Acórdão nº 0631053 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2006
Magistrado Responsável | FERNANDO BAPTISTA |
Data da Resolução | 23 de Março de 2006 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO: No ..º Juízo de Competência Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão B….. e mulher C…., melhor id. a fls. 2, por si e em representação legal do seu filho menor D….., intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra E…. e mulher F….., melhor id. a fls. 2.
Pedem: A condenação dos RR a pagar: A) ao menor D……., filho dos 2 primeiros AA. e através destes, a indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de 150.000 euros; B) aos 2 primeiros AA., indemnização para ressarcimento de danos patrimoniais, no montante de 1.909,60 euros; C) a cada um dos AA., a título de indemnização, por danos não patrimoniais, o montante de 12.500 euros.
Alegam: Que os RR. violaram o seu dever de vigilância, descuidando o perigo do uso e armazenamento deficiente de explosivos usados na profissão do R. marido e a educação do seu filho nessa matéria, o que motivou a deflagração de explosivos levados pelo filho dos RR, causando danos ao filho dos autores.
Os RR. contestaram, impugnando alguns dos factos alegados pela Autora, alegando que tudo ocorreu à sua revelia, cumprindo as regras de cuidadas exigidas e que os AA. pais descuidaram a sua vigilância. Invocam ainda a existência de contrato de seguro que cobre a actividade profissional do R. marido. Concluem, pela improcedência da acção e sua consequente absolvição.
Pelos RR. foi provocada a intervenção da Companhia de Seguros Bonança, S.A., (fls. 82), o que foi deferido ao abrigo do disposto no art. 325º, do C. de Proc. Civil (fls. 93.94).
Citada, veio a G…., S.A., melhor id. a fls. 100, apresentar articulado de contestação.
Neste invoca a nulidade do contrato de seguro em causa e a falta de cobertura do risco concretizado, esclarecendo que o limite indemnizatório para danos corporais seria sempre de 25.000.000$00, depois de descontada a franquia de 10%.
Pede, a final, a sua absolvição do pedido.
Elaborou-se o despacho saneador e fixou-se a Matéria de Facto Assente e a Base Instrutória.
Teve lugar a audiência de julgamento, após a qual o tribunal respondeu à matéria de facto da base instrutória, conforme despacho de fls. 375 ss.
Por fim foi proferida sentença, decidindo-se: "Julgar parcialmente procedente a demanda e, em conformidade: Condenar os RR. E….. e F…. no pagamento solidário ao Autor D…., de indemnização no valor global de 80000€ (sendo 50000€ por danos patrimoniais e 20000€ por danos morais); Condenar os mesmos RR. no pagamento solidário aos AA. B...... e C...... de 505 € de indemnização por danos patrimoniais; Condenar ainda os mesmos RR., solidariamente, no pagamento à Autora C......, de indemnização por danos patrimoniais no valor de 1.220.37 euros.
Absolver esses RR. do restante peticionado; Julgar irresponsável pelos danos em causa a chamada G…., conforme referido em 2.2.7.".
Inconformados com o sentenciado, recorreram Autores e Réus, apresentando alegações que rematam com as seguintes CONCLUSÕES: A)- DOS AUTORES B…. E MULHER (fls. 428): I- A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 496°, dl e 483° do Código Civil.
II- Os recorrentes têm direito a indemnização por danos não patrimoniais próprios, ainda que não tenha ocorrido a morte do seu filho menor.
III- O montante indemnizatório arbitrado a favor do menor, filho dos recorrentes, é muito inferior ao necessário para ressarcir, durante a sua vida laboralmente útil, a perda de rendimento, de modo a mostrar-se esgotada no fim do período considerado.
IV- A douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e proferido acórdão que condene os RR. no pagamento: a) a favor de cada um dos recorrentes, de indemnização, por danos não patrimoniais próprios, no montante de € 12.500,00 b) a favor do menor filho dos recorrentes, de indemnização, para ressarcimento da perda de rendimento, resultante da sua incapacidade, durante a vida laboralmente útil, no montante de € 100.000,00, tudo a acrescer aos demais montantes indemnizatórios já determinados na sentença recorrida, como é de JUSTIÇA" B)- DOS RÉUS E….. E MULHER F….
: "1) Aos RR incumbia provar que empregaram todas as providencias exigidas para prevenir o acidente, o que conseguiram fazer ao provar as condições em que eram guardados os detonadores; 2) A responsabilidade dos RR só pode advir do seu dever de vigilância sobre o seu filho; 3) O menor H…. retirou os detonadores de um armário fechado à chave que se encontrava guardado dentro de um aposento fechado à chave; 4) O menor H…. entregou os detonadores ao D...... quando ambos estavam confiados aos cuidados e vigilância do ATL que ambos frequentavam; 5) Os RR desconheciam que o menor teve acesso aos detonadores os quais estavam aí guardados, porque quando utilizados não detonaram; 6) Os detonadores foram feitos explodir pelo menor D......depois de ter saído do ATL, depois de ter, regressado a casa, em lugar ermo com o recurso a fósforos ou isqueiro a que teve acesso e quando estava sobre a vigilância dos seus pais - os AA; 7) O menor D......à data do acidente tinha a mesma idade, frequentava o mesmo estabelecimento de ensino e o mesmo ATL, sendo pois exigível o mesmo grau de vigilância sobre ele, dever este que se impunha aos seus pais, os ora recorridos.
8) Se os recorridos tivessem exercido tal dever de vigilância não teria ocorrido o acidente; 9) A imputar-se culpa aos RR esta deve ser repartida, na forma de concorrência de culpas, com os AA.; 10) Em última instancia atento o circunstâncialismo apurado sempre se impunha o recurso ao principio da equidade, reduzindo deste modo substancialmente a indemnização em que os recorridos foram. condenados; 11) Ao menor D......foi fixado pelo Instituto de Medicina legal uma incapacidade parcial permanente de 25%, não abrangendo esta qualquer incapacidade profissional, mas sim uma incapacidade permanente parcial genérica e indiferenciada; 12) Porém as referidas sequelas são compatíveis com a ocupação que o menor D...... detinha à data do acidente; 13) As lesões sofridas pelo menor D......não, são uma limitação para a escolha de uma profissão futura; 14) O menor D......não está presentemente incapacitado para a prática de gestos diários e imprescindíveis, tais como os de apertar os botões da sua própria roupa ou atacadores dos sapatos; 15) A sentença recorrida classificou erradamente a incapacidade do menor atribuindo-lhe o efeito de dano patrimonial; 16) O tipo de lesões determinariam somente um dano de ordem moral, consequentemente já abrangido pela indemnização atribuída para esse fim; 17) O dano sofrido pelo menor D...... não é um dano certo, futuro e contínuo, pois não estando o menor D...... privado de qualquer actividade das que tinha antes do acidente não é de lhe atribuir a indemnização de E 50 000,00; 18) Não é devida qualquer indemnização a titulo de danos materiais, por não ser previsível esse tipo de dano: 19) Quanto aos danos morais a ser reconhecida a responsabilidade aos RR não deve esta ultrapassar e 15 000,00 por aplicação de um juízo de equidade; 20) A responsabilidade que advier para os AA deve considerar-se transferida para a seguradora; 21) Foi no âmbito da vida privada aos AA como pais, que ocorreram os factos que podem determinar a responsabilidade dos AA; 22) Para efeitos de apurar o direito contratual dos AA à transferência de risco para a seguradora não pode recorrer-se a fundamentação diversa daquela que sustenta a responsabilidade perante os AA.; 23) A apólice de seguro cobre a responsabilidade dos RR por não ter ocorrido qualquer causa de exclusão de aplicação da mesma; 24) A douta sentença violou as disposições dos art°s 490, 491, 494, 497, 500 e 570 do C.C.; 25) Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os RR; Se assim não se entender, deve ser considerada a concorrência de culpas e a indemnização a fixar basear-se em juízo de equidade, não sendo de considerar a verificação de danos materiais; mais se deve julgar transferida para a seguradora a responsabilidade a atribuir aos RR".
CONTRA-ALEGARAM: - Os Réus, respondendo às alegações dos Autores, pugnando pela improcedência do recurso destes (fls. 460 ss); - Os Autores, respondendo às alegações dos Réus (fls. 469 ss); - A Ré G…., SA, respondendo às alegações dos Réus, sustentando a manutenção da decisão recorrida no que toca à responsabilidade da ora respondente ( fls. 484 ss).
Foram colhidos os vistos.
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FUNDAMENTAÇÃO II. 1. AS QUESTÕES: Tendo presente que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a resolver são as seguintes: APELAÇÃO DOS AUTORES B…. E MULHER: Se há lugar à indemnização por danos não patrimoniais próprios dos apelantes, mesmo não tendo ocorrido a morte do seu filho; Montante indemnizatório a arbitrar a favor do filho menor dos ora apelantes, correspondente aos danos futuros relacionados com a I.P.P. de que sofre.
APELAÇÃO DOS RÉUS E…. E MULHER: Se, a existir culpa dos RR/apelantes, deve a mesma ser repartida na forma de concorrência de culpas com os Autores ou, então, se, face aos factos provados, sempre se impunha, recorrendo à equidade, que a indemnização a pagar pelos RR fosse "substancialmente" reduzida.
Se as lesões sofridas pelo menor D......"não são uma limitação para a escolha de uma profissão futura" e, por isso, se de tais lesões não resulta um dano patrimonial mas apenas moral, logo já abrangido pela indemnização atribuída para esse fim e se sempre não haveria lugar a qualquer indemnização a título de danos materiais pelo facto de o dano sofrido pelo menor D...... ser imprevisível.
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