Acórdão nº 0554070 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução19 de Setembro de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto B.............. e C..............

instauraram, em 13.6.2000, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Santo Tirso - ...º Juízo Cível - acção declarativa de condenação com processo sumário, contra: D.............. e E.................

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Peticionando a condenação dos réus: - a reconhecerem-nos como proprietários de prédio que identificam; - que a favor do mesmo se encontra constituída, por usucapião, o direito à água para gastos domésticos e rega, proveniente do prédio dos réus; - que sobre este prédio se encontra constituída uma servidão legal de aqueduto; - a não impedirem o uso e fruição de tal água e a indemnizarem-nos com a quantia de 250.000$00, como compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Para o efeito, alegam que são proprietários de um prédio, o qual vem sendo abastecido, há mais de 20 anos, de água através de um tubo que, partindo desse prédio, atravessava o prédio dos réus, até atingir um poço, dentro do qual se encontra instalado um motor, água essa que sempre foi utilizada pelos autores e seus antecessores, assim adquirida por usucapião, tal como a servidão de aqueduto.

No dia 19.03.2000, os réus, sem conhecimento dos autores, procederam ao corte do cabo e fio eléctrico que ligava o motor que extraia a água do poço e que era transportada por meio de um tubo para o seu prédio, em consequência do que ficaram privados de água, o que lhes causou incómodos, tendo necessitado da ajuda de familiares e fim de obterem água para as suas necessidades mínimas.

Citados, os réus apresentaram contestação, na qual impugnam por desconhecimento a alegada aquisição do prédio pelos autores, negando a veracidade de que estes tenham adquirido a água e a servidão de aqueduto por usucapião, nos termos que invocam, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição dos pedidos.

Concluso o processo, procedeu-se à prolação de despacho saneador e de condensação da matéria de facto, que não foi objecto de reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legalmente prescrito, tendo sido dada resposta aos quesitos por despacho de fls. 88 e ss, que não foi objecto de censura.

*** A final foi proferida sentença, em 31.5.2004, decidindo-se: Julgar a presente acção totalmente procedente e: I) - Declarar os autores titulares do direito de propriedade incidente sobre o prédio urbano, composto de casa destinada a habitação, com a área coberta de 90 m2 e quintal com a área de 920 m2, sito no lugar de ........., freguesia de Roriz, descrito na C.R. Predial sob a ficha 17342 e inscrito na matriz sob o art. 183, condenando os réus a isso mesmo ver reconhecido; II) - Declarar os autores titulares do direito de propriedade incidente sobre a água que é conduzida através de um tubo que parte do seu prédio e atravessa o prédio dos réus até atingir um poço ali (no prédio dos réus) existente, dentro do qual se encontra instalado um motor, água essa extraída desse poço e utilizada para os gastos domésticos e rega no referido prédio dos autores, condenando os réus a isso mesmo ver reconhecido; III) - Declarar constituída, sobre o prédio dos réus e a favor do dos autores, uma servidão de aqueduto, consubstanciada no abastecimento de água através de um tubo que, partindo do prédio dos autores, atravessa parte do prédio dos réus até atingir um poço ali existente, dentro do qual se encontra instalado um motor, motor este que, depois de accionado electricamente, extrai a água do poço e a conduz até ao referido prédio dos autores, condenando os réus a isso mesmo verem reconhecido e a absterem-se da prática de quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização da água e aqueduto; IV) - Condenar os réus, solidariamente, a pagarem aos autores a quantia de mil, duzentos e quarenta e seis euros e noventa e nove cêntimos, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos".

*** Inconformados recorreram os RR. que, alegando, formularam as seguintes conclusões: 1 - Os autores pediram o reconhecimento que a favor do seu prédio se encontrava constituído por usucapião o direito à água para gastos domésticos e rega, proveniente do prédio dos réus.

2 - Na sentença foi declarado que os autores eram titulares do direito de propriedade incidente sobre a água.

3 - A sentença é nula, por condenação em objecto diverso do pedido.

4 - Foi violado o artigo 668º, nº1, alínea e) do Código de Processo Civil) Sem prescindir, 5 - Na douta sentença "sub judice", escreveu-se que "relativamente à água existente no poço do prédio dos réus, apurou-se que, há mais de 20 anos, sempre os autores e seus sucessores usufruíram da água referida em 2), de forma continuada, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, mormente dos réus, e com a convicção de que usavam um direito próprio." 6 - O antecessor dos autores passou a usufruir a água a partir de 7 de Agosto de 1979, com base num denominado "contrato-promessa" - [documento de fls. 21] - do seguinte teor: "O primeiro (o documento refere-se ao outorgante D............) tem um prédio de habitação, sito no lugar de .........., Roriz, no qual existe um poço de água potável em que o mesmo se compromete enquanto o segundo (refere-se ao 2º outorgante F............) necessitar a ceder-lhe toda a água para consumo e rega do segundo outorgante.

Mais declaram os outorgantes que todas as despesas inerentes com o referido poço serão pagas por ambos os outorgantes em igualdade de circunstâncias.

O segundo outorgante encontra-se a explorar um poço para exploração de água e, caso o mesmo venha a dar água que o abasteça na sua totalidade, este documento ficará sem efeito, pelo que cada um se servirá dos seus próprios poços".

7 - Este contrato é um típico contrato de fornecimento de água.

8 - Não é possível a posse de direitos que têm por base uma relação de obrigação.

9 - O antecessor dos AA. não teve, assim, qualquer posse, por falta do elemento subjectivo da posse - o "animus possidendi".

10 - Não se verificou, assim, qualquer posse por parte do antecessor dos AA.

11 - Os AA, por seu turno, só fruíram a água durante escassos três anos e alguns meses, não atingindo a manutenção pelo lapso de tempo necessário à aquisição do direito (segundo a própria sentença "sub judice" - 20 anos), mesmo que ele existisse, mesmo que houvesse posse da sua parte, o que inquestionavelmente nunca se verificou.

12 - Acresce ainda que os AA. não podem juntar à sua (inexistente) posse a posse de eventuais antepossuidores relativamente ao seu antecessor, isto é, antes de 1979, porque nesta hipótese as posses seriam descontínuas, o que tornaria impossível a junção por falta do requisito da continuidade das posses.

13 - Os autores não são titulares do direito de propriedade incidente sobre a água, pois não a adquiriram por usucapião.

14 - Não havendo direito à água não há lugar à constituição da servidão de aqueduto. Neste sentido Ac. STJ 18.06.84 in http://www.stj.pt.

15 - Não havendo direito à água os RR não podem ser condenados a abster-se da prática de quaisquer actos que impeçam ou diminuam a utilização da água e do aqueduto.

16 - Não havendo direito à água, os RR não podem ser condenados a qualquer indemnização por danos não patrimoniais.

17 - Foram violados os artigos 1287º, 1263º, 1251º, 1316º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1256º, 1296º, 1547º, 1311º, 483º, 496º todos do Código Civil.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, a douta sentença "sub judice": a) ser declarada nula, Sem prescindir, b) ser revogada e substituída por outra que absolva os réus, ora recorrentes, dos pedidos.

Assim se fazendo Justiça.

*** Os AA. contra-alegaram, pugnando pela confirmação do Julgado.

*** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta a seguinte matéria de facto: 1) - Na escritura de partilha outorgada no dia 1 de Janeiro de 1997, no 2º Cartório Notarial de Santo Tirso, foi adjudicado...

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