Acórdão nº 0544278 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERREIRA DA COSTA
Data da Resolução09 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B......... intentou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C......., S.A., pedindo que se declare a prescrição do procedimento disciplinar relativamente ao facto da falsificação da assinatura do pai do A. na requisição de um cartão de crédito, bem como a ilicitude do despedimento efectuado e que se condene a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho e a pagar-lhe quantia não inferior a € 45.000,00, a título de indemnização por aplicação de sanção abusiva, atento o disposto na cláusula 126.ª do CCTV, para além das retribuições vencidas desde a data do despedimento. Alega, para tanto, o A. que foi despedido pela R., através de carta registada de 2003-08-05, após elaboração de processo disciplinar, prescrito relativamente ao facto da falsificação da assinatura do pai do A. na requisição de um cartão de crédito, ocorrida em 1999-02-01, sendo certo que é abusiva a aplicada sanção de despedimento.

A R. contestou, por impugnação, alegando os factos constantes da nota de culpa e da decisão disciplinar e concluindo a final pela improcedência da acção.

Realizado o julgamento e proferida sentença, foi julgada improcedente a excepção de prescrição e parcialmente procedente a acção, sendo declarada a ilicitude do despedimento e a R. condenada a reintegrar o A. no Banco e a pagar-lhe as retribuições vencidas eventualmente não pagas, a liquidar oportunamente e, quanto ao mais, foi a R. absolvida do pedido.

Inconformada com o assim decidido, veio a R. interpor recurso de apelação [recurso principal], invocando a nulidade da sentença, consistente na contradição entre a fundamentação e a decisão, atento o disposto no Art.º 668.º, n.º 1, alínea c) do Cód. Proc. Civil e pedindo que se declare a licitude do despedimento, tendo formulado a final as seguintes conclusões: I - O Mº Juiz a quo na fundamentação, declara o comportamento do autor no que respeita à falsificação e validação da assinatura, que o próprio autor fez, como culposa e grave instituindo-o na prática de infracção disciplinar grave.

II - Contudo, recorrendo a conjecturas e meras hipóteses para explicar a razão/motivo da actuação do autor, no sentido de o tentar justificar, não havendo nos autos a menor prova do motivo do seu comportamento em qualquer sentido, o Mº Juiz a quo decidiu-se pela ilicitude do despedimento.

III - Existe, pois, evidente oposição entre a fundamentação explanada nesta matéria e a decisão, nisto residindo a nulidade da sentença nos termos do artigo 668º, nº 1, al.c) do Código de Processo Civil, "ex vi" artigo 1º, nº 2 do Código do Processo do Trabalho.

IV - O autor praticou indiscutivelmente todos os factos constantes dos artigos 12º a 29º dos Factos Provados.

V - Os factos provados e constantes dos artigos 12º, 15º e 16º, ao contrário do que se conclui na sentença, atendendo à circunstância do autor ser gerente bancário da entidade emissora do cartão que era, simultaneamente, a sua entidade patronal, fá-lo incorrer em infracção disciplinar, por violação dos seus deveres de idoneidade, de ética e da deontologia profissional e de actuação conscienciosa, como lhe impunha, em primeira linha, a cl.ª 34.ª al. b) e g) do ACTV do Sector Bancário.

VI - Com efeito, ainda que o plafond de 1.000.000$00 tenha sido carregado por lapso, por outro, as suas referidas obrigações de gerente, impunham-lhe que não usasse tal plafond, que bem sabia, pelas suas funções e conhecimentos profissionais, não poder dispor, devendo antes alertar o Banco e não aproveitar-se do lapso.

VII - Os factos dados como provados nos artigos 23º, 25º e 26º da matéria de facto instituíram, também, o autor, na prática de infracções disciplinares, nos termos da clª 34ª al. b) e g) do ACTV do Sector Bancário, por violação das normas internas relativa à atribuição de cartões e das regras da ética e da deontologia profissional e da idoneidade a que estava obrigado.

VIII - É que o autor fez utilização indevida dos cartões de crédito em causa, tendo usado ele próprio e sempre os cartões emitidos em nome do pai (artº 27º dos Factos Provados) à revelia deste (artigo 28º dos Factos Provados), bem sabendo que não lhe pertenciam e que os mesmos são por natureza pessoais e intransmissíveis, não fora ele gerente bancário.

IX - Além do mais, usava-os conscientemente, furtando-se ao controlo da identificação e da assinatura, usando-os, por isso, apenas em cash-advance e pagamentos em ATM, onde lhe bastava o código de que ilegitimamente dispunha, pelo que não é, ao contrário do que diz a sentença recorrida, irrelevante o modo por que eram utilizados, obviamente, com um propósito bem determinado - o de escapar ao controlo.

X - Todo o "modus operandi" levado a efeito pelo autor era, pois, consciente e voluntário, ou seja, bem sabia que estava a usar cartões que não devia usar, que o fazia à revelia do Banco, sua entidade patronal e um deles (senão os dois) à revelia do seu próprio pai, formal e legalmente o dono dos cartões. (Artigo 28º dos Factos Provados).

XI - Não é, também, ao contrário do que afirma a sentença, irrelevante para o Banco recorrente que os saldos originados pela utilização indevida dos cartões por parte do autor tenham sido pagos por um crédito concedido ao autor, isto porque quem concedeu tal crédito foi o próprio Banco recorrente.

XII - O crédito concedido teve de ser feito pelo Banco recorrente porque o Autor não tinha capacidade financeira para liquidar aqueles saldos fraudulentamente originados que obrigavam ao cancelamento dos cartões e sua liquidação imediata.

XIII - Ora tal não é irrelevante, também, porque a um gerente bancário se exige que lide de outra forma com o dinheiro e com as obrigações e encargos que assume, sendo-lhe exigível pela ética e pela deontologia profissionais que não se comporte como qualquer cliente que assume obrigações sem capacidade financeira para as satisfazer.

XIV - Para a sentença os factos integrados como provados nos artigos 21º e 22º dos Factos Provados também não são infracção disciplinar, mas a verdade é que assim não é, pois ainda que o autor estivesse integrado numa comissão de crédito estava-lhe vedada a sua participação em operações próprias, dos familiares ou naquelas em que, por qualquer forma, tivesse um interesse directo ou indirecto. (Comunicação Nº 86/96 - DIA de 23.10.96).

XV - Esta questão e esta infracção não lhe foi apontada na Nota de Culpa, mas uma vez que a sentença a suscita, impõe-se demonstrar que a conclusão feita na sentença está errada.

XVI - Assim, para além do cumprimento deste normativo impunha-lhe a ética, a deontologia profissional e a actuação conscienciosa exigida pela sua profissão que não tivesse por qualquer forma intervido na atribuição dos cartões ou dos respectivos plafonds como é, a todas as luzes, evidente.

XVII - De qualquer modo os cartões em causa foram abusivamente usados ao longo dos anos e um deles fraudulentamente obtido, por falsificação pelo autor da assinatura do seu pai, assinatura que também validou, aproveitando-se das suas funções ao serviço do Banco recorrente.

XVIII - Para além das outras referidas infracções disciplinares, à conduta do autor há que acrescer este outro ilícito disciplinar que constitui, em simultâneo, ilícito criminal, como declara a sentença recorrida.

XIX - Tal ilícito disciplinar - falsificação da assinatura pelo autor e posterior validação pelo próprio autor - é considerada na sentença infracção disciplinar grave, sem qualquer dúvida.

XX - Não obstante até ter sido declarado na sentença o comportamento do autor, nesta matéria, como culposo e grave, com base em conjecturas e desvalorizações sucessivas dos factos praticados pelo autor, assentes sempre em meras hipóteses, nunca demonstradas e muito menos provadas; a sentença conclui pela ilicitude do despedimento por falta de justa causa.

XXI - E nesta evidente contradição entre a fundamentação e a decisão proferida reside, como já se referiu, a nulidade da sentença que não pode, nunca, julgar em contradição com os factos provados, com a real qualificação dos mesmos (infracção disciplinar grave/ilícito criminal) e com base em meras conjecturas favoráveis ao autor, ou a quem quer que seja.

XXII - Não houve "ligeireza" nem pode ser considerado um "acto irreflectido", como por mera hipótese se aventa na sentença, a requisição de um cartão de crédito, com falsificação da assinatura do pai pelo autor, que é empregado bancário do Banco emitente do cartão, assinatura que ele, graças à sua função no Banco, validou, sendo o falsificador da mesma, e depois usa anos a fio esse cartão em proveito próprio (artigos 27º e 28º dos Factos Provados) tudo à revelia do pai e do Banco recorrente.

XXIII - E mais, usa conscientemente esse cartão sempre em pagamentos em ATM e Cash Advance, furtando-se ao controlo da assinatura e de identificação. (artigo 23º dos Factos Provados).

XXIV - São estes os factos objectivamente a considerar, ponderando ainda os seus efeitos na relação laboral - considerando a qualidade de gerente do autor e a actividade bancária do ora recorrente.

XXV - Desde a requisição à utilização dos cartões, especialmente, do cartão Classic, fraudulentamente obtido por acto do próprio autor, nada evidencia "ligeireza", "acto irreflectido" ou "comodismo", antes uma sucessão de actos intencionais, conscienciosos e culposos e graves constituindo ilícitos criminal e disciplinar.

XXVI - O facto do cliente do Banco recorrente que viu a sua assinatura falsificada, ser o pai do autor, entre os quais havia, aliás, uma grande relação de proximidade (artigos 31º e 32º dos Factos Provados) não pode minorar a gravidade da infracção, - pai é pai - e merece o maior respeito, mas independentemente disso, o que está aqui em causa não é a relação pai/filho mas autor/Banco e Banco/cliente - pai, e ao Banco recorrente, no dever de fazer cumprir as regras da sua actividade na defesa intransigente dos seus clientes, não lhe cabe distinguir os clientes...

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