Acórdão nº 0534398 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelAMARAL FERREIRA
Data da Resolução24 de Novembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

  1. B......... e mulher, C........., instauraram, no Tribunal da Comarca de Vila Real, contra D......., a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação do R.: a) a reconhecer que improcedem os fundamentos por ele invocados para a resolução do contrato de arrendamento em que figuram como arrendatários; b) e, mesmo que assim se não entenda, a resolução sempre seria impedida em função do risco da sua sobrevivência económica; c) subsidiariamente, para o caso de resolução, que o R. lhes pague, a título de benfeitorias, pelo trabalho ordenado e prestado, o montante de Esc. 10.036.500$00 (50.061,85 Euros), acrescido das reparações urgentes efectuadas na habitação, no valor de Esc. 1.000.000$00 (4.987,98 Euros); d) declarando-se ainda o direito de retenção da coisa enquanto não forem pagos os referidos montantes.

    Alegam para tanto, em resumo, que sendo agricultores de profissão, actividade da qual extraem o seu sustento, bem como o de uma filha, que com eles vive em economia comum, são arrendatários dos prédios (rústico e urbano) que identificam, actualmente propriedade do R., que os notificou judicialmente da sua intenção de resolver o contrato para passar a explorar directamente o prédio rústico a partir de 1 de Novembro de 2001, impugnam os fundamentos invocados pelo R. para resolver o contrato, resolução que coloca em risco a sua sobrevivência económica e o tecto para morar, para além de que efectuaram em ambos os prédios, confiando num arrendamento prolongado, diversas obras pretendidas e ordenadas pelo anterior proprietário do prédio.

  2. Citado o R., contestou impugnando os factos articulados pelos AA., nomeadamente o alegado risco de a resolução colocar em risco a sua sobrevivência económica e bem assim as alegadas benfeitorias, que não foram autorizadas, e reafirmando o seu propósito de passar a explorar o prédio rústico, aduz que não assiste aos AA. o direito de oposição à denúncia do arrendamento, concluindo pela improcedência da acção.

  3. Replicaram os AA. reafirmando e concluindo como na petição.

  4. Foi proferido despacho saneador no qual, depois de declarada a validade e regularidade da instância, se conheceu dos dois primeiros pedidos formulados pelos AA., que foram julgados improcedentes, prosseguindo os autos para conhecimento das alegadas benfeitorias realizadas pelos AA., com declaração da matéria assente e elaboração de base instrutória, que não foram objecto de reclamações.

  5. Da parte do despacho saneador que julgou improcedentes os dois primeiros pedidos formulados pelos AA., interpuseram estes recurso, que foi admitido como de apelação, subida diferida e efeito suspensivo, tendo, nas pertinentes alegações, apresentado as seguintes conclusões: 1ª: a) O Mmº Juiz a quo considerou inequívoco que se está perante um contrato de arrendamento rural por entender que o motivo determinante do contrato foi a exploração agrícola do prédio rústico que dele constituiu objecto imediato, nos termos do artº 1º do DL nº 385/88, de 25.10.

    b): Considerou ainda que a esta conclusão não obsta o facto de pelo contrato ter sido cedido aos AA. o gozo de uma parte urbana para habitação, por entender que resulta do convencionado pelas partes que este é um fim subordinado ao da exploração agrícola, motivo pelo qual entendeu dever prevalecer o regime do arrendamento rural, nos termos do artº 1028º, nº 3, do CCivil.

    1. : Salvo melhor opinião, que muito respeitamos, nem dos documentos juntos aos autos, nem da posição assumida pelas partes nos autos, resulta qualquer convenção de que o contrato de arrendamento do prédio urbano, identificado na al. b) do artº 2º da petição inicial, se encontra subordinado ao contrato de arrendamento do rústico, inscrito na matriz da freguesia de S. Dinis sob o artº 86º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº 414 da freguesia de S. Dinis.

    2. : Em 1972 foram outorgados, entre o então dono e o A., dois contratos verbais de arrendamento: - um relativo a um prédio rústico, inscrito na referida matriz da matriz da freguesia de S. Dinis sob o artº 86º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº 414, que se destinava a fins agrícolas, o qual por notificação judicial avulsa foi reduzido a escrito; - outro de um prédio urbano composto por R/C e loja, para habitação, omisso à matriz predial urbana da referida freguesia.

    3. : Sendo contratos autónomos, cada um deles se há-de reger pelas normas próprias do seu regime.

    4. : Além de que, da escritura de partilha parcial dos bens deixados por óbito de G....... e H........, e doação do R., apenas foi partilhado o adjudicado ao doador, E........., o "PRÉDIO RÚSTICO, COMPOSTO POR TERRA DE CULTURA EÁRVORES DE FRUTO; PASTAGEM E VINHA; INSCRITO NA MATRIZ PREDIAL RÚSTICA DA FREGUESIA DE S. DINIS SOB O ARTº 86º, DESCRITO NA CONSERVATÓRIA DO REGISTO PREDIAL DE VILA REAL SOB O Nº 414 DA FREGUESIA DE S. DINIS", tendo sido apenas este transferido por doação para o domínio do R..

    5. : Sendo que o prédio urbano composto de R/C e loja, omisso à matriz urbana da referida freguesia de S. Dinis, objecto do contrato de arrendamento urbano, outorgado verbalmente entre o A. e o falecido G........, nunca foi partilhado, nem nunca foi doado ao R., mantendo-se por isso no acervo de bens deixados por óbito do referido G........ .

    6. : SENDO O R. PARTE ILEGÍTIMA PARA REQUERER A DENÚNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO EM RELAÇÃO A ESTE PRÉDIO URBANO, EXCEPÇÃO DILATÓRIA DE CONHECIMENTO OFICIOSO, NOS TERMOS DO ARTº 495º DO CPC, QUE SE INVOCA PARA TODOS OS LEGAIS EFEITOS.

    7. : Do teor da notificação judicial avulsa, efectuada na pessoa do A., para assinar a redução a escrito do contrato de arrendamento rural, elaborada pelo R., este apenas se intitula dono do prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o artº 86º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 414, não constando qualquer referência ao urbano.

    8. : E, do teor da notificação judicial avulsa efectuada na pessoa do A., para denúncia do contrato de arrendamento rural efectuada pelo R., consta apenas como objecto da referida denúncia o arrendamento rural do prédio rústico, inscrito na referida matriz da freguesia de S. Dinis sob o artº 86º, não contendo qualquer referência ao urbano.

    9. : Sendo que só em relação ao arrendamento do prédio rústico são de aplicar as normas constantes do DL nº 385/88, de 25/10.

    10. : Quanto ao arrendamento do prédio urbano prevalece o regime jurídico do arrendamento urbano.

    11. : De todo o modo, sempre estaria vedado ao R. denunciar o contrato de arrendamento relativo ao arrendamento do prédio urbano, por falta de legitimidade directa.

    12. : Na verdade, o R. não é titular do direito de propriedade sobre o referido prédio urbano, como resulta da escritura de partilha parcial dos bens deixados por óbito de G..... e esposa e doação ao R (documentos juntos aos autos a fls. 8 a 11).

    13. : E, da referida denúncia junta aos autos, não consta qualquer referência ao prédio urbano.

    14. : Assim posto, a decisão do Mmº Juiz a quo, subordinando o arrendamento do prédio urbano para habitação ao arrendamento do prédio rústico para fins agrícolas, e aplicando a ambos os arrendamentos o regime do DL nº 385/88, de 25/10, viola as normas constantes do artº 1028º, nº 1, do CCivil, artº 68º, nº 1, do RAU, artº 1316º do CCivil e artº 26º do CPC.

    15. : Por outro lado, o A. alegou, entre outros factos, os constantes dos artºs 18º a 32º da petição inicial, com vista a demonstrar que a intenção do R. não é de explorar directamente o referido prédio rústico, mas sim proceder à edificação e exploração comercial do mesmo, com fins especulativos, sendo que, através desta denúncia, o R. visa tão só prejudicar o A., o qual ficará em risco de sobrevivência económica, como se encontra alegado nos artºs 33º a 40º da petição inicial.

    16. : Da prova de tais factos em sede de audiência de julgamento, poder-se-à concluir que o R. exorbita do fim económico-social do seu direito, constituindo, como tal, verdadeiro abuso do direito.

    17. : Tais factos deveriam ser levados à base instrutória, relegando-se para final a decisão total da acção, com vista a que o Tribunal possa aferir, em face da prova apresentada, do abuso do direito por parte do R., e assim se poder concluir pela procedência ou improcedência dos fundamentos invocados pelo R. para a referida denúncia.

    18. : Do mesmo modo que da condensação do processo, nesta fase, o Tribunal não dispõe de prova suficiente para julgar improcedente o pedido de declaração do risco de sobrevivência dos AA. (certamente por lapso foi escrito RR.).

    19. : os factos alegados pelos AA. com vista a demonstrar tal risco de sobrevivência deveriam ser levados à base instrutória, para, em sede de audiência de discussão e julgamento, o tribunal poder aferir da prova aí produzida, e assim decidir pela sua procedência ou improcedência.

    20. : Assim, o desconhecimento, por um lado, e o conhecimento, por outro, de questões sobre as quais o Tribunal se deve pronunciar e para as quais não dispõe, nesta fase, de elementos de facto suficientes, nos termos do artº 668º, nº 1, al. d) é causa de nulidade da sentença, que invoca para todos os legais efeitos.

    Termina pela revogação da sentença recorrida e que, em sua substituição, seja lavrado acórdão que declare nula a decisão parcial do mérito da causa, que julgou improcedentes os pedidos do A. formulados nas alíneas a) e b), relegando-se para final o conhecimento total do pedido, com consequente integração na base instrutória dos factos alegados pelos AA. nos artºs 18º a 40º da p.i..

  6. O R. não contra-alegou.

  7. Prosseguindo os autos, após instrução, com realização de peritagem colegial, teve lugar audiência de discussão e julgamento, com gravação e observância do formalismo legal, sem que as respostas à matéria de facto controvertida tenham sido objecto de censura.

  8. A final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente o...

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