Acórdão nº 0544648 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Outubro de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPINTO MONTEIRO
Data da Resolução12 de Outubro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: Inconformados com a decisão instrutória da senhora juíza de instrução do Tribunal Judicial de Carrazeda de Ansiães, na parte em que decidiu não existirem as nulidades por eles arguidas no requerimento de abertura de instrução, dela recorreram os arguidos B..........., C........., D......... e E.........., tendo concluído a motivação nos seguintes termos: 1 - Antes de entrarmos no desenvolvimento das razões que justificam a nossa oposição ao indeferimento das nulidades por nós arguidas no nosso requerimento instrutório, julgamos dever dizer-se, perdoe-se-nos o desabafo, que é disso que aqui se trata, que ao longo de mais de 20 anos de actividade forense, jamais assistimos a uns autos onde os direitos fundamentais expressamente previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que a nossa Constituição da República acolheu, tivessem sido tão ameaçados, pondo necessariamente em causa os alicerces do Estado de Direito.

2 - E esta situação resulta com clareza dos autos e a existência de nulidades que arguímos são um indicador disso mesmo.

3 - Circunscrevendo-nos, porém, exclusivamente às nulidades que suscitamos no nosso requerimento instrutório, começamos por dizer que, na generalidade, os fundamentos, as referências legais, doutrinais e jurisprudenciais da decisão instrutória em nada colidem com as regras processuais e com os direitos fundamentais dos arguidos, mas as conclusões que ultimamente se retiram ou contrariam essas mesmas referências ou são desconexas em relação às mesmas, demonstrando, parece-nos, mais uma vez a afirmação da preocupação incriminatória que encontramos nos autos, em vez da busca da verdade e, a final, da realização da justiça que nos deve ocupar e preocupar a todos.

4 - Hoje, como no nosso requerimento instrutório, continuamos a defender que o Tribunal competente é o Tribunal de Carrazeda de Ansiães, por o crime mais grave de que há indícios nos autos, ter sido praticado no bar de diversão nocturna "F............", situado no limite da comarca de Carrazeda de Ansiães, por isso impor a alínea a) do art. 28º do C. P. P..

5 - E isto mesmo antes de ser proferida a acusação pública.

6 - Mas mesmo que assim não fosse entendido, por os autos terem começado com a queixa das irmãs G......... e H........... no Tribunal de Vila Flor sobre crimes praticados nos limites da comarca de Vila Nova de Foz Côa e nos limites da comarca da Meda, quando foram emitidos os mandados de busca à casa dos arguidos C......... e D...... e à casa dos arguidos B.......... e E...... e quando foram emitidos os mandados de captura a estes mesmos arguidos, já era do conhecimento dos autos os indícios da prática do crime mais grave, que é o crime de sequestro agravado hipoteticamente praticado pelos arguidos C......... e D............ no "F...........", situado em Carrazeda de Ansiães.

7 - Mesmo que assim não se entenda, continuamos sem perceber como os autos foram parar à comarca da Meda, pois os indícios do crime de sequestro, que é o crime mais grave, hipoteticamente praticado pelos arguidos B........ e E..........., tiveram lugar no apartamento situado na Rua ............., da vila e comarca de Vila Nova de Foz Côa.

8 - Não havendo, quer se queira quer não, notícia desse crime quer no bar de diversão nocturna "I...........", localizado no limite da comarca da Meda, quer em qualquer outro sítio da comarca da Meda.

9 - E isto também muito antes da formulação da acusação e de se vir a constatar que esse facto não tinha qualquer relevo, pois nem vem referido na acusação.

10 - É, e sempre foi, efectivamente, o Tribunal da Meda territorialmente incompetente, sendo competente o Tribunal de Carrazeda de Ansiães ou até o Tribunal de Vila Nova de Foz Côa.

11 - Poderia ter interessado às forças de investigação deslocar os autos para o Tribunal da Meda, mas isso não interessa, de certeza, à descoberta da verdade.

12 - E isto independentemente da conexão efectuada, que achamos acertado fazê-la, como expressamente manifestamos no nosso requerimento instrutório.

13 - Se há incompetência territorial e se foi arguida antes do início do debate instrutório, como efectivamente foi, como o exige a alínea a) do nº2 do art. 32º do C. P. P., para onde remete a alínea e) do art. 119º do mesmo diploma legal, há nulidade insanável e, em consequência, deverão ser aplicados os efeitos dessa nulidade, que são os previstos no art. 33º do C. P. P..

14 - Há também nulidade, agora por violação da alínea c) do art. 119º do C. P. P., no que respeita às declarações para memória futura que tiveram lugar no Tribunal de Vila Flor e no Tribunal da Meda, embora aqui se encontrem duas.

15 - As declarações para memória futura das referidas irmãs G......... e H..........., que ocorreram no Tribunal de Vila Flor, estão feridas de nulidade por terem decorrido sem que os arguidos estivessem presentes e sem que lhes fosse constituído defensor.

16 - E não estiveram presentes porque não lhes foi comunicado o dia e hora em que as mesmas teriam lugar, como expressamente refere o nº2 do art. 271º do C. P. P., para onde remete o art. 294º.

17 - E isto mesmo depois de as referidas irmãs terem feito queixa dos arguidos, designadamente dos arguidos B......... e E........... .

18 - Decorreram, por isso, essas declarações para memória futura, que manifestamente contenderam com a liberdade dos arguidos, com o completo desconhecimento das pessoas que directamente seriam afectadas, como efectivamente foram, com esses depoimentos.

19 - Tanto mais, o que é mais grave, que, nos termos do nº1 do art. 271º, essas declarações podem ser "tomadas em conta no julgamento".

20 - E que nos casos a que se refere o art. 271º e 294º, como expressamente refere a alínea e) do nº1 do art. 64º do C. P. P., é obrigatória a assistência de defensor.

21 - Estejam ou não essas mesmas pessoas, de quem até já se tinha feito queixa, constituídas arguidas.

22 - Não se pode conceber que tenham lugar declarações para memória futura que contendem, como contenderam, com a liberdade das pessoas e que podem ser tomadas em conta no julgamento, sem que essas pessoas afectadas por esses depoimentos possam estar presentes e ter defensor para as ajudar na defesa.

23 - Até pela razão simples de a constituição de arguido ser apenas um acto formal.

24 - Havendo, a entender-se de outro modo, a manifesta violação de direitos fundamentais do arguido, designadamente do direito ao contraditório.

25 - Tendo necessariamente que entender-se a referência a arguido plasmada na alínea c) do art. 119º como aquele que é potencialmente afectado por essas declarações para memória futura e não aquele que está ou não constituído arguido, sob pena, o que é insustentável, de milhares de inocentes poderem ir parar à cadeia por um ou uma qualquer os apontar como tendo praticado um crime ou crimes, até o mais horripilante, e não é sujeito a qualquer oposição, vinda dos visados.

26 - A não presença dos arguidos e de defensor nessas declarações para memória futura, faz incorrê-las na nulidade insanável e não em qualquer irregularidade.

27 - Pois o direito de estar presente e de livremente constituir advogado, que no presente nem sequer foi constituído defensor oficioso, não se basta com qualquer irregularidade ou com a nulidade da prova ou com a possibilidade de esses depoimentos serem impugnados no julgamento, como se defende na decisão instrutória.

28 - Também as declarações para memória futura que ocorreram no Tribunal da Meda a 29/01/2004 e que constantes são do apenso B, estão também feridas de nulidade insanável.

29 - Por também os arguidos não estarem também presentes, por lhes ter sido comunicado que decorreriam declarações para memória futura, no Estabelecimento Prisional da Guarda onde se encontravam, apenas no dia seguinte ao dia em que essas mesmas declarações ocorreram, como de resto resulta dos certificados passados pela funcionária responsável pelas notificações na cadeia, que juntos foram à motivação do recurso por nós formulada atempadamente.

30 - Foram efectivamente os arguidos notificados para declarações para memória futura no Estabelecimento Prisional da Guarda no dia 30 de Janeiro de 2004, para as declarações que tiveram lugar no dia anterior, a 29/01/2004, o que é insustentável e motivou o nosso recurso constante dos autos.

31 - E pior que isso, produziu irreparáveis danos aos arguidos, dado, nomeadamente ajudar a manter a prisão preventiva dos arguidos, como consta, designadamente, do despacho de folhas 1760 dos autos.

32 - É verdade que o nosso recurso, já transitado em julgado, admitiu o recurso, mas com subida a final e que a esse despacho não deduzimos oposição.

33 - E também é verdade que requeremos no nosso requerimento instrutório a subida do recurso agora para evitar que a sua apreciação a final seja inútil.

34 - Todavia, se a nulidade existe, e dúvidas não podemos ter que sim, que é a prevista também na al. c) do art. 119º, por não deduzirmos oposição ao despacho que admitiu o recurso e ordenou a sua subida a final não significa que estejamos em presença de uma irregularidade, pois nem sequer deveríamos, como fizemos no nosso requerimento instrutório, requerer a sua subida imediata.

35 - A existência da nulidade determina que a mesma seja desde logo...

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