Acórdão nº 0544652 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Novembro de 2005
Magistrado Responsável | ANTÓNIO GAMA |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2005 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto: O Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos decidiu, entre o mais que agora irreleva: Absolver os arguidos B......, C....., D....., E......, F....., G......, H....., I....., J....., L......, M......, N....., O...... e P....., dos crimes cuja autoria lhes vinha imputada; Absolver o arguido Q......, do crime, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 e 24º do D.L. 15/93, e condenar o mesmo arguido como autor de um crime, p. e p. pelo art. 6º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27/6, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de 4 € (quatro Euros).
Absolver os arguidos R...... e S......, do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, mas condenar cada um deles como co-autores de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. 15/93, na pena de cinco anos de prisão; Absolver o arguido T......., da prática do crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 e 24º do D.L. 15/93, e condenar o mesmo arguido como autor de um crime p. e p. pelo art. 6º, n.º 1 da Lei n.º 22/97, de 27/6, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de 4 € (quatro Euros).
Absolver o arguido U......., do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, e condenar o mesmo arguido, a título de reincidência, como cúmplice de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. 15/93, na pena de um ano e seis meses de prisão. Já em posterior decisão foi efectuado o cúmulo jurídico de diversas penas, fls. 4869 - 4870 tendo sido o arguido condenado na pena única de três anos e seis meses de prisão.
Absolver a arguida V........, do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, e condenar a mesma arguida como autora de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. 15/93, na pena de quatro anos e oito meses de prisão.
Absolver a X........, do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, e condenar a mesma arguida como autora de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. 15/93, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.
Absolver a arguida Y......., do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, e condenar a mesma arguida como cúmplice de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. 15/93, na pena de um ano e três meses de prisão, cuja execução foi suspensa por dois anos.
Absolver o arguido Z........., do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, e condenar o mesmo arguido, a título de reincidência, como cúmplice de um crime p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do D.L. 15/93, na pena de um ano e seis meses de prisão, e como autor de um crime p. e p. pelo art. 6º da Lei n.º 22/97 na pena de quatro meses de prisão. Em cúmulo, condenar o arguido na pena única de um ano e oito meses de prisão.
Absolver o arguido BB......, do crime p. na forma qualificada pelo 24º do D.L. 15/93, e o condenar o mesmo arguido como autor de um crime p. e p. pelo art. 25º, al. a) do D.L. 15/93, na pena de um ano e seis meses de prisão; Inconformados recorreram o Ministério Público [de parte da decisão referente aos arguidos R........., S........., V........ e X......,] e os arguidos R......., S........, V...... e X......, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: [Ministério Público] 1 - Do teor do texto do acórdão recorrido, conjugado com as regras da experiência comum, evidencia-se a existência de erro notório na apreciação da prova (v. Art.º 410º, nº2, al. b) do C. P.P); 1.1 - Com efeito, ao considerar-se que os arguidos S....... e R........ detinham em seu poder a quantia de 5.645,00€ em notas do banco Europeu de pequeno valor facial proveniente da venda de estupefacientes e o modo como tal dinheiro, a quantidade de droga destinada ao tráfico e os vários utensílios relacionados com o tráfico, mormente «máquina para detectar notas falsas», estavam na sua esfera de detenção, mostra-se, face às regras da experiência comum, que: a) tal actuação não é ocasional, mas que se vinha prolongando no tempo, pressupondo uma «forte relação de confiança» com quem lhos entregou e um grande poder de detenção e controle sobre designadamente essa quantia; b) a detenção de muitas notas de pequeno valor facial resultantes da venda de produto estupefaciente é indicador (sinónimo) de que essa venda foi a «grande número de pessoas»; 1.1.1 - Assim, devia o tribunal, «a quo»: a) ter considerado provado que a actuação dos arguidos R...... e S...... se prolongava no tampo e que o dinheiro era provenientes da venda de estupefacientes a «grande número de pessoas»; e b) ter valorado tais factos e, por conseguinte, ter concluído que a conduta dos anteditos dois arguidos integra a qualificativa prevista na alínea b) do art.º 24º do Decreto Lei n.º 15/93; 2 - Como o peso normal de panfleto individual de heroína e da dose individual de cocaína, atentas as regras da experiência e os factos dados como provados varia, em geral, entre 0,1 gramas e 0.25 gramas, podendo até o peso do panfleto ainda ser inferior a 0,1 gramas, (como se evidencia da factualidade provada no que concerne ao produto estupefaciente apreendido à arguida X.......,) temos necessariamente que: - a droga (heroína) apreendida aos arguidos R....... e S...... dava para fazer, no mínimo, entre 805 e 2014 «panfletos»; e - a droga apreendida a X......, dava para fazer, no mínimo, entre 88 e 218 doses individuais de cocaína (mais 622 panfletos de heroína e cocaína já feitos); e - a droga (heroína e cocaína) apreendida a V........, dava para fazer, no mínimo, entre 463 e 1159 panfletos (mais 67 panfletos já feitos).
3 - O tribunal «a quo», dados os factos que considerou provados, teria necessariamente que considerar, quanto a cada uma das arguidas V...... e X........, que é co-autora do crime de tráfico de estupefacientes (p. e p. pelo art.º 21º, nº1, do Dl 15/93), ilação que resulta tão só da aplicação de critérios normativos de apreciação da conduta das agentes às condições de facto em que o respectivo crime foi cometido; 4 - As penas previstas nos tipos legais de crime de tráfico de estupefacientes (simples e qualificado) respondem a exigências da sociedade de modo a acautelar os valores que lhe inerem (ou interesses que tutelam).
5 - Assim, a necessidade de prevenção geral assume uma particular relevância neste tipo de ilícitos pelas consequências que este acarreta no tecido social e desde logo no consumidor, quer por induzir a prática de crimes contra o património, aumentando assim a insegurança dos cidadãos e a criminalidade, quer ainda impacto no âmbito da própria família, emergindo também com manifestações na âmbito da saúde pública.
6 - Diz-nos a experiência que na sociedade condutas como a dos referidos arguidos não se tomam de ânimo leve, estando-lhe subjacentes, nas relações com os comparsas laços fortes de confiança, amizade (e até familiares), estando igualmente presente no âmago de tal actividade, o lucro fácil e a plena e absoluta indiferença para o bem estar social e para da saúde - física e psíquica - e vida dos «consumidores».
7 - Há que atender ao quão difícil se vem tornando o combate ao tráfico de estupefacientes e, assim, a apreensão de quantidades assinaláveis de droga, de instrumentos e de quantias relacionadas com o tráfico, pois «os traficantes» dispersam as substâncias estupefacientes e os instrumentos e objectos para a dosagem por vários locais - por exemplo, casas de recuo - a que têm livre acesso, onde os «seus braços direitos» ou comparsas de plena confiança os detêm, doseiam tal droga e (como longa «manus» doutrem) a encaminham com destino à distribuição pelos consumidores.
8 - Verifica-se, assim, que a conduta de cada um dos referidos quatro arguidos não é de somenos ou média importância, antes relevando ao nível elevado na actividade de «tráfico», «lato sensu» considerada, sendo fruto já de um considerável nível de organização criminosa; pois 8.1 - nada melhor que pessoas de confiança e insuspeitas e casas bem localizadas e «insuspeitas», para deter tais substâncias, valores, instrumentos e objectos, proporcionando-se um êxito mais prolongado na actividade do tráfico de estupefacientes; 9 - Destarte, não podemos concordar com o explanado no douto acórdão recorrido na medida em que reafirma que a ilicitude é de mediana gravidade.
10 - Por isso, no presente caso há que dar a devida relevância à gravidade da ilicitude, face aos concretos ilícitos em apreço em que são particulares as exigências de prevenção geral e especial, à quantidade de droga detida pelos arguidos, bem como à respectiva qualidade - espécies das chamadas drogas duras -, aos objectos e instrumentos detidos que foram utilizados e que podiam ser utilizados na feitura e dosagem dos «panfletos», o fim a que se destinava a droga - ser transaccionada -, a intensidade do dolo, que temos de considerar presente em todos eles na sua modalidade mais intensa - dolo directo -, a que alude o art. 14º, n.º 1, do mesmo CP, às condições sociais e económicas dos arguidos; 11 - Deste modo, dados os objectos apreendidos aos arguidos e acima referidos, e, assim, a quantidade de embalagens (e de droga), os comprimidos «Noostan» destinados a adicionar aos produtos estupefacientes, objectos todos relacionados com o manuseamento de grandes quantidades de produtos estupefacientes, e o dinheiro proveniente da venda estupefacientes, não subsistem dúvidas que a droga apreendida aos arguidos se destinaria a abastecer um grupo de pessoas numeroso, contribuindo, assim, para a disseminação da droga.
12 - Por conseguinte, visto o disposto nos artºs 40º, nºs 1 e 2, e 71º do C. Penal, e atento o exposto: 12.1 - Quanto aos arguidos R...... e S.......: 12.1.1 - caso se entenda, conforme entendemos supra que a conduta dos arguidos R....... e S...... integra a prática, em co-autoria, do referido crime de tráfico de estupefacientes agravado: - como detinham 201 gramas de heroína (o que dava para fazer, no mínimo, entre 805 e 2014 «panfletos» individuais), comprimidos marca "Noostan", uma balança de precisão de marca "Tanita" e respectivo estojo com resíduos...
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