Acórdão nº 0543228 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução11 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: No ....º Juízo Criminal do Porto, foram os arguidos B....... e "C....., Lda.", ambos devidamente identificados nos autos a fls. 317, condenados, o primeiro, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal p.p. nos termos do art. 24.º, n.ºs 1 e 5, do RJIFNA, na versão vigente à data dos factos, e a segunda pela prática do mesmo crime p.p. nos termos do art. 105.º, n.ºs 1 e 5, do RGIT, nas penas de, respectivamente, 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de 3 anos e 6 meses, sob a condição de, no mesmo prazo, o arguido pagar ao Estado uma indemnização no valor de 166.397,03 euros, em que também foi condenado, e a segunda, na pena de 450 dias de multa, à razão diária de €5,00.

Inconformado com a decisão, recorreu o primeiro arguido, tendo concluído a motivação nos seguintes termos: No caso em presença como resultou provado em audiência pelas testemunhas comuns (D...... e E.....) e da documentação aos autos anexa - resulta que, sendo a sociedade arguida representante em Portugal das marcas de relógios "F....... e G......", lutando com graves dificuldades financeiras em 1998, após ter sido objecto de arrestos, "por pressão das marcas "G...... e F....." foi celebrado com a "H......., S.A." um acordo pelo qual esta sociedade, "que funcionava nas mesmas instalações da sociedade arguida", adquiria àquela todas as mercadorias das referidas marcas, absorvia alguns trabalhadores (como aconteceu) e ficava (como ficou) com as respectivas representações em Portugal, evitando, assim, penhoras de mercadorias dessas marcas, que, na óptica dos seus fabricantes, as afectariam comercialmente.

Essa transacção foi titulada repartidamente pelas facturas mencionadas na decisão recorrida e constantes dos autos, nas quais foi liquidado o IVA não entregue. Ora, A venda efectuada pela sociedade arguida à H......... dos relógios das marcas F....... e G......, acompanhada da transmissão dos respectivos contratos de representação e de alguns trabalhadores, constituiu a transmissão de um "conjunto patrimonial objectivamente apto ao exercício de uma ramo de actividade independente": a representação exclusiva em território nacional das marcas de relógios F......... e G........., actividade que, contratualmente, ficaram a pertencer e ainda certamente pertencem e constituem, cada uma delas, uma "actividade independente".

Assim, Nos termos do n.º4 do art.º 3.º do Código do I.V.A., tal transmissão não era passível de tributação em I.V.A..

E, se "a própria sociedade arguida procedeu à auto liquidação e era obrigatória, por isso, a sua entrega, mesmo que não devida, tal situação enquadra-se em problemática diferente da penal.

Na verdade, nos termos do art.º 24.º do R.J.I.F.N.A., é punido aquele que se "apropriou…de prestação tributária deduzida nos termos da lei…" E não tendo sido as prestações em causa deduzidas nos termos da lei, por indevidas, uma vez que não era devido IVA, apenas se coloca entre a sociedade arguida, o Fisco e a H......... uma situação meramente obrigacional, Pois não se verifica um dos elementos essenciais do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal: a apropriação de prestação tributária deduzida nos termos da lei.

Situação que determina, isso sim, a restituição pela sociedade arguida à H...... das quantias que indevidamente lhe cobrou e a restituição por esta ao Fisco das mesmas quantias se, porventura, as houver deduzido ao abrigo do art.º 19.º do C.I.V.A.

Não se mostram, portanto, preenchidos os elementos essenciais do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal.

Aliás, os próprios Serviços de Inspecção Tributária disso duvidaram, ao referir (a fls.591) que "…se desconhece se de facto estão reunidos, em substância, os requisitos para excluir a operação da sujeição a IVA…não nos podemos pronunciar sobre o eventual enquadramento da operação".

Se é certo que tais dúvidas dos Serviços quanto às circunstâncias da operação se mostram dissipadas, como supra ficou referido, menos certo não é de que "in dubio contra Fiscum" e "in dubio pro reo", princípios que, ambos, funcionam em benefício do recorrente e impõem, se não por outras razões, a inquestionável procedência do recurso, com a inexorável revogação da sentença recorrida e a sua consequente ABSOLVIÇÃO.

Sem conceder, Sendo o ilícito penal em apreço, como refere a decisão recorrida "punível apenas a título de dolo, impunha-se alegar e provar factos dos quais decorresse que o arguido, se apropriou do valor em causa "passando a agir "animus domini".

"…, esta inversão de título carece de ser demonstrada por factos objectivos, reveladores de que o agente já está a dispor da coisa como se sua fosse "- Ac. do S.T.J. de 12-1-94 (P.45894), in B.M.J. 433/439 - o que no caso sub judice também não aconteceu.

Pois, contrariamente, Está demonstrado que o I......, onde o valor total da transacção foi efectuado, se compensou com os valores das importâncias depositadas (55.000.000$00+78.000.000$00=133.000.000$00), sendo que as indemnizações aos trabalhadores apenas ascenderam a 40.000.000$00.

É manifesta, assim, a ausência de alegação e prova de factos objectivos constitutivos do ilícito penal em apreço.

Certo como está provado que "o arguido nunca se apropriou de dinheiro da empresa e que decidiu ausentar-se da cidade por estar psicologicamente abalado, tendo deixado duas procurações".

E sendo certo que os documentos juntos aos autos a fls. 427 e segs. mostram que a conta da sociedade em que foram depositados os cheques ficou com saldo negativo logo que o banco procedeu à imediata compensação dos seus créditos o que retirou às ditas procuradoras a possibilidade de pagamento do pretenso IVA.

Assim, Depositados em 8/7/1998 78.000.000$00, no mesmo dia é compensado o débito de 41.011.170$00 e no seguinte outros de vários milhares de contos, culminando com um de 80.000 contos, em 9/7/1998, levando a conta ao negativo (Fls. 428) de 32.911.475$00, que já se verificava aquando daquele depósito.

Depositado, após, em 1/9/98, o cheque de 55.000 contos, logo em 2/9/98 (Fls. 442) é compensado um débito de 56.000 contos, mantendo-se posterior e indefinidamente saldos negativos, impeditivos de qualquer pagamento.

Não existe, como tal, qualquer prova de que o recorrente haja passado a dispor (sponte sua) de qualquer valor devido, nem prova de inversão de título e muito menos demonstração por actos objectivos de que daquela forma haja procedido.

Acresce que, sem prescindir É elemento essencial do crime de abuso de confiança o montante em causa, indispensável, até para determinação da moldura penal a utilizar e pena a aplicar - cfr. n.º1, 4 e 5 do R.J.I.F.N.A.

Imprescindível era, assim, apurar as deduções a que alude o artº 19º do C.I.V.A., nomeadamente aquela a que alude a al. a) do dito preceito - dedução do imposto que foi facturado na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos - o que pode, até, conduzir à situação devedora do Fisco.

No entanto, Pela Administração Fiscal e, portanto, na decisão impugnada, não foi considerado qualquer valor de I.V.A. dedutível, por não ter conhecimento exacto de tais valores, tendo sido o valor liquidado pelo nominal das facturas, sem qualquer dedução - fls. 599, in fine.

Não obstante, Para tais situações determina o artº 83º do CIVA a liquidação oficiosa, através de presunções ou métodos indirectos (artº 84º), na impossibilidade de quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis, liquidação a que também não se procedeu.

Estando o julgador no desconhecimento, em que permanece, sobre o montante que a sociedade arguida devia ter entregue nos cofres do Estado, podendo, até, hipoteticamente pelo menos, ser credora.

O que também conduz à impossibilidade de condenação do arguido e à sua consequente absolvição.

Ainda sem prescindir Face à unidade e manutenção das circunstâncias das transacções em apreço, a existir actuação punível, estaríamos em presença da figura de crime continuado, punível com a pena aplicável à conduta mais grave.

A decisão impugnada, como expressamente refere, puniu o arguido atendendo ao valor global de 33.359.610$00, quando o valor mais elevado não entregue teria sido de 20.649.118$00 equivalente a €102.997,36.

Óbvio, assim, que a pena ajustada, na óptica seguida pela decisão recorrida, deveria ser bem inferior à decretada, reduzindo-se, atentas as atenuantes verificadas, para o seu mínimo legal.

Sempre sem conceder A decisão sub judice suspendeu a execução da pena sob a condição de pagamento ao Estado do montante de 166.397,03 euros e legais acréscimos, no prazo de três anos e meio, condição que é impossível por contrária à lei de interesse e ordem pública.

Na verdade, tendo o recorrente sido declarado falido por sentença transitada em julgado, a tal pagamento se opõe o artº 81.º, nº2 do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, o que o n.º6 do mesmo preceito reforça.

Como em caso análogo, decidiu o douto Acórdão da Relação do Porto, de 9 de Outubro de 1985, in C.J., 1985, Tomo IV, pág. 268, "Há, pois, que considerá-la (a condição) não escrita, numa situação paralela à do artº 271º, n.º2, do Cód. Civil, para os negócios jurídicos sujeitos a condição resolutiva".

Ou seja Em tal caso, teria de haver-se por não escrita a condição, subsistindo a decisão na parte em que decretou a suspensão da pena.

Destarte ii) Porque violou os art.ºs 24, nºs 1 e 5 do R.J.I.F.N.A e o n.º4 do artº 3º do C.I.V.A., deve a decisão sub judice, na procedência do recurso ser revogada e substituída por outra que absolva o recorrente, ou, quando assim se não entenda, a igual solução se deverá chegar por violação do citado artº 24º e dos artºs 19º, 83º e 84º do C.I.V.A., ou, o que apenas por cautela se admite, sem prescindir, considerar-se verificada continuação criminosa, violado o artº 79º, do C. Penal e então punir-se o recorrente pela conduta mais grave (parcela maior) baixando a punição para o mínimo da moldura penal, atentas as...

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