Acórdão nº 0545463 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 05 de Abril de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJACINTO MECA
Data da Resolução05 de Abril de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto No 5º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Maia, em processo comum com intervenção de Juiz Singular, B….. foi submetido a julgamento encontrando-se acusado da prática de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º do Código Penal.

*Realizada a audiência de discussão e julgamento, a acusação veio a ser julgada procedente por provada e, consequentemente B…… condenado como autor material de um crime de dano previsto e punido pelo artigo 212º do Código Penal na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 6 euros.

Foi ainda condenado no pagamento da quantia de € 522,11 a título de indemnização.

*Inconformado com o teor da sentença, B….. interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões: A matéria de facto que o Tribunal recorrido deu como provada e imputada ao arguido B......., designadamente os factos III, IV, V e VII foi incorrectamente julgada.

Tendo o Tribunal recorrido considerado que não se provou que o arguido conduzisse o veículo de matrícula …PDD75, jamais poderia dar como provada que na circulação rodoviária que faziam, o arguido e a queixosa pegaram-se, por razões de trânsito, acabando o arguido por ultrapassar o veículo da queixosa e depois de obrigar esta a parar, saiu do carro (…) e na sequência de uma ligeira discussão, o arguido vibrou com a sua mão forte pancada no espelho do lado esquerdo (do condutor) do veículo da ofendida.

Não se tendo provado que o arguido era o condutor do veículo de matrícula …PDD75, também não se poderia dar como provado que o arguido ultrapassou o veículo da queixosa e obrigou-a a parar.

Pelo exposto, é notória, manifesta e insanável a contradição entre os factos III, IV, V e VI do CPP.

O Tribunal recorrido julgou provados os factos III, IV, V e VI com base exclusivamente no depoimento da queixosa que tem simultaneamente a qualidade de assistente e demandante civil nos presentes autos, porquanto nenhuma das testemunhas ouvidas referiu ao Tribunal recorrido ter conhecimento directo ou presencial dos factos.

O depoimento da assistente, por si só, é insuficiente para provar os acima referidos factos. É que a assistente e demandante cível é parte interessada no processo e, como tal, o seu depoimento é, por natureza, interessado e parcial. Ou pelo menos a assistente não é alheia, nem indiferente aos interesses de ordem penal e de ordem cível em discussão nos autos, circunstâncias que cerceiam a imparcialidade e a credibilidade das suas declarações.

Além disso, as declarações da assistente, para além de lacunosas, reticentes, inconclusivas e imotivadas, são contraditórias. Primeiramente declarou que o arguido vinha num Audi A6, ultrapassou o veículo por ela conduzido e obrigou-a a encostar à berma - vem este senhor com um Audi A6 cinza prata e ultrapassou-me só numa faixa de rodagem, obrigando-me a encostar … encostando-me à berma da estrada. Mais tarde, a assistente disse que do dito Audi A6 saiu o arguido, o qual era o ocupante e não o condutor - eles pararam o carro, este senhor saiu do carro não era ele que ia a conduzir, era ocupante.

Acresce que mais contraditório e inverosímil se mostrou o depoimento da queixosa quando confrontada, a requerimento do mandatário do arguido, com as suas anteriores declarações prestadas em sede de inquérito, designadamente as produzidas em sede de diligência de reconhecimento - folhas 42 e ss. - elemento que não mereceu qualquer avaliação e juízo crítico pelo Tribunal recorrido. O Tribunal recorrido fez «letra morta» desse acto de confrontação da assistente com as suas declarações anteriores, não obstante a sua manifesta relevância para efeitos de formação da convicção.

Em sede de audiência de discussão e julgamento, como se viu, a assistente disse não ter dúvidas sobre a identidade do autor dos danos provocados no veículo de matrícula ..-..-QX, imputando-os ao arguido e disse ainda não tenho dúvidas absolutamente nenhumas. Nunca tive. Porém, de todas as declarações prestadas pela assistente na fase de inquérito são notórias e manifestas as suas dúvidas sobre a identidade do alegado autor dos danos causados no acima referido veículo. Pelo menos a assistente declarou nessa fase não ter certezas que o autor desses factos tivesse sido o arguido: centrando a sua actuação no 2º indivíduo (o arguido), afirmou sem totais certezas reconhecer o mesmo como sendo o autor dos danos praticados, sendo certo que pese embora não se recorde do rosto do arguido, recorda-se perfeitamente da sua estrutura física que coincide com as características por si previamente referidas no início destes autos - folhas 42 e 43.

Em plena fase de audiência de julgamento, confrontada com as suas declarações de folhas 42 e 43, a assistente foi lacunosa, inconstante, insegura, inconsequente e não apresentou qualquer justificação idónea para a aludida contradição, limitando-se a dizer que não teve totais certezas porque "na altura … podia confundir um bocadinho o rosto" … o rosto dele, tinha que estar concentrada realmente se era o rosto dele.

É absolutamente inverosímil e inaceitável, do ponto de vista da lógica, da razão e das regras da normalidade, que a assistente em 16 de Novembro de 2004 - data do julgamento - volvidos cerca de 10 meses sobre a data da diligência de reconhecimento - 28.11.2004 - pudesse dizer, como disse, que não tinha dúvidas que o arguido fora o autor dos danos. Com efeito, o normal o lógico, o previsível era que a assistente na data mais próxima dos factos - data do reconhecimento - tivesse mais certezas sobre o autor dos factos e não o contrário, como sem explicação acontecera.

Sendo assim como é, não poderia o Tribunal recorrido dar credibilidade ao depoimento de uma pessoa que na data mais próxima da verificação de um facto afirma não ter totais certezas sobre o autor desse facto e passados cerca de 10 meses sobre essa afirmação e cerca de 25 meses sobre esses alegados factos diz que não tem dúvidas sobre a identidade do autor dos factos.

O Tribunal recorrido deu como provado que o arguido B....... foi o autor dos factos descritos na acusação, apesar da assistente haver reconhecido que não se recordava do rosto do autor dos factos.

No mínimo impunha-se ao Tribunal recorrido a dúvida sobre a identidade do autor dos factos da acusação, a mesma dúvida que levou a assistente a afirmar em sede de diligência de reconhecimento - folhas 42 e 43 - que não tinha totais certezas de ser o arguido B....... o autor dos factos descritos na acusação.

Julgando, como julgou, dando como provados os factos III, IV, V e VI, atribuindo ao arguido a autoria material desses factos, o Tribunal recorrido fez tábua rasa do princípio in dubio pro reo corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32º, nº 2 da CRP.

O Tribunal recorrido deu como provada a autoria do crime de dano, quando existem dúvidas inultrapassáveis sobre a identidade do seu autor.

O Tribunal recorrido acreditou cegamente no depoimento da assistente, prestado em sede de audiência de julgamento, carregado de novidade e de certezas feito, sem o ter valorado criticamente e comparado com as suas declarações prestadas em inquérito, designadamente a incerteza da assistente quanto à identidade do autor dos factos, reconhecida em sede de diligência de reconhecimento - folhas 42 e 43.

Não tendo feito aquele exame crítico das provas, maxime das declarações da assistente, o Tribunal recorrido incorreu em erro notório de apreciação da prova, violando o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do CPP, no artigo 127º do CPP e o preceituado no nº 2 do artigo 32º, 2 da CRP.

O Tribunal recorrido fez uma apreciação discricionária da prova, ao arrepio de todos os princípios e de todas as regras de apreciação da prova, assente numa convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável.

O Tribunal recorrido não fez passar as declarações da assistente pelo crivo da lógica, da objectividade, da normalidade e muito menos revelou a dúvida da assistente sobre a identidade do autor dos factos, designadamente por não se recordar do seu rosto.

Não podia o Tribunal recorrido com base exclusivamente nas declarações da assistente, para além de qualquer dúvida razoável, firmar convicção de que o arguido B....... foi o autor dos factos descritos na acusação.

O Tribunal recorrido, para dar como provados aqueles concretos factos aqui e agora impugnados, valorou os depoimentos das testemunhas ouvidas nomeadamente o agente da PSP, C….., os quais confessaram não terem assistido ou presenciado os factos, tendo obtido conhecimento daqueles pelo que lhes foi dito pela assistente. Tratando-se como se trata de depoimentos indirectos, salvo melhor opinião, não podia o Tribunal recorrido servir-se daqueles como meio de prova, sob pena de violar, como violou o disposto no artigo 129º do CPP.

Pelo exposto, a douta decisão de facto está irremediavelmente ferida de um vício de erro notório de apreciação da prova, impondo-se a sua justa revogação, ou seja, dando-se como não provados os concretos pontos III, IV, V e VI da matéria de facto provada.

Revogada a douta decisão de facto, impõe-se em consequência, a natural revogação da decisão de direito, por falta de verificação em relação ao arguido dos pressupostos da responsabilidade criminal.

O pedido de indemnização civil deveria ter sido rejeitado liminarmente por intempestividade, uma vez que foi apresentado em 18 de Maio de 2004, muito tempo depois de decorrido o prazo de 10 dias a contar da notificação ao arguido do despacho de acusação - considerada em 1 de Março de 2004, e na medida em que o pedido de apoio judiciário na modalidade de escolha de patrono não interrompe os prazos processuais em curso.

Não tendo o Tribunal recorrido julgado intempestividade do pedido...

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