado que nenhuma intenção houve da parte do arguido de o ofender, pelo que também não se afigura preenchido o elemento subjectivo do tipo legal de crime previsto no art. 143.º, n.º1 do C.Penal quanto a este (cassete A, depoimento do arguido, rotações n.º00 a n.º08:21) e cassete C, depoimento das testemunhas de defesa, rotações n.º745 a n.º1040, n.º1041 a n.º1345, n.º1346 a n.º1640).

    10. ) Por fim, não foi feita uma exposição completa dos motivos da decisão, nem um exame crítico e racionalmente fundamentado das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

    11. ) O tribunal de 1.ª instância violou ainda o art. 410.º, n.º2, als. a), b) e c) do C. P. P. e os arts. 205.º, n.º1 da C. R. P. e 374.º, n.º2 do C. P. P..

    Termina a sua motivação de recurso, requerendo: a) a anulação do julgamento e o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no n.º1 do art. 426.º do C. P. P., face à insuficiente matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, com a consequente absolvição do arguido; b) a nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do C. P. P., dada a falta de uma exposição completa dos motivos da decisão e de um exame crítico e racionalmente fundamentado das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

  2. - A assistente respondeu a fls. 266-269, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões: 1.ª) Face ao exposto, não merece pois qualquer reparo a douta sentença recorrida.

    1. ) O facto do tribunal "a quo", considerar que não se demonstrou qual a reputação de que goza a Assistente no seu meio social, não é essencial para se considerar que as palavras proferidas que foram "Puta" e "Vaca", sejam ofensivas da honra e consideração do visado.

    2. ) O tribunal assim o entendeu, não sendo necessário fazer prova da reputação de que goza a Assistente no seu meio social, pois que tais expressões são de tal ordem grave, que só por si acarretam objectivamente ofensa à honra e consideração do visado.

    3. ) Quanto aos crimes de ofensas corporais, o depoimento de todas as testemunhas de acusação são unânimes num facto; as agressões por parte do arguido aos ofendidos.

    4. ) Todas as testemunhas referiram que o E.......... levou pontapés e murros nas pernas, na cabeça e em várias partes do corpo, o que deve ser valorado como inequívoco, o facto de que o mesmo sofreu as agressões constantes na douta acusação pública por parte do arguido.

    5. ) O tribunal baseou em muito a sua decisão no depoimento da testemunha D.........., que foi peremptória no seu depoimento, ao confirmar que naquele dia os ofendidos foram agredidos a murros e pontapés pelo arguido, e que presenciou todos os factos, pois estava presente no local, sendo que era vizinha da ofendida.

    6. ) Acresce ainda a existência de prova documental nos autos, nomeadamente os relatórios médicos, que atestam a existência de lesões resultantes de agressões aos ofendidos.

    7. ) De salientar ainda a argumentação do arguido admitir ter sido provocado pelo ofendido E.......... na amostra de um relógio que o mesmo lhe roubou (segundo o arguido), ter-lhe dado involuntariamente uma "chapada" na tentativa de reaver o relógio, sendo que tal involuntariedade se afigura completamente improvável.

    8. ) A decisão recorrida não violou qualquer preceito legal, sendo bem fundamentada, aplicando aos factos o direito de forma exemplar.

  3. - O Ministério Público...

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