Acórdão nº 0533284 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução14 de Julho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - B............ LDª instaurou a presente acção contra: C............ LDª, pedindo a condenação desta a pagar-lhe 2.796.573$00, acrecidos de juros.

Alegou, em síntese, que: Exerce a actividade de fabrico e comercialização de máquinas e outros produtos industriais e metalomecânicos.

No exercício dessa actividade, fabricou e vendeu à ré equipamento para instalação de britagem e selecção, cujo valor total importou em 24.609.503$00.

Deste a ré ainda não lhe pagou os referidos 2.796.573$00.

A R. contestou, impugnando a versão da autora e sustentando que a quantia em dívida se refere a um quadro eléctrico que a autora não lhe enviou que, por isso, teve de adquirir a terceiros.

A autora replicou.

Alterou a causa de pedir no sentido de esclarecer que o preço total, sem IVA, do que forneceu foi de 25.856.235$00 e manteve o por si alegado, bem como o pedido inicial.

Na altura própria teve lugar a audiência de julgamento.

Nela, a Sr.ª Juíza não admitiu a depor uma pessoa indicada como testemunha, por se ter identificado como sócio-gerente R. (folhas 133).

II - Desta decisão interpôs a mesma R. agravo.

Subiu de imediato e em separado, mas este Tribunal da Relação dele não conheceu então por entender que devia ter subido diferidamente.

Mantendo a parte nele interesse (conforme referiu a folhas 333), há que dele conhecer.

III - Respondidos os pontos da Base Instrutória, a Sr.ª Juíza proferiu sentença em que condenou a R. no pedido.

Apelou esta.

IV - A folhas 296 e na sequência de informação da secretaria sobre a insuficiência da taxa de justiça paga pela apelante com a apresentação das alegações de recurso, a Sr.ª Juíza determinou que se notificasse esta para proceder ao pagamento da quantia em falta, nos termos do art.º 690.º B, n.º1 do CPC.

Desta decisão agrava a A.

V - Numa interpretação rígida do art.º 710.º do CPC, havia que conhecer primeiro do 1.º agravo, depois da apelação e, finalmente, do 2.º agravo.

Mas, já flúi do que referimos, este segundo agravo encerra uma questão prejudicial relativamente à apelação. Se provido, as alegações desta não podem ser admitidas, impondo-se a deserção.

Daí que, na esteira do que entendeu já o STJ (Ac. de 16.3.1995, no BMJ, 445.º, 403) confiramos elasticidade interpretativa ao mencionado preceito e entendamos conhecer do segundo agravo antes de conhecermos - se a decisão deste não prejudicar tal conhecimento - da apelação.

Temos, então, a seguinte ordem de conhecimento: 1.º Agravo; 2.º Agravo; 3.º Apelação.

VI - Quanto ao 1.º Agravo, conclui a agravante-ré as alegações do seguinte modo: A - A mera qualidade de sócio, enquanto titular de uma participação social, invocada pela testemunha arrolada pela ré, ora recorrente, no decurso da audiência de julgamento não obriga a pessoa colectiva.

B - O sócio arrolado como testemunha pela ré não sendo gerente, não é um representante legal da pessoa colectiva.

C - O depoimento do mero sócio não obriga a pessoa colectiva, não podendo depor como parte.

D - Não consta dos autos qualquer documento em como foram conferidos a tal sócio poderes para confessar .

E - Apenas não pode depor como testemunha quem dispuser de poderes para confessar na acção.

F - A circunstância de ter interesse na causa é elemento a que o juiz atende para avaliar a força probatória do depoimento, mas não é fundamento de inabilidade .

G - Na interpretação da ré recorrente, o art.º 617.º do Cód. de Processo Civil só poderá ser fundamento para declaração da inabilidade de audição de uma testemunha, sócio, numa causa em que intervém como parte a pessoa colectiva, desde que o mesmo sócio seja gerente da firma, uma vez que representa a pessoa colectiva e, pelo pacto social, não esteja clausulada a sua proibição de confessar; ou, não sendo gerente, conste dos autos documento pelo qual lhe foram conferidos poderes para confessar, obrigando a pessoa colectiva.

Não houve contra-alegações.

VII - O presente recurso levanta apenas uma questão, consistente em saber se o D......... podia - e consequentemente devia - ter sido ouvido como testemunha.

VIII - Factualmente, a decisão a tomar assenta no seguinte: A R. arrolou este D....... como testemunha (folhas 53); Chamado a depor na audiência de julgamento, referiu aos costumes - segundo consta da acta - "ser sócio-gerente da Ré".

Perante isto, a Sr.ª Juíza que presidia à audiência ditou para a acta o seguinte despacho: "Uma vez que a testemunha se identificou como sendo sócio-gerente da ré, não pode a mesma depor como tal - art.º 617.º do CPC. " Em 7.6.04 - alguns meses depois - veio os D....... dizer que não corresponde à verdade que seja sócio-gerente da R. ou mesmo que tal tenha declarado em audiência (folhas 210).

IX - A solução do presente recurso está, efectivamente, em primeira linha, na interpretação do art.º 617.º do CPC. Não podem ser testemunhas - estatui-se ali - os que na causa possam depor como partes.

E podem depor como partes os representantes das pessoas colectivas ou sociedades.

Assim, o representante duma sociedade não pode depor como testemunha em causa em que essa sociedade seja parte. Isto independentemente de, eventualmente, lhe terem sido retirados poderes confessórios (Neste sentido, prof. Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 533).

X - Nos termos do art.º 252.º, n.º1 do Código das Sociedades Comerciais, a sociedade é representada por um ou mais gerentes.

A pessoa em causa intitulou-se sócio-gerente da R.

Tanto bastava para ser tomada a decisão nos termos em que o foi.

XI - É certo que podia dar-se o caso de a testemunha, até dolosamente no sentido de querer eximir-se ao depoimento, se intitular falsamente representante da R.

Nas alegações agora apresentadas, pretende-se que ele era mero sócio, sem poderes de gerência. Mas não foi o que ele disse e que se encontra vertido em acta.

Se ele assim o disse, logo na fase preliminar do seu depoimento, temos uma situação de prova da primeira aparência (Cfr-se prof. Manuel da Andrade, NEPC, 192) e caberia à ora recorrente - que estava ali representada - infirmar logo que o indicado depoente não tinha poderes de gerência, se efectivamente os não tinha.

Esta prova da primeira aparência é, nesta matéria, particularmente relevante, pois de outro modo, de cada vez que uma testemunha referisse algo que a impedisse de o ser, tinha que se suspender a audiência e recolher elementos - nomeadamente documentais - sobre os factos integrantes de tal impedimento.

Mas, se acaso se admitisse que passou a constar da acta o que a testemunha não tivesse dito - o que só por hipótese de raciocínio se admite - ainda assim havia que ser seguido o percurso próprio da falsidade (art.º 372.º do CC) e havia que ser respeitado o prazo de arguição das nulidades secundárias que resulta do art.º205.º, n.º1 do CPC. E quanto a este, se não se considerar a imposição da invocação imediata da pretensa nulidade, sempre haveria que ter em conta que a parte, já com a acta junta aos autos, praticou actos processuais, começando, então, a partir daí o decurso do prazo geral dos dez dias. Que foi largamente ultrapassado.

Não merece provimento este recurso.

XII - O segundo agravo é interposto pela R.

Conclui ela as alegações do seguinte modo: A - A Recorrida, então recorrente, não entregou, nem remeteu ao tribunal, com as alegações, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo recurso que interpôs da sentença final.

B - Foi expedida notificação à mandatária da Recorrida, então recorrente, para no prazo de dez dias pagar a taxa de justiça bem como a multa prevista no nº 1 do art.º 690º -B, do CPC, sob pena de desentranhamento das alegações - fIs 277 dos autos.

C - A Recorrida, no termo do prazo de 10 dias, referido na alínea anterior, não juntou ao processo o documento comprovativo daquele pagamento, o que determina o desentranhamento...

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