Acórdão nº 0543604 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Fevereiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão elaborado no processo n.º 3.604/05 (4ª Secção de Tribunal da Relação do Porto)**Relatório Na sentença de 21 de Setembro de 2.004, consta do dispositivo o seguinte: "Por tudo o exposto, decide-se: condenar a arguida B...... na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, p. e p. pelos arts. 27ºB e 24º, n.º 5, de R. J. I. F. N. A., aprovado por Dec-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na versão vigente à data da prática dos factos, cuja execução se suspende por quatro anos, sob condição de pagamento à segurança social do montante de 51.545.804$00 ou € 257.109,38 (duzentos e cinquenta e sete mil e cento e nove euros e trinta e oito cêntimos) e legais acréscimos, calculados nos termos do art. 16º de Dec.-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, e do art. 3º de Dec.-Lei n.º 73/79, de 16 de Março, sendo os juros contabilizados até integral pagamento, no mesmo prazo de quatro anos; condenar a arguida C......, L.da, na pena de 700 (setecentos) dias de multa, à taxa diária de € 5 (5 euros), pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, p. e p. pelos arts. 107º e 105º, n.º 5, de R. G. I. T., aprovado por Lei n.º 15/2.001, de 5 de Junho; condenar as arguidas/demandadas a pagar à demandante o montante de 51.545.804$00 ou € 257.109,38 (duzentos e cinquenta e sete mil e cento e nove euros e trinta e oito cêntimos) e acréscimos legais, calculados nos termos do art. 16º de Dec.-Lei n.º 411/91, de 17 de Outubro, e do art. 3º de Dec.-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, sendo os juros contabilizados até integral pagamento; absolver as demandadas da instância quanto ao remanescente do pedido cível".

A arguida (B......) veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões: "1ª - Dos factos provados resulta, claramente, na nossa modesta opinião, a não existência de dolo por parte da arguida, em qualquer das modalidades do art. 14º de C. Penal, mas, sim, uma actuação meramente negligente.

  1. - A arguida sempre se convenceu de que a empresa poderia vir a pagar, e para o poder fazer teria de manter a empresa a funcionar, o que significava, necessariamente, ter de pagar regularmente aos seus trabalhadores e seus fornecedores.

  2. - A gerente, ora recorrente, fez todos os esforços para que a sociedade saísse da má situação em que se encontrava, mas foi impotente, pois não conseguiu parar e fazer diminuir a bola de neve, quer por factores totalmente estranhos à sua vontade, quer, nomeadamente, por falta de pagamentos de clientes, quer, ainda, por má política de alguns governantes, que conduziu e tem conduzido milhares de empresas ao descalabro, à falência e consequente extinção.

  3. - Toda esta conjuntura político-económica e social, todo este circunstancialismo é do conhecimento geral e, por ser assim, consideram-se factos notórios que não carecem de prova nem de alegação, conforme prescreve o art. 514º de C. de Processo Civil, aqui aplicável subsidiariamente.

  4. - A sociedade lutou com muitas dificuldades económicas (conforme resultou provado) e, não obstante esse facto, os trabalhadores receberam o seu salário, e, assim, o dinheiro que havia não foi utilizado em benefício próprio, mas em benefício dos trabalhadores e suas famílias, ou seja, em benefício do próprio Estado (pois, para além do mais, não teve nem tem de pagar aos trabalhadores os subsídios de desemprego, nem aos psicólogos o acompanhamento indispensável dos filhos dos que ficaram desempregados, como se tem verificado ultimamente no nosso país com o encerramento de algumas empresas estrangeiras, nomeadamente na zona de Castelo de Paiva).

  5. - À recorrente não era exigível qualquer outro comportamento, atento todo o circunstancialismo que rodeou a sua actuação, devendo, pois, considerar-se afastada a ilicitude, não sendo, nos termos do art. 31º, n.º 1, de C. Penal, o facto considerado criminalmente punível.

  6. - Não era exigível à arguida outro comportamento, sendo esta não exigibilidade uma causa de exclusão da ilicitude, e esta pode ser afastada pela prossecução de interesses legítimos, comportamentos dirigidos a fins lícitos, adequação social, direito natural, etc.

  7. - A sentença é contrária a um ac. de S. T. J., proc. n.º 2118/00, de 12 de Outubro de 2.000, de 3ª Secção, onde se entendeu que uma conduta similar à dos autos não é passível de censura criminal.

  8. - Caso assim não seja entendido, o conflito de deveres previsto no art. 36º de C. Penal, sempre se verifica no presente caso o estado de necessidade desculpante, previsto pelo art. 35º de C. Penal.

  9. - Sem prescindir, e caso assim não seja entendido, sempre será de se considerar pela absolvição, uma vez que ‘só são puníveis estes factos se praticados com dolo, já que não está expressamente prevista a negligência (art. 13º de C. Penal)' - confrontar, a este respeito, a anotação 3 ao art. 24º de Dec.-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, anotado e comentado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas, Alfredo José de Sousa, Livraria Almedina ).

  10. - A entender-se que na previsão dos artigos e normas referidos na decisão de R. J. I. F. N. A. e R. G. I. T. se quis incluir este tipo de dívida, então tais normas violam, frontalmente, o disposto no art. 1º de Protocolo n.º 4, adicional a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que prescreve que ninguém pode ser privado da sua liberdade por não poder cumprir uma obrigação ou não pagar uma dívida.

  11. - Tal norma vigora na ordem jurídica portuguesa (cfr. o n.º 2 do art. 8º de Constituição da República Portuguesa) e não se encontra inquinada ou confrontada, sequer, com outros princípios constitucionais de C. da República Portuguesa).

  12. - Terão, pois, de considerar-se (materialmente ) inconstitucionais as aludidas normas, por ofensa do prescrito naquele Protocolo e violação do n.º 2 do citado art. 8º de Constituição da República Portuguesa.

  13. - Assim como igualmente inconstitucionais por violação dos arts. 16º, 18º, 20º, n.º 1, e 27º, n.ºs 1 e 2, de Constituição da República Portuguesa.

  14. - Caso assim não seja entendido, sempre será (materialmente) inconstitucional por violação dos mesmos princípios e normativos supra referidos a condição imposta à ora recorrente na decisão de pagar em 4 (quatro) anos a quantia aí referida e respectivos acréscimos legais.

  15. - A aplicação da constante da sentença é, no presente caso, violadora do disposto no art. 50º de C. Penal e no art. 14º, n.º 1, de R. G. I. T., que, se assim não for considerada, e a serem interpretados e considerados pela mesma forma por que o foi pelo tribunal a quo, é, seguramente, essa interpretação, violadora dos princípios e normas constitucionais já supra referidos, e, claramente, terão esses normativos de ser considerados inconstitucionais.

  16. - Pelo exposto, e designadamente por se entender que não estão verificados, no caso em apreço, os requisitos do crime de abuso de confiança fiscal ou de qualquer outro ilícito penal, deverão V.as Ex.as revogar a sentença de que se recorre, absolvendo a ora recorrente.

  17. - E se existem dúvidas, deverá ser absolvida, com base na presunção da inocência que está na origem do tradicional princípio in dubio pro reo, um imperativo dirigido ao senhor juiz no sentido se pronunciar a favor do arguido, quando não tiver a certeza de que ele cometeu os factos integradores do crime, lembrando-lhe que é preferível absolver um criminoso a condenar um inocente (veja-se, por exemplo, a anotação ao art. 57º de C. de Processo Penal, anotado e comentado, 1.999, 11ª edição, de Manuel Lopes Maia Gonçalves).

  18. - Foram violados pela decisão de que se recorre todos os princípios, assim como todos os normativos e legislação referidos na motivação e conclusões do presente recurso.

**Fundamentação O objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, de C. de Processo Penal - v., ainda, o ac. de S. T. J., de 15 de Dezembro de 2.004, C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2.004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.

**Há que, então, definir quais as questões que se colocam para apreciação e que são as seguintes: 1ª - Há pontos de facto que foram incorrectamente julgados? 2ª - Em termos de direito, estão verificados os pressupostos de que depende a imputação à arguida B.... do crime de abuso de confiança em relação à segurança social (arts. 27º-B e 24º, n.º 5, de Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo art. 1º de Dec.-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro), ou não está demonstrado o dolo, ou está-se perante caso de exclusão da ilicitude (art. 31º, n.º 1, de C. Penal) ou de estado de necessidade desculpante (art. 31º, n.ºs 1 e 2, de C. Penal)? 3ª - É inconstitucional o art. 27º-B de Regime ...)? 4ª - É inconstitucional a interpretação dos arts. 50º, n.º 1, de C. Penal, e 11º, n.ºs 6 e 7, de Regime ..., no sentido da subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento, a Estado, do imposto e acréscimos legais?**Consta da sentença sob recurso, em termos de enumeração dos factos provados e dos factos não provados, bem como da exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o seguinte: "II. Fundamentação de facto: Discutida a causa, mostraram-se provados os seguintes factos: 1. A ... arguida C....., L.da, ..., tinha como objecto social a indústria de limpezas, enceramentos e montagem de estores.

  1. Desde a data da sua constituição, em 1.967, até à declaração de falência, em 1.999, tal sociedade teve como sócia e gerente a arguida B...... .

  2. Após 15 de Julho de 1.996 - data do falecimento do então marido da arguida B..... e, também, sócio gerente da arguida C.... ... -, aquela passou a dirigir os destinos da segunda, sendo responsável pela gestão, administração...

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