Acórdão nº 0546065 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Abril de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução26 de Abril de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão elaborado no processo n.º 6.065/05 (4ª Secção de Tribunal de Relação de Porto)**Relatório A 22 de Junho de 2.005, foi elaborada decisão instrutória (despacho de não pronúncia), do seguinte teor: "O direito penal caracteriza-se, além de outros, pelo denominado princípio do mínimo ético.

Significa este princípio que este ramo do direito só deve ser accionado quando outros não resolvam os conflitos em causa.

A questão jurídica desenhada nos autos prende-se com eventuais acertos de conta, sendo que deve, a nosso ver, este conflito ser dirimido no foro cível.

Com efeito, atenta a matéria carreada para os autos, não é possível concluir, num grau de certeza razoável, pela verificação dos pressupostos do crime de burla, nomeadamente no que concerne ao elemento ‘artifício'.

Por outro lado, analisados os depoimentos prestados em inquérito, a fls. 46 e 129, conclui-se, também, que é admitido pelos próprios funcionários da queixosa que o arguido não pretendia ficar com nada que não fosse dele, sendo que quem levantou o cheque relativo ao dinheiro foi o seu filho.

Decorre, igualmente, dos autos que está pendente uma acção cível relativamente ao conflito desenhado nestes autos, tendo sido juntos documentos a ela relativos.

Ainda que nos possa causar estranheza a conduta do arguido, não se tendo assegurado devidamente sobre a proveniência do dinheiro, é certo que ele fez prova sobre o facto de ter contratos com várias seguradoras, o que abona no sentido da não verificação do elemento subjectivo do crime que lhe é imputado e da falta da intenção de apropriação. Por outro lado, não podemos esquecer que na génese deste processo está um erro informático da assistente, sendo que o arguido nada desencadeou.

De salientar, ainda, que a prova produzida no decurso da instrução vai no sentido do alegado no requerimento de instrução - cfr. fls. 228 e segs. e 244 e segs.

Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, por força deles e em julgamento, uma pena ou medida de segurança - art. 283º, n.º 2, de C. de Processo Penal.

Constituem indícios suficientes para a pronúncia aqueles elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado - neste sentido, o ac. de S. T. J., de 1 de Março de 1.961, B. M. J., n.º 65, pág. 439.

Sempre se dirá, também, que, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, aplicável, nesta fase processual, ao arguido, uma vez que os indícios não chegam, sequer, ao limiar de suficiência, não pode, aquele, ser pronunciado.

Assim, e pelas razões enunciadas, determino o oportuno arquivamento dos autos".

A assistente (Companhia de Seguros B…….., S. A. ) veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões: "1ª - Resulta dos autos ocorrerem indícios suficientes de que o arguido cometeu o crime de burla qualificada, previsto e punido pelo art. 218º de C. Penal.

  1. - Sem prescindir, se se não verificarem os pressupostos factuais do crime de burla, sempre existem indícios de que o arguido cometeu o crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ou de coisa achada, previsto no art. 209º de C. Penal.

  2. - Deve formular-se pronúncia contra o arguido pelos factos descritos na acusação, submetendo o arguido a julgamento".

** Fundamentação Como o objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, de C. de Processo Penal - v., ainda, o ac. de S. T. J., de 15 de Dezembro de 2.004, C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2.004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246 -, as questões que aí se contêm são as seguintes: a) Até ao encerramento da instrução foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos da imputação ao arguido, C……, da prática de um crime de burla qualificada ( arts. 217º, n.º 1, e 218º, n.ºs 1 e 2, al. a), de C. Penal )? b) Em caso negativo, foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos da imputação ao arguido da prática de um crime de apropriação ilegítima em caso de acessão ... ( art. 209º, n.º 1, de C. Penal )? **Eis, a propósito, o que é relevante, por assente ou provado: Ministério Público veio deduzir acusação contra C……, contendo a mesma a narração dos atinentes factos e das disposições legais aplicáveis, nos seguintes, e ajustados, termos: "Em 1 de Janeiro de 1999, a queixosa, Companhia de Seguros B……, S. A., celebrou com um seu cliente, de nome C……, residente em R. de S. Romão, ……, Maia, um contrato de seguro (plano poupança reforma), titulado pela apólice PPR 34/1049182, nos termos do qual aquele lhe entregou a quantia de € 249.398,95, obrigando-se a queixosa a, após o decurso do prazo de 5 anos, lhe devolver tal capital, acrescido dos rendimentos pecuniários pelo mesmo produzidos.

O arguido é, também, cliente da queixosa, tendo com ela celebrado contratos de seguro dos ramos de acidentes pessoais e automóvel.

A queixosa atribui a cada um dos seus clientes um número informático, tendo sido adstrito ao arguido o número 4072667 e, ao seu homónimo, o n.º 416266.

Devido a lapso, atento o facto de ambos os clientes terem o mesmo nome e ambos residirem em Maia, o sistema informático da queixosa afectou o endereço do arguido - R. Vilar de Baixo, n.º ….., ……, Maia - à apólice PPR 34/1049182, titulada pelo seu homónimo.

Em 1 de Janeiro de 2.004, e cumprindo com o clausulado no contrato respeitante a tal apólice, a queixosa deveria entregar a este seu cliente a quantia de € 297.799,03, correspondentes ao capital por aquele investido, acrescido dos rendimentos daí decorrentes.

Assim, a queixosa emitiu, com data de 15 de Dezembro de 2.003, um recibo por essa mesma quantia, identificando devidamente a apólice a que dizia respeito, assim como a sua natureza, e remeteu-o para a supra aludida morada, na convicção de que esta se apresentava correcta, a fim de tal documento ser assinado e apresentado a pagamento pelo seu legítimo beneficiário.

Ora, apesar de ter perfeito conhecimento de que não tinha subscrito a apólice identificada naquele recibo e de que a quantia nele inscrita não lhe era, obviamente, devida, não tendo qualquer direito à mesma, o arguido resolveu envidar esforços para dela se apropriar.

Com esse intento, dirigiu-se, em 2 de Janeiro de 2.004, aos serviços de tesouraria da queixosa, em Av. ……, em Porto, e, apresentando o dito recibo, como se fosse o seu verdadeiro beneficiário, manifestou a intenção de receber o montante no mesmo inscrito.

No entanto, e dado que aquela quantia não estava imediatamente disponível, foi informado de que deveria regressar mais tarde, uma vez que seria necessário solicitar à tesouraria central a emissão de cheque titulando aquele valor, ao que acedeu.

Subsequentemente, em 6 de Janeiro de 2.004, os serviços da queixosa entregaram ao arguido o cheque n.º 2934498565, sobre CGD, no montante de € 297.799,03, que aquele fez seu, depositando o referido valor numa sua conta bancária, domiciliada em BPI.

O arguido, tendo-se apercebido do lapso cometido pelos serviços da queixosa, dado saber não ser titular da dita apólice e não ter qualquer direito à quantia em questão, resolveu aproveitar-se da situação, e reforçando tal equívoco, dirigiu-se às instalações da queixosa, onde se fez passar por legítimo beneficiário daquela apólice, e, dando mostras de grande à-vontade, assinou com a sua própria assinatura e entregou o dito recibo.

Na convicção de estar a tratar com o verdadeiro titular da apólice PPR supra aludida, e só por ela, a ofendida entregou-lhe o supra referido cheque, fazendo o arguido sua a quantia de € 297.799,03, por ele titulada, e da qual ficou a ofendida desembolsada.

O arguido agiu com o propósito, conseguido, de obter uma vantagem patrimonial à qual bem sabia não ter direito, aproveitando-se do lapso cometido pelos serviços da queixosa, lapso esse que reforçou, induzindo em erro os funcionários que o atenderam na...

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