Acórdão nº 0544197 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Outubro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | LUÍS GOMINHO |
Data da Resolução | 19 de Outubro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na Secção Criminal da Relação do Porto: I - Relatório: I - 1.) No Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, foram os arguidos B........ e C.......... submetidos a julgamento em processo comum, com a intervenção tribunal colectivo, acusados pelo Ministério Público da co-autoria material de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, agravado pela circunstância modificativa da reincidência relativamente ao arguido B........, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal.
Realizado o julgamento foi o arguido C.......... absolvido e o B........... condenado em razão do ilícito supra mencionado na pena de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão, razão pela qual, inconformado, recorre para esta Relação sustentando as conclusões que abaixo se transcrevem: 1 - O acórdão recorrido não fez um exame crítico das provas que permitiram formar a sua "convicção" violando o disposto no nº 2 do artº 374 do C.P.P., o que leva à nulidade do acórdão, nos termos do artº 379 nº 1 al. a) do C.P.P.
2 - Quanto aos factos não provados, o acórdão é totalmente omisso de fundamentação, e a convicção do julgador deve ser objectiva e motivada de forma lógica e racional, o que, salvo o devido respeito, não acontece no caso sub - judice.
3 - O acórdão recorrido enferma, na nossa opinião, de nulidade por absoluta falta de fundamentação sobre questão específica, pois como dispõe o artº 355 do C.P.P., só valem em julgamento provas produzidas ou examinadas em audiência.
4 - O arguido foi seriamente afectado no seu direito de defesa, tendo sido violado o disposto nos artºs 32 nº 1 e 5 da C.R.P., artº 97 nº 4 do C.P.P., já que o tribunal fez errada interpretação da norma constante do artº 97 nº 4 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos artºs 32 nº 1 e 5, e 205 da C.R.P., o que aqui se invoca, também com o objectivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional.
5 - A Autoridade Judicial, não procedeu com respeito pelo artº 52 do Dec-Lei nº 15/93 de 22/01, que determina que se proceda a perícia médico - legal, logo que, haja notícia de que o arguido era toxicodependente.
6 - Foi preterida na fase de inquérito uma formalidade essencial, com vista à descoberta da verdade material, e a uma boa decisão da causa, o que acarreta a nulidade de todo o processado após o Inquérito, com violação do artº 120 nº 2 al. d) do C.P.P.
7 - Porque ao arguido foi suprimido um meio de defesa, legalmente previsto, na medida em que a lei não foi observada, numa norma imperativa, foi violada a C.R.P., no seu artº 32 nº 1.
8 - A prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento é manifestamente insuficiente para dar como provado, o destino a dar à droga apreendida.
9 - Na nossa opinião, a prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento é manifestamente insuficiente para dar como provados os factos alegados na acusação, mormente o facto "Ao agir pelo sobredito modo, o arguido conhecia as características estupefacientes da substância apreendida, pretendia introduzi-la no Estabelecimento Prisional com a intenção de aí comercializá-la, com intuitos lucrativos, apesar de saber que a sua detenção e cedência não eram permitidas e que o seu comportamento era proibido e punido por lei." Nenhuma prova foi produzida para se dar tal facto como provado.
O arguido não prestou declarações sobre os factos.
As testemunhas de Acusação: D.........., guarda prisional, disse: - "Então, é assim, no dia 4 de Setembro de 2002, haviam 3 indivíduos (…) que andavam comigo na base aérea, na extinta base aérea, que agora são serviços municipais, (…) com a minha vigilância (…) o Sr. B....... estava integrado nessa brigada (…) quando chegava às 11 horas, mandava parar o serviço para eles tomarem qualquer coisa (…)" (cassete nº 1 lado A, do nº 754 a 2485).
- "(…) E acontece que apareceu, cerca das 11.30 h um indivíduo numa moto cor, era vermelha e branca, o Sr. B....... nessa altura aproximou-se dessa dita mota que estava junto à rede, (…) e esse indivíduo que estava na mota passou-lhe um pacotezinho, cujo ele guardou, a mota arrancou, foi à vida dele" (cassete nº 1 lado A).
- " O Sr. B......... pegou naquilo (…) meteu no bolso, foi para o trabalho dele, e em seguida, eu como estava só, claro, telefono para o Estabelecimento falo com o chefe principal e digo-lhe o que é que está a passar e ele mandou-me então 3 elementos para o revistar" (cassete nº 1 lado A).
- "E quando então foi revistado, apareceu esse produto ou essa embalagem dentro de um maço de tabaco (…)" (cassete nº 1 lado A).
A instância da Defesa: "Olhe, Sr. D..........., a revista foi efectuada na base aérea, certo?" D......... - "Foi no corredor precisamente (…)" (cassete nº 1 lado A).
D........ - "Ora, isto deve ter acontecido muito próximo do meio-dia (…) e nós por costume regressávamos ao Estabelecimento cerca da 1 hora (13 horas)" (cassete nº 1 lado A).
Defesa - "(…) Se isto não tivesse acontecido (…), ele ia continuar a ir para aquele trabalho? Portanto, no dia 5 iria para aquele trabalho, no dia 6, no dia 7?" (cassete nº 1 lado A).
D.......... - "Ia até ir embora (…), de certeza absoluta" "(…) segundo me disseram na chefia (…), ia embora em Dezembro, portanto era logo em seguida" (cassete nº 1 lado A).
Ora, deste depoimento confirmado pelas demais testemunhas de acusação pode dar-se como provado o facto (1) e o facto (2), mas já não o facto (3), isto é, quanto ao destino dizendo "(…) pretendia introduzi-lo no Estabelecimento Prisional com intenção de aí comercializá-la, com intuitos lucrativos (…)".
Não existe qualquer prova, para que este facto seja dado como provado.
Pois, a revista foi efectuada na base aérea, muito longe do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, faltava cerca de 1,30 hora para o arguido regressar ao Estabelecimento Prisional, o arguido já estava há bastante tempo em RAVI e nunca lhe tinha sido apreendida qualquer droga, ao entrar no Estabelecimento Prisional o arguido seria sujeito a revista, o arguido até Dezembro ia voltar todos os dias àquele trabalho, naquele sítio, pelo que, era viável que o mesmo fosse esconder e aí deixar a droga, para o outro dia, também não se apurou qualquer acto de venda, nem qualquer lucro para o arguido, podendo como efectivamente era, tal droga destinar-se ao consumo pessoal do arguido.
10 - Não podemos, sob pena de violação do princípio In dubio pro reo e da presunção de inocência do arguido, presumir que a intenção do arguido era introduzir tal produto no Estabelecimento Prisional e aí comercializá-la, com intuitos lucrativos, nenhuma prova foi feita nesse sentido.
11 - A prova produzida pela defesa e que o acórdão recorrido não considerou, aponta no sentido de tal produto ser destinado ao consumo pessoal do arguido e consumido na base aérea.
Diz a testemunha de defesa E..........: "Srª. Drª., eu a única coisa que eu poderei falar é de conhecer o B........, desde que ele ingressou no projecto "Unidade Livre de Drogas"(…) as pessoas que vão para lá são sujeitas a um processo de avaliação, que é exactamente para libertarem e mudarem os comportamentos da toxicodependência, não é? (…) o B...... tem um bom percurso dentro da Unidade" (cassete nº 1 lado A, do nº 3557 a 4142).
"Sim, sim, nós periodicamente (…) temos que fazer a análise à urina, porque nós só podemos entrar na Unidade assim que tivermos a urina estabilizada, sem opiáceos ou canabinóides, não é?" (cassete nº 1 lado A).
Esta testemunha, assim como a testemunha F.......... (depoimento gravado na cassete nº 1 lado A, do nº 4143 a 4502), comprovam que efectivamente o recorrente era toxicodependente, e está integrado na "Unidade Livre de Drogas" no E.P. onde agora já não consome, atestam também a abonação do arguido.
12 - Assim, não se aceita o facto dado como provado a (3) pois, nenhuma prova foi produzida quanto ao destino a dar às 8,061 gramas de cocaína, pelo que deve ser dado, como não escrito.
13 - Existe uma clara insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e ainda erro notório na apreciação da prova, e tais vícios resultam do texto da decisão recorrida, conjugada com as regras da experiência comum.
14 - Ora, inexistindo qualquer prova directa ou indiciária, quanto à intenção do arguido, isto é, quanto ao destino a dar ao produto estupefaciente, só por erro notório na apreciação da prova, pode ter sido dado como provada a intenção de introduzir tal droga no E. P.
15 - É de concluir pela existência de erro notório na apreciação da prova, sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artº 127 do C.P.P.
16 - Mesmo que o tribunal ficasse na dúvida quanto ao destino a dar ao produto estupefaciente, tal dúvida teria de ser resolvida a favor do arguido, face ao princípio da investigação e acusação, e princípio In dubio pro reo e presunção da inocência do arguido - artº 32 nº 2 da C.R.P. e Declaração Universal dos Direitos do Homem (inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal) - devendo considerar-se que a droga era destinada ao consumo pessoal do arguido.
17 - Sem prescindir, o Tribunal recorrido errou na qualificação jurídica dos factos, pois a matéria de facto provada permitiria a subsumpção à previsão do artº 25 al. a) do D.L. nº 15/93 de 22/01, pelo que não o fazendo - tendo ao invés decidido pela aplicação por disposição diversa - violou a decisão recorrida o artº 21 do D.L. nº 15/93 de 22/01, pois a quantidade é diminuta, e encontra-se diminuída a sua culpa e a ilicitude.
18 - No caso sub - judice apenas se provou, a mera detenção do produto estupefaciente (8,061 gramas), a qual sendo já crime, não é tão grave como a detenção para venda (o que diminui a ilicitude), o móbil do lucro...
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