Acórdão nº 0532464 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Maio de 2005

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução12 de Maio de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No ..º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mirandela, veio, em 14.05.2004, o Mº Público, em representação da menor B............... e ao abrigo do disposto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 75/98, de 19/11, por apenso aos autos de execução de alimentos que aí correram termos, identificados a fls. 2, requerer se fixe uma prestação alimentícia a pagar pelo Estado, através do Fundo de Garantia dos Alimentos devidos a Menores, uma vez que o devedor de alimentos C................. os deixou de pagar por não ter meios com que o fazer, não se tendo, por isso, logrado obter o pagamento coercivo das prestações em dívida por parte daquele.

Foi solicitada informação ao CRSS sobre a situação económica da mãe da menor.

Por despacho de fls. 9 verso a 10 (proferido a 17.09.04) foi julgado procedente o aludido requerimento de 14.05.2004, fixando-se a prestação mensal em € 125, a pagar pelo Estado à menor, em substituição do pai/devedor C............ .

Mais foi decidido que tal prestação seria anualmente actualizável "de acordo com o índice de aumento da função pública e o seu vencimento retroage à data da propositura da acção- 14 de Maio de 2004" - sublinhado nosso.

Inconformado com este despacho, veio o Fundo de Gestão Financeira da Segurança Social, interpor recurso de agravo, apresentando alegações que termina com as seguintes CONCLUSÕES: "1 - A decisão é omissa relativamente à obrigação judicial de prestação de alimentos por parte do progenitor.

2 - Pela leitura de todo o despacho, conclui-se que não foi fixado judicialmente uma obrigação de prestação de alimentos.

3 - Tão só, é referido que: "Nos presentes autos pretende o Ministério Público que seja fixada uma prestação de alimentos em favor da menor..., em virtude de se verificar que a progenitor não tem capacidade financeira para tal".

4 - Não se discorda da necessidade e direito a alimentos por parte dos menores, o facto é que a decisão é omissa nos requisitos exigíveis no âmbito da lei do FGADM.

5 - Na verdade, "in casu" não existem quantias em dívida, porque não se verifica estabelecido uma obrigação de prestar alimentos que decorra de decisão judicial ao progenitor dos menores.

6 - Tal figura como requisito e pressuposto do pagamento do FGADM, do artº 1º e nº 1 do artº 3º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e ao nº 1 alínea a) do artº 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.

7 - Não existindo assim incumprimento nem a impossibilidade das quantias em dívida serem satisfeitas pelos termos previstos no artigo nº 189º do Decreto-Lei nº 134/98, de 27 de Outubro.

8 - Salvo o devido respeito, não se pode interpretar os diplomas que regem o FGADM, de forma ampla, na verdade e face à "racio-legis" daqueles diplomas a sua razão de ser, visa assegurar a prestação de alimentos a menores, a que o progenitor ficou judicialmente obrigado e que nunca satisfez.

9 - Pelo contrário, deve fazer-se dos mesmos uma interpretação restritiva, pelo que o elemento gramatical tem de ser dimensionado pelo princípio hermenêutico contido no artigo 9º do Código Civil, onde se expressa que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertados e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".

10 - E, a lei no âmbito do FGADM é expressa quanto ao obrigado judicialmente, conforme o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.

11 - Tem que se verificar incumprimento por parte do progenitor não guardião do menor.

12 - Ressalta assim, a intenção do legislador, expressamente consagrada, que fica a cargo do Estado o pagamento da prestação de alimentos, quando tenha havido uma sentença judicial que fixe os alimentos aos menores e posteriormente se verifique o incumprimento da mesma.

13 - O Estado-FGADM só pode substituir-se a um devedor existente e não a um devedor inexistente. "in casu" não existe um devedor, logo, o FGADM não é substituto de ninguém.

14 - Nos termos do artigo 5º DL nº 164199, de 13/05, existe as garantias de reembolso, é de concluir que o Estado-FGADM só poderá exigir o reembolso das quantias pagas em substituição de um devedor obrigado judicialmente a prestar alimentos e que nunca satisfez.

15 - Na inexistência de uma decisão judicial na obrigação da prestação de alimentos ao menor, e se o Estado-FGADM inicia o pagamento das prestações, futuramente a quem se solicita o reembolso? 16 - A nosso ver, não é correcto pôr-se o Estado a pagar algo que não foi garantido por sentença judicial, requisito essencial e previsto de forma expressa nos citados diplomas, ou seja, não se deve fazer impender sobre o Fundo a obrigação de satisfazer prestações a que nunca o progenitor foi obrigado.

17 - Nos termos do artigo 5º DL nº 164/99, de 13/05, existem garantias de reembolso, fácil é de concluir que o Estado-FGADM só poderá exigir o reembolso das quantias pagas, a um obrigado judicialmente e que por falta de pagamento o Estado se substituiu.

18 - De salientar ainda que, não há qualquer semelhança entre a razão de ser das disposições do Código Civil e as do FGADM, as primeiras são lei geral, as segundas lei especial.

19 - O douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nº 3499/01, bem decidiu no sentido de que a lei faz depender o dever do Estado de prestar alimentos na verificação cumulativa dos requisitos: A existência de sentença que fixe os alimentos a menores; Residência do menor em território nacional; Inexistência de rendimentos líquidos do alimentado superiores ao SMN; Que o alimentado não beneficie, na mesma qualidade, de rendimentos de outrém a cuja guarda se encontre; Não pagamento total ou parcial, por parte de devedor, das quantias em dívida de uma das formas previstas no artigo 189.1 da OTM.

20 - No mesmo sentido, relativamente a esta matéria, pronunciaram-se recentemente, o Tribunal da Relação de Évora - Acórdão nº 2915/03-2 - 2ª Secção de 30-03-2004 e o Tribunal da Relação do Porto - Acórdão nº 2217/04-2 - 2ª Secção de 09-07-2004.

21- Não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 1º e nº 1 do artigo 3º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e ao nº 1 alínea a) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.

22 - Não foi intenção do legislador da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos.

23 - Foi preocupação dominante, nomeadamente do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de diploma o evitar o agravamento excessivo da despesa pública, um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa.

24 - Também o legislador não teve em vista uma situação que a médio prazo se tornasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura sócio-económica já então perfeitamente delineada.

25 - Deve ter-se presente a "Ratio Legis" dos diplomas no âmbito do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores - FGADM, que, na sua razão de ser, visa assegurar a prestação de alimentos a menores, um mês após a notificação da decisão do Tribunal (conf. nº 5 do artº 4º do DL nº 164/99, de 13 de Maio), e não o pagamento dos débitos acumulados anteriormente pelo progenitor responsável pelo pagamento dessas prestações.

26 - Assim, não se pode considerar objectivamente que esteja aludida nos diplomas, a responsabilidade do Estado-FGADM pelo pagamento de débitos acumulados pelo progenitor relapso.

A admitir o contrário e face ao que foi dito quanto à posição do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de lei, e a preocupação de que o legislador se revestiu no sentido de evitar um agravamento das despesas públicas, estar-se-ia a iludir o espírito da lei, apostada em não fomentar a irresponsabilidade por parte dos progenitores, quanto à obrigação de zelar pelos alimentos aos seus filhos...

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