Acórdão nº 0536133 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B........ instaurou acção com forma de processo sumário contra C..... e mulher D....... e contra E....... .

Formulou os seguintes pedidos: Ser declarada procedente a impugnação pauliana deduzida e declarada a ineficácia em relação à autora do acto de doação referido na petição; Ser declarado que, em consequência da procedência da impugnação pauliana, a autora tem direito a poder executar o prédio identificado no artº 4º da petição até satisfação integral do seu crédito perante os réus; Ser ordenado o cancelamento do registo G-4 na Conservatória do Registo Predial, referente à aquisição do prédio identificado no artº 4º da petição através da aludida doação, bem como os posteriores registos celebrados em consequência deste.

Como fundamento, alegou, em síntese, que os réus C..... e D..... foram condenados a pagar-lhe a quantia de 1 310 155$00 por sentença transitada em julgado, que instaurou execução para pagamento daquela quantia na qual nomeou à penhora o prédio identificado no artº 4º da petição inicial, que veio a saber que os réus haviam doado o referido prédio ao seu filho, o réu E......, que essa doação ofende a satisfação do crédito da autora e que os réus tinham consciência desse facto.

Contestou apenas o réu E......, impugnando os factos alegados pela autora.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: - Declarou ineficaz em relação à autora a doação constante da escritura pública celebrada em 24.01.2001 no Cartório Notarial de Estarreja, pela qual os réus C...... e D...... doaram ao réu E..... o prédio rústico, composto de terreno de cultura, sito no lugar ...., freguesia de ..., concelho de Estarreja, inscrito na matriz predial sob o artigo 5233º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Estarreja sob o nº 01891/240495, podendo aquela executá-lo até satisfação integral do seu crédito perante os primeiros réus; - Absolveu os réus do restante pedido.

Inconformado, o réu contestante interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões 1ª - Foi junto aos autos pelo réu recorrente, não tendo sido impugnado pela parte contrária, documento comprovativo de se encontrar registado, em nome dos réus C...... e D....., um prédio descrito na C.R.P. com o nº 2253/170902, da freguesia de ...., Oliveira de Azeméis.

  1. - Constando em tal documento os réus como C...... e D...... como titulares inscritos no registo do prédio em causa, devem estes considerar-se por via da presunção legal proprietários de tal prédio.

  2. - Ainda quanto à matéria de facto, estando provado o que está nos nºs 16 e 17 da mesma, daí não resulta serem estes prédios irrelevantes para a matéria em causa.

  3. - Não resulta dos autos qual é efectivamente o valor económico de tais prédios.

  4. - Valor económico que tem de ser adequado aos interesses que se encontram em discussão nos autos.

  5. - Independentemente de ser muito ou pouco, relevante seria saber efectivamente o quanto, para concretamente se poder concluir se esse valor era incompatível com o valor exequendo.

  6. - O executado C..... está a descontar, a favor da exequente, 1/3 do seu salário, valor esse que em Setembro de 2003, era de € 1.150,31 e que em 11.02.05 já era de € 4.051,36, o que já corresponde a, pelo menos, 62% do valor em débito em Janeiro de 2005.

  7. - E é também nesse contexto que se deve considerar relevante ou não, o valor relativo aos três prédios mencionados em 16 e bem assim o valor do prédio também pertença do executado C......, constante do documento atrás mencionado.

  8. - Quanto à metade indivisa do artº 505º urbano, a que se alude em 14 da matéria de facto provada, é insuficiente dizer-se, como resulta provado, "por mais que a exequente tivesse feito buscas, não conseguiu apurar qual o título de aquisição dessa metade indivisa".

  9. - Também aqui na resposta dada ao facto nº 14, como nas respostas dadas aos factos nºs 15 e 17 não estamos perante factos concretos, mas sim perante imputações e juízos não concretizados e passíveis de concretização, assim tivessem sido alegados.

  10. - Da mesma forma que não sabemos que buscas se realizaram e que quais as diligências concretas em que estas se traduziram, também não sabemos qual o concreto valor económico dos prédios em causa.

  11. - Sendo verdade que prédios rústicos de 10 m2 são, em princípio, e valor económico proporcional a essa mesma área, também não é menos verdade que prédios urbanos com 70 m2 existem em todas as freguesias, vilas e cidades, e que os valores dos mesmos são muito díspares em função dos demais elementos que os compõem, elementos esses que em concreto se desconhecem no caso dos autos.

  12. - Não se revela legítimo que a exequente esteja a obter êxito através do desconto do salário, que desde há mais de dois anos deposita verbas na execução e, ainda assim, para um valor remanescente, já inferior a 1/3 do todo, pretenda impugnar uma doação, estando demonstrado existirem na titularidade dos devedores os prédios indicados, nas circunstâncias de cada um.

  13. - Importando ponderar os interesses em presença e verificar em concreto se tais bens pertença dos executados devedores, o C..... e a D....., são em concreto suficientes ou não para o remanescente das verbas devidas e ainda não depositadas.

  14. - Não perdendo, para efeitos de ponderação, a realidade do recebimento através do desconto do salário, que ocorre de uma forma ininterrupta e regular desde princípio de 2003 até Fevereiro de 2005 (e até ao presente), ou seja já durante mais de dois anos.

  15. - Entende o recorrente que esta concreta ponderação de interesses não gera uma impossibilidade para o credor de obter a satisfação do seu crédito, conforme dispõe o preceito legal.

  16. - A realidade os factos durante todo este tempo conseguiu concretizar de forma clara o preceito legal, em particular, de maneira a que se não necessite de o preencher com um juízo de valoração mas sim com o concreto de um recebimento efectivo de dois terços do dinheiro e da continuidade regular desse recebimento.

  17. - A pretensão do legislador com o disposto no artº 610º do C.C. seria seguramente não prejudicar o credor, de forma a que este não deixasse de receber face a um concreto acto do devedor, mas não iria a ponto de aceitar uma impugnação que se revele académica, caso o credor esteja a ser pago por outra via, como o está a ser no caso dos autos.

  18. - É convicção do recorrente que os requisitos relativos à impugnação pauliana não se encontram preenchidos, mormente o da impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade.

  19. - Quanto à má fé do adquirente a mesma não existiu, nem existe, apenas sendo prejudicado pela estrutura jurídica da doação pela qual as partes optaram.

  20. - A decisão em análise violou o disposto nos artºs 610º, 611º, 612º e 616º do C.C. e artº 668º, nº 1 do C.P.C.

  21. - Devendo ser revogada e em sua substituição ser proferida outra que julgue a acção improcedente, com as demais consequências legais.

A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

A matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo é a seguinte: Em 27.03.00, a ora autora propôs contra os réus C..... e D....., no Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, uma acção sumária, que correu seus termos sob o processo nº 103/00, do 1º Juízo Cível, na qual pedia a condenação destes no pagamento da quantia de Esc. 1 310 155$00 (€ 6.535,03), a qual foi julgada inteiramente procedente...

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