Acórdão nº 0540595 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução13 de Julho de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: O tribunal Judicial de Bragança decidiu, além do mais que agora irreleva: a) Julgar parcialmente improcedente a acusação e em consequência: Absolver o arguido B........ da prática de cinquenta e um crimes de lenocínio agravado p. e p. pelo art.º 170º n.º2 do Código Penal.

Absolver a arguida C........., da prática de cinquenta e um crimes de lenocínio agravado p. e p. pelo art.º 170º n.º 2 Código Penal.

Como autor material de um crime de lenocínio simples p.p. pelo art.º 170º n.º1 Código Penal, e ponderando o disposto no art.º 71º CP, condenar o arguido B........, na pena de quatro anos de prisão; Como cúmplice de um crime de lenocínio simples p. p. pelos artºs 170º1, 27º, e 73º CP, e ponderando o disposto no art.º 71º CP, condenar a arguida C......... na pena de um ano e seis meses de prisão; Absolver o arguido B........ da prática de um crime de coacção, tentado p.p. pelo art.º 154º 1 Código Penal (ofendida F........); Como autor de três crimes de coacção, tentada, p.p. pelos artºs 154º 1 e 2, 22º, 23º e 73º Código Penal e ponderando o disposto no art.º 71º Código Penal, condenar o arguido B........., na pena de sete meses de prisão por cada um dos crimes; Absolver a arguida C........., da prática de três crimes de coacção, tentada, de que vem acusada; Absolver ambos os arguidos do crime de angariação de mão de obra ilegal agravado, continuado, p.p. pelo art.º 136º A, 1 e 2 DL 244/98 de 8/8, de que vêm acusados; Como co-autores do crime de auxilio á emigração ilegal, agravado, p.p. pelo art.º 134º A nºs 1 e 2 DL 244/98, de que vêm acusados, e ponderando o disposto no art.º 71º CP, condenar cada um dos arguidos B.......... e C........, na penas de dois anos de prisão e um ano e seis meses de prisão, respectivamente; Absolver o arguido B........ do crime de ofensa á integridade física qualificada p. p. pelos artºs 146º e 132º1 e 2 g) Código Penal; Como autor de um crime de ofensa á integridade física simples p.p. pelo art.º 143º CP, condenar o arguido B.........., na pena de um ano e seis meses de prisão; Em cumulo jurídico condenar: O arguido B..........., na pena única de sete anos de prisão; A arguida C........., na pena única de dois anos de prisão, cuja execução suspendeu, pelo período de quatro anos.

b) Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de perdimento do valor obtido com a actividade delituosa, e em consequência: Ao abrigo dos artºs 1º 1 i), 7º, e 12º da Lei 5/02 de 11/1, declarar perdido a favor do Estado o valor de trezentos e sessenta mil Euros (360.000,00 Euros) e condenar o arguido B.........., no seu pagamento.

Absolver a arguida C.......... do pedido de declaração de perdimento do valor obtido com a actividade delituosa.

c) Julgar procedente o pedido de pagamento dos cuidados de saúde e em consequência: Condenar o arguido B......... a pagar ao Hospital Distrital de Bragança a quantia de mil quatrocentos e trinta e um Euros e dezassete cêntimos (1.431,17 Euros); d) Proceder á entrega, ao seu dono da máquina de diversão, cuja devolução foi pedida a fls. 1324; e) Declarar perdidos a favor do Estado, os demais bens móveis apreendidos no processo e em especial todo o recheio do estabelecimento D....... apreendido, o cofre, os telemóveis, todo o dinheiro apreendido e os veículos matrículas ..-..-JJ "Renault Space" e ..-..-BJ - "Fiat Tempra; Inconformados recorreram o Ministério Público e o arguido rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: Ministério Público I - bem jurídico: a)- o bem jurídico protegido no crime de lenocínio, seja simples, seja agravado, é igualmente a liberdade sexual.

b)- protege-se especialmente a prostituta contra a contra a exploração da sua liberdade sexual, feita profissional ou lucrativamente, por terceiro (o proxeneta).

b)- a vítima neste tipo de ilícito, seja simples seja agravado, é a prostituta.

d)- a liberdade sexual é um bem eminentemente pessoal, e)- o fomento, favorecimento ou facilitação, profissionalmente ou lucrativamente, da prostituição, integra tantos crimes quantas as mulheres cuja liberdade sexual é assim explorada.

II - processo executivo do lenocínio agravado: a)- o abuso de autoridade emergente de uma relação económica ou de trabalho é um dos processos de execução que leva ao agravamento do crime de lenocínio.

abuso de autoridade emergente de relação de trabalho: a)- relação de trabalho é qualquer uma deste género que crie entre as partes poderes factuais de autoridade e sentimentos de subordinação.

b)- dos factos provados resulta, com saciedade, que entre o arguido e as 51 mulheres cuja prostituição, profissional e lucrativamente, fomentou, favoreceu ou facilitou existia uma relação de trabalho - alterne e prostituição- no âmbito da qual o arguido exerceu concretos actos de direcção, orientação e fiscalização dessas actividades daquelas, como lhe aplicou sanções abusivas.

c)- infundados e arbitrários - alguns até criminalmente ilícitos- actos ("expedientes") cometidos com abuso da autoridade emergente dessas relações de trabalho que o Tribunal deu como provados d)- e que foram cometidos pelo arguido com o fito de as compelir a manter-se ou a recomeçar a trabalhar na prostituição, ao seu serviço.

e)- pelo que cometeu (em concurso real) 51 crimes de lenocínio agravado p. e p. pelo art.º 170º n.º 2 do Cod. Penal.

abuso de autoridade emergente de relação económica: a)- dos factos provados resulta inequivocamente que o arguido constituía um crédito ou criava uma dívida (até que usurária) sobre cada uma das 51 mulheres que recrutava no Brasil (pagava-lhes as passagens, exigindo-lhes o pagamento de valor 3 a 4 vezes superior ao respectivo custo) para que aqui e ao seu serviço viessem exercer o alterne e praticar a prostituição; b)- dívida que ia avolumando com a diária, os "vales" e as multas aplicadas; c)- através dos "expedientes" concretamente enumerados na matéria de facto criava-lhes, para consigo mesmo, uma situação de dependência económica; d)- abusando da autoridade emergente desta relação económica (de credor) recorria àqueles expedientes "de forma a pressioná-las a manterem-se ou a recomeçarem a trabalhar para si na prostituição".

e)- pelo que também por aqui incorreu o arguido (em concurso real) na prática de 51 crimes de lenocínio agravado p. e p. pelo art.º 172º n.º 2 do Cod. Penal.

aproveitamento da situação de especial vulnerabilidade: a)- resulta da matéria de facto provada que estas 51 mulheres se sentiam especialmente vulneráveis perante o arguido porque tinham para com ele uma dívida elevada em permanente crescimento, porque não podiam dispor imediatamente dos rendimentos que auferiam, da vontade dele dependendo para conseguirem satisfazer necessidades diárias básicas e principalmente porque vindas, sem visto de trabalho, de um país estrangeiro longínquo, retendo-lhes e recusando o arguido devolver-lhes o bilhete de avião para o regresso, bem como o passaporte, ficavam impedidas de para ali voltar e de se movimentarem livremente no nosso país, sujeitando-as à expulsão; b)- resulta dos factos provados que o arguido aproveitou esta especial vulnerabilidade das referidas mulheres "compelindo-as, assim, a manterem-se ao seu serviço na prostituição"; c)- pelo que incorreu na prática (em concurso real) de outros tantos -51- crimes de lenocínio agravado p. e p. pelo art.º 172º n.º 2 do Cod. Penal.

em três dos casos (tentados) com ameaça grave: a)- cometeu o arguido e foi doutamente condenado pela prática de 3 crimes de coacção na forma tentada, sobre três mulheres bem identificadas, cuja prostituição, profissional e lucrativamente, fomentou, favoreceu e facilitou.

b)- os factos que traduzem e integram a coacção estão doutamente dados como provados e, em síntese, consistem retenção e na recusa de devolução do respectivo bilhete de avião e do passaporte não obstante ter sido interpelado a restituí-los, o que fez "de forma a pressioná-las a manterem-se ou a recomeçarem a trabalhar para si na prostituição".

c)- factos que consubstanciam não só um mal importante, constrangente e intimidante, como uma ameaça grave, de que o arguido se serviu para as (tentar) compelir a prostituírem-se o seu serviço.

d)- pelo que se outros processos executivos não houvera -e já dissemos que há-, o arguido teria incorrido, para além do lenocínio simples, também (em concurso real) em três crimes de lenocínio agravado tentado p. e p. pelo art.º 170º n.º 2 do Cod. Penal.

III- crime de angariação de mão-de-obra ilegal: a)- dos factos dados como provados resulta que o arguido recrutou no estrangeiro mulheres que, com intenção lucrativa, quis e introduziu no mercado de trabalho -para trabalharem para si- sabendo bem que não tinham visto de trabalho, nem autorização de residência ou permanência, ciente de que tinham apenas visto turístico.

b)- introduziu-as concretamente no mercado laboral, como alternadeiras, que é uma profissão que não é nem proibida nem criminalizada, sendo jurídica e economicamente licita.

c)- introdução no mercado nacional do trabalho dessas 51 mulheres que foi ocorrendo ao longo de cerca de 2 anos -vd. matéria de facto provada-, sucessivas vezes (reiteradamente).

d)- factualidade que integra a previsão do crime agravado de angariação de mão-de-obra ilegal p. e p. pelo art.º 136º-A do DL 244/98 de 8/8 (na sua actual redacção).

e)- cometido pelos arguidos em co-autoria material, pelo que por tal devem ser punidos.

IV - da pena: a)- da condenação do arguido por crimes de lenocínio agravado ou por crimes de lenocínio simples mas em concurso real, assim como pela condenação pelo crime agravado de angariação de mão-de-obra ilegal devem resultar penas parcelares que em cúmulo jurídico devem determinar uma pena mais elevada para o arguido.

b)- mantendo-se a cumplicidade da arguida (dos crimes de que foram cometidos pelo arguido) e passando a ser condenada como co-autora do crime agravado de angariação de mão-de-obra ilegal ainda assim não deve ser punida com...

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