Acórdão nº 0545127 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução05 de Julho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I 1. No processo comum n.º …../02.7TACUB do ...º juízo do Tribunal Judicial de Bragança, foram submetidos a julgamento, perante tribunal singular, os arguidos B…….., C…….. e D…….. pela prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 3, do Código Penal, e os arguidos B….. e C……, ainda, pela prática, em co-autoria material, de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artigo 367.º, n.º 1, do Código Penal.

Por sentença de 13 de Maio de 2005, foi decidido, no que agora releva: - absolver o arguido C……..; - condenar o arguido B…….., pela prática, em concurso efectivo e co-autoria material, de um crime de falsificação e de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelos artigos 256.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 3, e 367.º, n.º 1, ambos do Código Penal, nas penas de, respectivamente, 180 dias e 100 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, e na pena única, derivada da efectivação de cúmulo jurídico, de 220 dias de multa, àquela taxa diária; - condenar o arguido D……., pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 3, do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 30,00.

  1. Inconformado, o arguido D…… veio interpor recurso da sentença, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões: «PRIMEIRA «Tendo o Recorrente sido condenado pela prática de um crime de falsificação praticado como meio instrumental necessário, segundo o plano do agente, para a concretização do mal próprio visado no crime de favorecimento pessoal, a relação de instrumentalidade necessária entre crime-meio e crime resultado tem como consequência jurídica a unificação do delito, e a sua punição através da pena aplicável ao crime-resultado, não obstante a mesma seja inferior à prevista para o crime-meio.

    «SEGUNDA «À aplicação das regras da consumpção impura, nos termos supra referidos, não obsta decisivamente a diversidade existente entre os interesses jurídicos tutelados, pelo menos nos casos concretos em que a prática dos factos descritos no tipo-de-ilícito correspondente ao crime-meio, constituam, de acordo com a normalidade das coisas, um meio instrumentalmente adequado e de ocorrência frequente de praticar os factos que preenchem o tipo-de-ilícito do crime resultado.

    «TERCEIRA «Incluindo-se na matéria de facto provada que o agente do crime de falsificação de passaporte agiu com a finalidade exclusiva de auxiliar a fuga de um seu irmão gémeo, foragido à justiça e objecto de mandado de detenção internacional, para país estrangeiro, fora do Espaço Schengen, a obtenção para este de passaporte falso constituía instrumento necessário para a prática do (impunível pela circunstância de agente e favorecido serem irmãos um do outro) crime de favorecimento pessoal.

    «QUARTA «Ao considerar, face à matéria de facto exposta, existir entre os crimes aludidos concurso real e não aparente de infracções ou, em terminologia porventura mais precisa, ao negar a unificação jurídica do delito pela ocorrência de uma relação de instrumentalidade necessária entre ambos os crimes, resolúvel a favor da incriminação exclusiva pelo crime-resultado por aplicação das regras da consumpção impura, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal.

    «QUINTA «A interpretação desta norma segundo a qual a circunstância dos crimes em concurso não protegerem fundamentalmente o mesmo bem jurídico constitui obstáculo à aplicação do mecanismo da consumpção impura, viola o princípio da proibição de vagueness da lei penal (contido no n.º 1 do artigo 29.º) e o princípio do non bis in idem material, com não menor dignidade constitucional, uma vez que tal circunstância apenas é referida pelo legislador no número 2 desse artigo - referente, não à consumpção, mas especificamente e apenas ao instituto do crime continuado.

    «SEXTA «Tendo havido decisão de arquivamento, com efeito de caso julgado, relativamente ao crime de favorecimento pessoal, devia tal facto ter sido levado à matéria de facto dada como provada, por ter potencialidade de influenciar a decisão de mérito, e por ser necessária à avaliação da existência de bis in idem processual, dependendo da posição que os tribunais superiores adoptem quanto às questões de direito suscitadas na discussão da causa em primeira instância.

    «SÉTIMA «Entre as circunstâncias a que o tribunal atribui relevo para a determinação em concreto da medida da pena, não pode ser incluída a "não confissão" do arguido, por a tanto obstar a aplicação do princípio constitucional do direito à não-incriminação, o qual tem como corolário que o silêncio do arguido, total ou parcial, sobre os factos, ou a apresentação pelo mesmo de versão diferente daquela que o tribunal considerou provada, não possa ser considerada fundamento de agravamento da responsabilidade criminal do arguido não confitente.

    «OITAVA «A sentença recorrida violou assim o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, sendo que, na interpretação segundo a qual a "não confissão" do arguido pudesse ser ponderada no âmbito da determinação da medida da pena, tal norma enferma de inconstitucionalidade material, por violação do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, norma que tutela o direito à não auto-incriminação.

    «NONA «A circunstância de o autor de falsificação agir com a motivação de auxiliar um seu irmão gémeo a furtar-se à justiça, determina a atenuação especial da pena, devido à diminuição acentuada da culpa do agente que a sua dependência emocional e instinto protector relativa ao respectivo gémeo desencadeia, pelo que, ao não aplicar tal mecanismo, a sentença recorrida violou também o disposto no n.º 1 do artigo 72.º do Código Penal.

    «DÉCIMA «Em consequência das razões expostas nas conclusões imediatamente anteriores, mas mesmo que as mesmas não procedessem, pelo simples facto de, ceteris paribus, ao recorrente ser aplicada pena superior pelo crime de falsificação, àquela que foi inflingida ao outro co-arguido condenado, quando este não tinha com o favorecido qualquer relação legalmente privilegiada, a pena aplicada ao arguido de 200 dias de multa revela-se em concreto excessiva em face das circunstâncias do caso, sendo mais proporcional e adequada às circunstâncias relevantes pena de multa não superior a 120 dias.» 3. Com o recurso da decisão final subiu o recurso interposto em acta de audiência, pelo mesmo arguido D……, do despacho que indeferiu o seu requerimento no sentido de ser submetido a perícia sobre a personalidade e perícia psiquiátrica, no qual formulou as seguintes conclusões: «1. O despacho ora recorrido que indeferiu o requerimento apresentado pelo Arguido no sentido de ser produzida prova pericial, nas modalidades de perícia psiquiátrica e de perícia sobre a personalidade, ofende as garantias constitucionais do direito à prova da defesa, do dever de amparo judicial aos direitos, liberdades e garantias, da igualdade de armas em processo criminal, e da acusatoriedade do processo criminal.

    «2. Com efeito, o Arguido foi acusado de falsificação de um passaporte que, após emissão pelo Governo Civil de Bragança, terá sido entregue ao seu irmão gémeo para que este o usasse.

    «3. Alegando crer verificar-se na situação concreta do relacionamento entre o Arguido e o seu irmão gémeo, uma incapacidade por parte deste em resistir à influência do irmão afectado por comportamentos desviantes, sendo a sua vida pessoal e as suas concretas decisões dominadas pelas do irmão, evidenciando uma fragilidade e dependência psicológica que o impede de negar a assistência pedida, requereu a realização de perícia médico-legal a qual comprovaria ou infirmaria que " que, na relação dual existente e construída ao longo da infância e juventude foi o arguido D……. que sempre se assumiu como elemento protector perante as diversas vicissitudes da vida do irmão E……. e que assim construiu um quadro psicológico dominado pela identificação em espelho que o coloca na impossibilidade de(...) determinar a sua conduta autonomamente(...) ".

    «4. Ao negar a realização desta perícia o douto despacho impugnado violou o direito de produção de prova pela defesa, ofendendo o disposto no artigo 32° da CRP conjugado com o artigo 20.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem no que se reporta à garantia constitucional do processo equitativo.

    «5. Por seu turno dispõe o artigo 6.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem constituir direito de toda a pessoa, "em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida [...j das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. ", sendo tais garantias concretizadas no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, através do seu artigo 14.º «6. O n.º 3 deste artigo inclui entre o elenco mínimo destas garantias, os seguintes: direito a dispor das facilidades necessárias à preparação da sua defesa (al. b); direito a obter a comparência e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições das testemunhas de acusação (al. e).

    «7. Em termos idênticos dispõe a Convenção Europeia para Protecção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (cfr. Artigo 6.º, n.os 1 e 3, alíneas b) e d).

    «8. Ao indeferir a realização da perícia frustrou, assim, o despacho recorrido o direito à produção de prova pericial, impossibilitando o Arguido de poder recorrer ao depoimento em audiência de peritos.

    «9. Mais entende o Recorrente que tendo requerido a produção de prova pericial com o âmbito acima descrito tal requerimento era de deferimento obrigatório e não facultativo, conforme resulta desde logo do artigo 151.º do Código de Processo Penal em afloramento do princípio geral consignado no artigo 125.º do mesmo Código.

    «10. Consigna esta última norma o princípio geral de admissibilidade...

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