Acórdão nº 0520658 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução15 de Março de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B...................., Ldª, com sede na Rua ............., nº ...., ..º, em Matosinhos, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra C....................., S.A., actualmente designada C1................, S.A., com sede no Lugar .............., em Guimarães, pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de 31.249.899$00, acrescida de juros à taxa de 15% sobre a quantia de 29.980.847$00 desde 17 de Março de 1998 e até efectivo pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que celebrou um contrato de transporte de mercadorias com a ré, contrato que esta incumpriu, motivando a sua resolução. Com base na indemnização prevista para a resolução do contrato, encontra o montante peticionado.

Contestou a ré para, no essencial, excepcionar a nulidade do contrato, quer por o considerar usurário, quer por ter sido celebrado sob coacção moral e explorando o estado de dependência dos administradores que o subscreveram, quer ainda por ofender as normas de conduta que regem o exercício da actividade comercial e violador da liberdade económica.

E requereu, por fim, a intervenção dos administradores que assinaram o contrato por se terem constituído em responsabilidade perante si pelos prejuízos decorrentes da execução deste contrato.

Termina pedindo a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé.

Replicou a autora para defender que os vícios assacados ao contrato não são invocáveis perante si, por alheia às relações da ré com os seus accionistas e/ou administradores. E que as condições contratualizadas eram as normais no mercado.

Pede a condenação da ré como litigante de má fé e opõe-se à intervenção provocada dos administradores da ré.

Na sequência de acórdão desta Relação foi admitida a intervenção acessória de D....................... e E......................, administradores da ré que subscreveram o contrato.

Contestou o chamado D................ para, em síntese, corroborar a posição da ré e alegar que todas as decisões importantes para a vida da ré eram tomadas pelo único accionista F................., apesar de não integrar o seu Conselho de Administração. E que foi por sua determinação expressa que subscreveu o contrato em causa, tendo todavia esse accionista assumido pessoalmente as consequências daí emergentes.

Deduziu ainda incidente de intervenção acessória provocada sucessiva daquele accionista e dos restantes membros do Conselho de Administração, a quem tempestivamente havia dado conhecimento das condições em que o contrato tinha sido subscrito.

Igualmente contestou o chamado E.................. começando por alegar que as condições vertidas no contrato são as normais no mercado e que este contrato se apresentava vantajoso para a ré. Que o contrato foi analisado e discutido pelos membros do Conselho de Administração que aprovaram a sua elaboração. Mais refere que este contrato começou por ser verbal, só posteriormente tendo sido reduzido a escrito. Termina pedindo a condenação da ré como litigante de má fé.

Admitido o chamamento sucessivo de F............... foi apresentada contestação pela sua mulher, dado ele ter entretanto falecido, contestação que todavia foi mandada desentranhar.

Saneado o processo e fixados os factos que se consideraram assentes e os controvertidos, aditada de novos factos a base instrutória na sequência das contestações apresentadas pelos chamados, teve lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.

Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada improcedente com a consequente absolvição da ré do respectivo pedido.

Inconformada com o assim decidido, recorreu a autora, defendendo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que condene a ré no pedido.

Contra-alegou a ré, pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  1. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo da apelante radica no seguinte: 1- A sentença recorrida entendeu que o contrato em análise nos autos seria anulável por usura nos termos do art. 282° do Cód. Civil, por na sua perspectiva se verificarem os dois tipos de elementos desse vício - o objectivo (grave desequilíbrio entre as prestações, mormente por benefícios excessivos ou injustificados para um dos contraentes) e os subjectivos (exploração de uma situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de um dos contraentes); 2- Porém, tratou-se de uma interpretação inexacta da matéria de facto, uma vez que, no caso vertente, não se verifica nem um, nem outro desses requisitos - sendo certo que bastaria não se verificar um deles para se concluir pela inexistência de usura, dado eles terem de concorrer cumulativamente (cfr. o preceito); 3- Quanto ao primeiro, considerou a sentença que o facto de o contrato ser omisso quanto aos preços a praticar conferiria à A. o poder de praticar os que bem lhe aprouvessem, mormente preços superiores aos do mercado (embora, como refere a sentença, a A. nunca o tenha feito); 4- No dizer da sentença, haveria assim um «desequilíbrio de prestações», sendo conferidos à A. «benefícios injustificados» na exclusividade dos transportes durante os três anos de vigência do contrato, dispensando-a do trabalho de angariar clientes, e não concederia nenhum benefício à R. e a colocaria na posição de estar «obrigada a aceitar» preços elevados se a A. o entendesse; 5- Porém, o facto de o contrato ser omisso quanto aos preços a praticar pela A. por forma alguma confere a esta a possibilidade do arbítrio que a sentença lhe atribui, pois que a A. sempre se encontrava submetida às regras legais que presidem a essa fixação - mormente, ao art. 1.158º nº 2 do Cód. Civil; 6- Na verdade, um contrato não tem de dizer o que resulta da Lei, mormente determinando (por exemplo) que um dos contraentes terá de cumprir pontualmente a sua prestação, de respeitar os prazos de recolha e entrega, de zelar pelos bens que lhe estão confiados, etc., uma vez que tais obrigações constam da Lei e, como tal, não têm de ser expressamente consignadas para que vinculem os contratantes; 7- Sendo de frisar que "os preços dos transportes são variáveis, não permitindo a sua determinação prévia para casos tão variados como eram os da R." (resp. ao ponto 10º da B.l.) e que "a estipulação de preços pela A. era pontualmente definida e a R. confirmava e aceitava antes da efectivação de cada transporte" (resp. ao j ponto 11º) - ou seja, a circunstância de o contrato ser omisso quanto aos preços resulta da própria natureza dos serviços em causa; 8- Sem prescindir, ainda que o atrás referido não fosse rigoroso - e afigura-se sê-lo - e a A. tivesse efectivamente o poder arbitrário de fixar os preços como bem entendesse, parece que apenas assistiria à R. o direito de não o cumprir se a A. efectivamente tivesse fixado preços que nada tinham a ver com os de mercado - o que nunca ocorreu; 9- Pese embora a R. ter imputado à A. - e só após a cessação do contrato, que não antes - a prática de preços superiores aos de mercado, tal não resultou provado - cfr. resp. negativas aos pontos 8º e 9º da B.I, sendo certo e seguro que se a o tivesse feito, ela R poderia ter resolvido o contrato por incumprimento (ou cumprimentos defeituoso) por parte da A.; 10- Em face do exposto, parece não se vislumbrar como e em que medida a concessão à A. da exclusividade dos transportes da R. durante pelo menos três anos atribuiria àquela...

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