Acórdão nº 0533844 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2006
Magistrado Responsável | DEOLINDA VARÃO |
Data da Resolução | 23 de Março de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.
B….. instaurou acção especial de inquérito judicial contra C….. e D…. .
Pediu que fosse ordenado inquérito judicial à sociedade irregular B...... e C......, englobando o referido inquérito quer o estabelecimento comercial sito na Urbanização da …., em …., quer o situado na Rua …., nºs … e …, r/c, no …., em Bragança.
Como fundamento, alegou, em síntese, que existe uma sociedade, sob o tipo de sociedade comercial por quotas, constituída com o réu C….., seu irmão, sendo ambos os únicos sócios da mesma, a qual não chegou a ser constituída por escritura pública.
Que tal sociedade irregular iniciou a sua actividade em Fevereiro de 1990, com um estabelecimento comercial de "produção, comercialização, importação e exportação de produtos derivados de madeira", como tal actuando perante terceiros e entre si, tendo adquirido mais um estabelecimento e distribuído lucros de tal actividade.
A gerência era exercida pelo requerido C…., mas, a certa altura, a requerente apercebeu-se que as contas não estavam certas, que havia escritas paralelas no registo de vendas a crédito e desvio de dinheiro, e que tinha colocado o seu genro, o requerido D......, à frente do estabelecimento, sito na rua H, para onde o primeiro desviou dinheiro, mercadorias e clientes da sociedade.
Em Abril de 1997, o requerido C...... recusou-se a outorgar a escritura pública de constituição da sociedade por quotas, porque já havia posto a girar este estabelecimento em nome do seu referido genro e para encerrar o outro estabelecimento da sociedade, o que veio a acontecer em Novembro de 1998.
O requerido C...... não escriturou nem organizou os livros de escrituração comercial obrigatórios, nem emitiu facturas de todas as transacções comerciais que efectuou desde Fevereiro de 1990. E recusou-se a apresentar as informações e as contas, apesar de solicitado para o efeito.
Os requeridos contestaram separadamente, invocando ambos a ilegitimidade da requerente e impugnando os factos alegados.
O requerido C...... requereu ainda a intervenção principal de E….., que foi indeferida por despacho já transitado em julgado.
Foi proferido despacho que anulou todo o processado por erro na forma do processo, o qual foi revogado por Acórdão desta Relação.
Foi proferido outro despacho que ordenou a suspensão da instância até que fosse proferida decisão na acção ordinária 1260/03, pendente no mesmo Juízo, que foi revogado por Acórdão desta Relação.
Finalmente, foi proferida decisão que: Julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da requerente; Julgou o requerido D...... parte ilegítima, absolvendo-o da instância; Julgou a acção parcialmente procedente e nomeou um gerente/administrador para, no prazo de 45 dias, elaborar os relatórios de gestão e as contas relativas aos anos de 1994, 1995, 1996, 1997, 1998 e 1999 até à data do arrolamento ocorrido em Julho de 1999.
Absolveu o requerido C...... do mais pedido.
Inconformado, o réu C...... interpôs recurso, formulando as seguintes Conclusões 1ª - A douta decisão de que se recorre não fixa as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
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- A douta decisão também não discrimina os factos que considera provados.
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- Viola os nºs 1 e 2 do artº 659º do CPC.
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- O que torna a douta decisão nula, nos termos da al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC.
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- Ao dar como assente dois dados de facto, a existência de uma sociedade e a não apresentação de contas, a douta decisão baseia-se em pressupostos de facto errados, pois tal não é a posição do Mº Juiz a fls. 310, aos quais foi dada interpretação incorrecta, como se refere em 3 e 4.
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- Aliás, também esta posição do Sr. Juiz a quo está em contradição com a sua posição no douto despacho de fls. 153, como se refere em 5.
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- Toda a matéria da petição foi impugnada, sendo certo que a contestação, em todos os seus artigos é clara dizendo que não houve sociedade nenhuma, e qualquer contrato ou negócio que tenha sido feito, foi com o Dr. E….. e não com a requerente.
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- Ao dar como assente a existência da sociedade, violou a douta sentença a al. b) do artº 510º do CPC, o nº 1 do artº 511º do CPC, bem como o nº 3 do artº 659º do CPC.
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- O inquérito judicial pressupõe a existência da sociedade; não havendo sido feito o pedido de reconhecimento judicial da existência da mesma, o pedido de inquérito não pode proceder.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Inconformada, a requerente interpôs igualmente recurso da decisão que ordenou o inquérito judicial, formulando as seguintes conclusões: 1ª - O Mº Juiz a quo decidiu as excepções deduzidas pelos requeridos nas suas contestações sem que a requerente tivesse tido possibilidade de tomar posição sobre as mesmas, o que não é lícito, ilicitude obviamente susceptível de influir na decisão da causa e que, por isso, afecta de nulidade o próprio despacho recorrido.
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- Deve assim ser declarada nula a aliás douta decisão recorrida e ordenada a elaboração de despacho que mande proceder à notificação da autora para se pronunciar quanto às excepções deduzidas pelos requeridos nas suas contestações.
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- Sem prescindir, tendo a autora alegado que o referido demandado actua como administrador aparente, no interesse e por conta do 1º requerido, na exploração do estabelecimento comercial concorrente da sociedade irregular referida nos autos e pretendendo a requerente reclamar para o património de tal sociedade irregular tal estabelecimento comercial concorrente, é óbvio que o requerido D….. tem interesse directo em contradizer, pelo prejuízo para si adveniente da eventual procedência da acção, sendo além do mais manifestamente sujeito da relação material controvertida tal como é configurada pela requerente, ainda que tal titularidade lhe seja imputada a título meramente aparente, no interesse de outrem, em prejuízo da requerente.
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- A relação material controvertida nos presentes autos não se resume à titularidade das quotas partes de interesse na sociedade irregular a requerente e o 1º requerido; para além disso, o que nos presentes autos está também em causa, é o prejuízo para tal sociedade irregular e portanto para a requerente decorrente do exercício de actividade concorrente através de outro estabelecimento comercial e através de interposta pessoa, feito, ainda para mais, com o desvio de dinheiro, mercadorias e clientes da sociedade irregular, como claramente é alegado nos autos pela apelante.
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- Mesmo por aplicação do critério legal definido nos artºs 1479º, nº 2 do CPC e 67º, nº 2 do CSC, tem o segundo requerido legitimidade para ser demandado nos presentes autos, uma vez que, estando neste processo em causa uma sociedade irregular, cuja formalização não chegou a ser celebrada e por isso, cujos órgãos sociais inexistem, por não terem sido também constituídos e erigidos, deve ser o critério legal definido naqueles preceitos entendido "cum grano salis", não podendo deixar de se considerar ali abrangidos os putativos titulares da gestão e administração dos interesses da sociedade irregular, sejam os efectivos administradores, sejam aqueles que são identificados apenas como aparentes administradores ou como co-administradores de interesses que alegadamente pertencem à sociedade irregular.
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- O Tribunal da Relação do Porto já decidiu nestes autos que a circunstância de a sociedade ser irregular não constitui óbice à tramitação deste processo de inquérito judicial como meio adequado à realização coerciva do direito à informação e consulta e à exigência de prestação de contas.
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- Deve, pois, considerar-se o requerido D…. parte legítima para ser demandada nos presentes autos.
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- A requerente ora apelante peticionou a realização de inquérito judicial à sociedade irregular acordada constituir entre si e o 1º requerido, englobando o mesmo quer o estabelecimento comercial sito na Urbanização da …., em Vale d'Álvaro, quer o situado na Rua H, nºs … e …, …, no Bairro da Mãe-d'Água, ambos em Bragança, requerendo que as averiguações tenham por objecto os 57 pontos de facto que discriminou no artº 265º da petição inicial.
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- A decisão recorrida no sentido de que "por falta dos respectivos pressupostos legais", "não existe fundamento para se proceder ao inquérito judicial previsto no artº 216º do CSC e regulado nos artºs 1479º, nº 1 e 1480º e seguintes do CPC", constitui violação de caso julgado por contrariar nesta parte, frontalmente, o já decidido por Acórdão da Relação prolactado nestes autos.
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- Já ali se decidira que "sendo recusado o exercício do direito à informação e consulta, o mesmo só poderá ser exercitado através do inquérito judicial à sociedade, único meio processual próprio para o efeito, tanto mais que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente" e que "esse meio processual foi escolhido pela requerente, a qual indicou os pontos de facto que quer averiguar e requereu as providências que reputou convenientes", meio esse que "está previsto nos artºs 1479º a 1483º do CPC", pelo que não pode agora decidir-se que "por falta dos respectivos pressupostos legais", "não existe fundamento para se proceder ao inquérito judicial previsto n artº 216º do CSC e regulado nos artºs 1479º, nº 1 e 1480º e seguintes do CPC".
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- A decisão recorrida é até, e com o devido respeito, contraditória com os seus fundamentos, uma vez que nela se refere que relativamente...
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