Acórdão nº 0542276 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução05 de Abril de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam em audiência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Por sentença proferida nos autos de processo comum nº …/02.9IDPRT, do …º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, foram os arguidos e ora recorrentes, B……. e "C……, Ldª", condenados, o primeiro, como autor, na forma continuada, de um crime de abuso de confiança, p. p. à data da prática dos factos, pelo art. 24º, nº 1, do DL nº 20-A/90 (RJIFNA) e actualmente, pelo art. 105º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho (RGIT) na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, e como autor de um crime de fraude fiscal, p. p. à data da prática dos factos pelo art. 23º, nº 1, do DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro e, actualmente, pelo art. 103º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, na pena de 7 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 5 meses de prisão, pena esta cuja execução foi suspensa pelo período de 4 anos, sob a condição de, no prazo de 3 anos, o arguido proceder ao pagamento ao Estado dos valores de Esc. 17.905.952$00 (dezassete milhões novecentos e cinco mil novecentos e cinquenta e dois escudos) ou € 89.314,51 (oitenta e nove mil trezentos e catorze, vírgula, cinquenta e um Euros) de IVA, e de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos Euros) de IRC (e respectivos acréscimos legais); e a segunda, como responsável penal daqueles crimes, cometidos através do primeiro arguido, seu sócio-gerente, nas penas de 200 (duzentos) dias de multa, e 80 (oitenta) dias de multa, respectivamente, à taxa de (em ambos os casos) € 80,00 (oitenta Euros) por dia, ou seja, nas multas de € 16.000,00 (dezasseis mil Euros) e € 6.400,00 (seis mil e quatrocentos Euros), respectivamente e, em cúmulo jurídico, na pena única de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 80,00 Euros, ou seja, na multa única de € 19.200,00 (dezanove mil e duzentos Euros).

Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, retirando, da respectiva motivação, as seguintes conclusões: A1 - Salvo o devido respeito, face à prova carreada para os autos e à produzida em Audiência de Julgamento impunha-se a absolvição dos arguidos da prática dos crimes de que vinham acusados.

A2 - Seja por razões formais / adjectivas, seja por razões substanciais, sustentada, na pior das hipóteses no princípio do "in dubio pro reu".

A3 - Competia ao Ministério Público fazer a prova dos factos constantes da acusação, o que manifestamente não logrou alcançar, verificando-se, assim, o fundamento para o recurso da "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada".

A4 - O Tribunal "a quo" aplicou mal o direito ao presente caso.

A5 - A decisão recorrida não conheceu questões de direito que devia conhecer, as quais, por relevantes e incontornáveis, impõem uma decisão diametralmente oposta à que foi proferida.

A6 - O Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 127º do Cód. de Proc. Penal, ao extravasar o ãmbito da apreciação da prova segundo regras da experiência comum e a livre convicção que lhe são permitidas.

A7 - Face à decisão proferida, fácil é concluir que o Tribunal "a quo" aderiu e deu como provada na integra a acusação que foi formulada pelo Ministério Público, a qual mais não é do que a transcrição quase integral do parecer técnico junto a fls. 363 dos autos, elaborado por Técnica da Administração Fiscal.

A8 - Parecer esse que está em notória oposição com o Auto de Notícia junto a fls. 3 e segs. dos autos, elaborado pelo Inspector Tributário que efectuou a acção inspectiva à sociedade aqui recorrente, o qual se concebe como o correcto e de acordo com a lei.

A9 - Está assente e dado como provado que os arguidos apesar de terem entregue as declarações periódicas mensais do IVA à administração fiscal, não as fizeram acompanhar com o respectivo meio de pagamento.

A10 - O primeiro período em que tal sucedeu data do mês de Outubro de 1995 e o último no mês de Maio de 1997.

A11 - A data do início da acção inspectiva reporta-se a 7 de Maio de 2001, sendo que por carta registada datada de 18 de Abril de 2001 o arguido B……. foi notificado, em representação da sociedade arguida, para ter presente, na sede da firma (... ), naquela primeira data referida, os livros de escrita relacionados com a actividade desenvolvida nos anos de 1996 e 1997, bem como todos os elementos com ela relacionados.

A12 - A acção inspectiva terminou em 30 de Outubro de 2001, conforme resulta do Auto de Notícia junto a fls. 3 e segs. dos autos.

A13 - Sendo que o parecer técnico junto a fls. 363 e segs. data de 30 de Dezembro de 2002.

A14 - O recorrente B……., por si e em representação da sociedade foi constituído arguido em 25 de Julho de 2002, conforme se prova e alcança de fls. 360 e segs. dos autos e do ponto 2.19 da Matéria de Facto dada como provada no Acórdão recorrido.

QUANTO AO CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL A15 - Consta da acusação deduzida e foi dado como provado no acórdão recorrido que em sede de IVA a firma arguida encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal.

A16 - Consta, ainda, que apesar disso e de ter enviado as respectivas declarações periódicas mensais à Administração do IVA nos correspondentes meses de apresentação, não enviou o respectivo meio de pagamento - ver acusação e ponto 2.5 do Douto Acórdão recorrido.

A17 - Conclui a acusação no quadro que apresenta, que os arguidos não entregaram, como se lhes impunha, nos cofres do Estado o montante global de Esc. 17.905.952$00, ou Eur: 89.314,51, referente a IVA liquidado.

A18 - Este quadro constante da acusação corresponde, quanto aos valores mencionados e considerados em falta, ao quadro elaborado e constante de fls. 371, do parecer jurídico junto a fls. 363 e segs. dos autos e ao quadro constante do ponto 2.6 dos factos dados como provados na decisão recorrida.

A19 - Considerou a Administração Tributária, o Ministério Público e o próprio Tribunal "a quo" que tal quadro está correcto e que os valores referidos e insertos no mesmo correspondem a quantias de IVA, no total de Esc. 17.905.952$00, ou Eur: 89.314,51, que os arguidos deviam ter entregue ao Estado, mas que não o fizeram.

A20 - Ao não entregarem tal quantia, os arguidos apropriaram-se da mesma e, com isso, cometeram o crime de abuso de confiança fiscal previsto e punido pelo art. 24º do RJIFNA, p. e p. pelo Decreto Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, actualmente p. e p. pelo art. 105º do RGIT - Decreto lei nº 15/2001, de 5 de Junho.

A21 - Esta tese expandida no parecer jurídico de fis. 363 dos autos não se nos afigura defensável, mas foi acolhida pelo Tribunal "a quo" sem reservas.

A22 - Antes se afigura correcta e conforme à lei e à justiça, a tese defendida pelo Inspector Tributário, autor do Auto de Notícia de fls. 3 e segs. dos autos.

A23 - A qual configura e tipifica apenas como crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 24º do RJIFNA, a não entrega do IVA recebido nos meses de Outubro de 1995, Dezembro de 1995, Janeiro e Fevereiro de 1996.

A24 - E considerando todos os demais meses integrados na contra-ordenação, p. e p. pelo art. 291º do RJIFNA.

A25 - No quadro de fls. 6 dos autos, o Inspector Tributário considerou e bem, que só configuram crime de abuso de confiança fiscal apenas os períodos nos quais o IVA recebido é superior ao IVA dedutível, uma vez que apenas aí se verifica a existência de imposto a entregar ao Estado.

A26 - Na verdade, todos os valores que constam do quadro constante do Auto de Notícia de fls. 3 e segs. dos autos, quais sejam, os atinentes a imposto liquidado, imposto dedutível, imposto apurado e imposto recebido foram dados como provados e assentes no Douto Acórdão recorrido.

A27 - Os quais até foram confirmados no parecer jurídico de fls. 363, ao qual o Ministério Público aderiu na acusação e o Tribunal "a quo" na decisão.

A28 - À data da ocorrência dos factos estava em vigor o Decreto-lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidos pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 24 de Novembro.

A29 - O nº 1 deste dispositivo legal prevê como elemento típico a apropriação da prestação tributária que haja obrigação de entregar (IVA).

A30 - O nº 2 deste normativo legal estipula e esclarece que para efeitos do nº 1 do art. 24º, considera-se também prestação tributária "... aquela que tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja".

A31 - Atendendo ao previsto nos arts. 19º e 20º do CIVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto que lhes foi facturado na aquisição de bens e serviços por outros sujeitos passivos.

A32 - Conforme resulta da matéria de facto provada, do Auto de notícia de fls. 3 e segs. e do parecer de fls. 363, o imposto liquidado, dedutível, apurado e efectivamente recebido corresponde aos montantes constantes daquele primeiro.

A33 - Atento o que acima se deixou escrito quanto à dedução legal ao abrigo dos arts. 19º e 20º do CIVA, e dando como assente o IVA liquidado constante do quadro do Auto de Notícia, bem como assente o IVA efectivamente recebido pelos arguidos constante do mesmo quadro, o IVA que efectivamente os arguidos se apropriaram e que configura abuso de confiança fiscal corresponde ao resultado da diferença entre o efectivamente recebido e o dedutível, caso o primeiro (efectivamente recebido ) seja superior ao dedutível.

A34 - Seguindo este raciocínio, se ao valor do imposto apurado subtrairmos o valor resultante daquela operação (IVA recebido - IVA dedutível) encontramos o valor da contra-ordenação - art. 29º do RJIFNA.

A35 - O que vale por dizer que a vantagem patrimonial indevida só se verifica quando o sujeito passivo recebe efectivamente um valor de IVA superior ao valor de IVA dedutível e se se apropriar de cada uma dessas quantias, invertendo assim o título de posse, em vez de o entregar ao credor tributário como por lei está obrigado.

A36 - É certo que no montante de IVA apurado é já tido em conta o IVA que o...

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