Acórdão nº 0530820 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGONÇALO SILVANO
Data da Resolução07 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório B.........., C.......... e D.......... intentaram contra o ESTADO PORTUGUÊS, acção declarativa sob a forma de processo ordinário, pedindo seja condenado a pagar-lhes os danos que lhe causou na quantia de 29.100.000$00, ou seja, 145.150,18 €, a que acrescem os juros contados desde a citação da R. tudo perfazendo 201.258,79 €.

Alegaram em síntese que: -são os únicos filhos de E.........., falecido a 20 de Janeiro de 1997, em consequência directa e necessária dos ferimentos que sofreu em acidente de viação, ocorrido nesse mesmo -com fundamento no acidente que vitimou o infeliz E.........., os AA., então acompanhados de sua mãe, F.......... já falecida, intentaram, em 9 de Fevereiro de 1998, no Tribunal de Vila Nova de Famalicão, acção declarativa com processo sumário, contra a Companhia de Seguros X.........., na qual reclamaram o pagamento de uma indemnização no valor de 35.723.000$00 por entenderem ser esse o valor dos danos decorrentes da morte de seu pai e marido.

-tal Acção teve o n.º .../98 e correu termos pelo ...º Juízo Cível daquele Tribunal, e após julgamento foi proferida Sentença na qual na qual se concluiu que os danos sofridos pelos AA. e decorrentes do acidente que vitimou seu pai, ascenderam a 33.100.000$00.

-entendeu-se, porém nessa sentença que os AA. não conseguiram provar a culpa do condutor do veículo que atropelou o infeliz E.........., e decidiu-se condenar a R. Companhia de Seguros X.........., seguradora daquele veículo, com base no risco, e, com fundamento no disposto no art. 508.º, n.º 1, 1.ª parte, do Cód. Civil, na indemnização que foi reduzida a apenas 4.000.000$00.

-os autores não se conformaram com essa decisão e dela interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, centrando as suas alegações em dois fundamentos: por um lado, entendiam que havia matéria de facto que permitiria concluir pela culpa do condutor do veículo atropelante, e, por outro lado, mesmo que eventualmente se concluísse pela responsabilidade pelo risco, sempre a indemnização a atribuir aos aqui AA. não poderia ser fixada no valor arbitrado naquela Sentença, pois entendiam que tal limitação contraria o disposto na Segunda Directiva 84/5/CEE, do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitante ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização de obrigação de segurar esta responsabilidade, que além de entrar directamente na ordem jurídica interna, prevalece, e até substitui a norma de direito interno.

Mais invocaram os AA., nas suas alegações para o Tribunal da Relação do Porto, o disposto no nº 1, 2 e 5 do artº 1º dessa segunda Directiva; porém o Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão no qual entendeu que a responsabilidade pelo risco está limitada aos montantes referidos no art. 508.º, n.º 1, do Cód. Civil, pois a citada Directiva não foi transposta para o direito interno português, pelo que, diz, a sua invocação se torna irrelevante, e manteve inalterada a decisão proferida em 1.ª Instância, que confirmou inteiramente.

Continuando inconformados com tal acórdão interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo nas suas alegações invocada a mesma argumentação que haviam apresentado para o Tribunal da Relação do Porto ,porque entendiam, e entendem ainda, os AA., que não deve haver lugar à limitação do montante de indemnização devida pela responsabilidade pelo risco, tal como ainda prescreve o art. 508.º, n.º 1, do Cód. Civil, pois a aludida Directiva Comunitária é directamente aplicável na nossa ordem jurídica, e isto, para além do Estado Português se ter obrigado, através do Tratado, inteiramente válido, a transpor para a nossa ordem jurídica, até 31 de Dezembro de 1995, a dita Directiva.

Contudo o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão transitada no início de Outubro de 2002, confirmou o Acórdão recorrido, entendendo, em síntese, que enquanto não for transposta para o direito nacional, não tem aplicação tal Directiva.

Concluem os autores agora pela responsabilização do Estado Português por ser obrigado a transpor para o direito interno a referida Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, tendo assumido o compromisso de o fazer, na sua globalidade, até 31 de Dezembro de 1995.

Não o fazendo, e tendo todas as instâncias negado a aplicação de tal Directiva, que deveria ter sido transposta, e tendo aplicado as limitações estabelecidas pelo mencionado art. 508.º, n.º 1, atribuindo aos AA. uma indemnização de apenas 4.000.000$00, acrescida de juros que se venceram a contar da citação da R., entendem os autores ter direito a receber do Estado Português (por omissão legislativa comunitária) o valor dos danos efectivamente decorrentes do acidente que vitimou seu pai, na importância de 29.100.000$00 (33.100.000$00 - 4.000.000$00), a que acresceriam os juros entretanto vencidos desde a citação e até efectivo pagamento e isto, não obstante já terem a apresentado queixa junto da Comissão das Comunidades Europeias, para que, também a Comissão intente uma acção por incumprimento contra o Estado Português.

Em contestação o Estado Português impugnou os termos da acção, dizendo, em síntese, que os prejuízos alegados pelos autores resultam tão só da interpretação e aplicação do direito pelas instâncias judiciais, pois que a Segunda Directiva fazia já parte da ordem jurídica interna.

Foi apresentada réplica e reclamação quanto à sua admissão, mas tendo sido proferido despacho saneador tabelar, omitiu-se apreciação sobre esta questão que não mereceu impugnação das as partes sobre este aspecto.

No despacho saneador conheceu-se do mérito da acção e julgou-se a mesma totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se o Estado Português do pedido.

Inconformados com o decidido os autores recorreram, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte: I-A douta decisão não fez correcta aplicação do Direito, ao decidir julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo-se o réu Estado Português, ora recorrido, do pedido formulado pelos A.A., ora recorrentes; II-A douta sentença ao quo deu como assentes os factos vertidos nos seus artigos 1º a 18º, os quais os ora recorrentes também aceitam, fazendo prova quanto aos pressupostos de responsabilidade do Estado Português em sede de omissão legislativa, conforme peticionado pelos recorrentes; III- Nos termos do disposto no artº 22º da Constituição da República Portuguesa, o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis em forma solidária com os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes, por acção ou omissão praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem; IV- Esta norma consagra expressamente uma responsabilidade do Estado por actos ou omissões legislativas ilícitas, isto é actos ou omissões legislativos contrários ao direito; V-O nº 2 do artº 1º da Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis (segunda Directiva), incidindo sobre o alcance da cobertura garantida pelo seguro obrigatório, fixa para o mesmo limites mínimos com o objectivo de reduzir as discrepâncias que subsistam entre as legislações dos Estados membros quanto ao alcance da obrigação de cobertura daquele seguro; VI-O artigo 6º do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro estabelece no seu nº 1 o montante do capital mínimo obrigatoriamente seguro; VII- Contudo, nos termos do nº 1 do artº 508º do CC, o montante máximo de indemnização fixada é inferior ao montante mínimo do capital obrigatoriamente seguro nos casos de responsabilidade civil automóvel; VIII- Com efeito, desde a publicação da citada Directiva tem-se entendido que os montantes mínimos de capital seguro fixados pelo nº 2 do artigo 1º da mesma, têm de ser respeitados independentemente da espécie de responsabilidade civil em jogo; IX- Ora sucede que, não tendo o Estado Português alterado a redacção do artigo 508º nº 1 do CC, como impunha a capaz e completa transposição da Directiva, levou ao surgimento de divergências interpretativas na doutrina e na jurisprudência nacionais: para uns o disposto no artigo nº 1 do CC foi tacitamente revogado com a publicação do DL nº 522/85 e os limites máximos de indemnização a fixar seriam os limites mínimos de capital seguro; para outros, o disposto no mesmo artigo do CC continuaria em vigor, situando-se o limite máximo de indemnização no dobro da alçada da relação. Discussão só possível por a lei de forma clara não estabelecer a revogação ou alteração da redacção do artº 508º nº 1 do CC; X-O Estado Português é sempre responsável pelas divergências de entendimentos jurisprudenciais e doutrinários, relativos ao desentendimento quanto à correcta transposição da Directiva, não sendo exigível aos recorrentes a assunção dos prejuízos que tal omissão legislativa lhes aportou; XI- Incumbia ao Estado Português, no cumprimento da citada Directiva e aquando da redacção/publicação do DL nº 522/85 de 31 de Dezembro, como verdadeiro e competente técnico do direito, além de ter fixado o novo valor do capital seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, alterar a redacção do disposto no artº 508º nº 1 do CC, em conformidade; XII- Incumbe ao legislador nacional na sua actividade legislar na medida e segundo a perspectiva de todo o sistema jurídico (perspectiva sistémica), por forma a legislar de forma completa e concreta; XIII- Existe por parte do legislador nacional, do Estado Português, um dever de elevada concretização legislativa, por forma a obviar discrepâncias totalmente contraditórias, lesivas dos direitos dos particulares; XIV-O teor integral e a ratio legis consagrada na segunda Directiva 84/5/CEE, não foram...

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