Acórdão nº 715/06.0TBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Outubro de 2010

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução19 de Outubro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães "A" intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra "B" Seguros, SA., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 54.873,11, acrescida de juros, correspondente ao valor dos objectos furtados do interior do seu estabelecimento de reparação de veículos e objecto de um contrato de seguro “Riscos industriais” celebrado com a R.

Contestou a R., defendendo a exclusão da cobertura do seguro dos danos sofridos pelo A.

O A. replicou, pugnando pela inclusão dos danos na cobertura do seguro.

Proferido despacho saneador, foram elaborados os factos assentes e a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante de fls. 202 a 205.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 54.873,11 (cinquenta e quatro mil oitocentos e setenta e três euros e onze cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, ficando as custas a cargo da Ré.

Não se conformando com esta decisão, dela apelou a ré, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1.ª – Ora, não pode negar-se que a circunstância de um estabelecimento comercial/industrial (tal como também uma casa de habitação) não ter grades em todas as janelas – mesmo naquelas situadas a 4 metros de altura do solo, na certeza de que, mesmo tratando-se de janelas de ventilação/arejamento, tinham de altura cerca de 80 centímetros e de largura cerca de 1,80 metros umas e cerca de 3 metros outras – facilita e potencia a ocorrência de furtos por, então, se tornar um alvo de mais fácil acesso, constituindo, por conseguinte, uma causa de agravamento do risco segurado. Nessa medida, assume influência decisiva nas condições contratadas.

  1. – Encontra-se provado que “Se a R. tivesse tido conhecimento de que as janelas situadas a cerca de 4 metros de altura do solo (janelas de ventilação/arejamento) não tinham grades, poderia não ter celebrado o contrato dos autos ou, se o celebrasse, poderia tê-lo feito em condições mais gravosas para o A. – nomeadamente ao nível do valor do respectivo prémio” (Facto 13/1ª parte).

    3.º - Acontece que na proposta de seguro, na parte relativa a “Sistemas de Prevenção/Protecção contra Roubo”, o A. assinalou com um “x” nas quadrículas “Fechaduras especiais”, “Portas de segurança” e “Grades (janelas e acessos)” (5 e 10); 4.ª – O A prestou falsas declarações que influíram na decisão de contratar, pelo que entendemos que ao caso cabe o vício da nulidade.

  2. - Tal tese da nulidade assenta em primeiro lugar na natureza formal do contrato de seguro Vide as Condições Gerais da apólice do seguro contratado entre as partes (cf. fl.21/art.10º-1,), aí se estipulando a cominação de tais declarações com a nulidade; 6.ª - Mas também tal entendimento tem sustento na interpretação literal do art. 429º do CComercial, conjugado com a previsão e estatuição do art. 436º, CCom, o que evidencia, sob pena de sua desnecessidade, ter-lhe a lei querido conferir um tratamento diferente e mais gravoso do que fora assente para o erro.

  3. - Preceitua o artigo 429.º do Código Comercial que toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou quem fez o seguro, que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam-no nulo.

  4. - O legislador classifica o vício em causa como nulidade. Daqui resulta que para se classificar a nulidade do contrato de seguro é necessário que a declaração inexacta se traduza na omissão de factos que servem de base para a exacta apreciação do risco e que, sendo do conhecimento da seguradora, levaria a que esta não contratasse ou contratasse em condições diferentes, atento o agravamento do risco.

  5. - Entendemos que o vício aqui em causa é a nulidade, uma vez que a teleologia das normas impõe a solução da nulidade e a sua interpretação não pode eliminar o texto das mesmas.

  6. - E a nulidade é invocável a todo o tempo – Art.º 286.º do Código Civil, pelo que é tempestiva a sua invocação.

  7. – Tem-se igualmente defendido que se trata duma imperfeição terminológica e que o vício é a anulabilidade.

  8. - Acresce que, face ao disposto no art.º 287º, n.º 2, do Cód. Civil, enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção, como por via de excepção. Ora, não estando o negócio ainda cumprido por não ter sido paga a indemnização pedida pelo autor, a invocação da anulabilidade podia ser feita na contestação, como foi, por via de excepção, mesmo que porventura o tenha sido depois do decurso do prazo de um ano previsto no n.º 1 do mesmo artigo. Neste sentido, vide Ac. do STJ de 24 de Abril de 2007 – Relator Silva Salazar, disponível em www.dgsi.pt.

  9. - Ora, a invocação do referido vício seria, também sob este ponto de vista, atempada.

  10. – Aqui o que importa sancionar é a conduta do declarante que prestou falsas declarações.

  11. – E não vemos como a estipulação contratual de nulidade para as falsas declaração podem ofender a disciplina do DL 446/85 de 25 Out.

    16.º - Essa cláusula foi acordadas em pleno e puro domínio negocial, (ainda que dentro dos limites da lei), em cujo âmbito assume plena preponderância o princípio da liberdade contratual plasmado no nº 1 do artº 405° do C. Civil.

  12. - Ao não as interpretar da forma acima assinalada, o Tribunal a quo violou, entre outras disposições legais, os artigos 428º e 429.º do Código Comercial; os artigos 287.º, 288.º e 291 e 405.º, n.º 1, todos do Código Civil”.

    A final, pede seja revogada a sentença recorrida.

    O autor contra-alegou, sustentando, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 684º-A do C. P. Civil, que, contrariamente ao decidido, não prestou quaisquer declarações falsas ou inexactas. Em tudo o mais pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Os factos dados como provados na 1ª instância ( colocando-se entre parênteses as correspondentes alíneas dos factos assentes e os números dos artigos da base instrutória) são os seguintes: 1. O A. dedica-se à reparação de veículos automóveis. Para o efeito tem um estabelecimento de reparação de veículos, sito na Zona Industrial de São Pedro da Torre, em Valença (A); 2. No ano de 2001, a fim de se prevenir de eventuais furtos que pudessem verificar-se na oficina, o A. celebrou com a R. um contrato de seguro denominado por esta de “Riscos Industriais”, que deu origem à apólice nº 0..., e cujas respectivas cláusulas e condições se encontram juntas de fls. 14 a 35 (B); 3. Em 13 de Outubro de 2003, a oficina/estabelecimento do A. foi assaltada. Durante a noite alguém se introduziu na mesma e levou consigo vários objectos móveis, relacionados com a actividade da oficina, concretamente: - Um jogo de chaves de cachimbo no valor de € 220,98 euros; - Dois jogos de chaves umbreke mais chaves soltas no valor de € 148,65 euros; - Um jogo de chaves tubulares no valor de € 66,26 euros; - Seis chaves tubulares diversas no valor de € 278,60 euros; - Um jogo de chaves Torix 7504731 no valor de € 256,31 euros; - Uma máquina de rebitar porcas TR 100CH no valor de € 132,98 euros; - Dois jogos de ponteiras 249GJS no valor de € 83,46 euros; - Um conjunto de fresas e machos 30/860 no valor de € 731,65 euros; - Dois módulos de chaves de mudança de óleos 046-1PB no valor de € 261,50 euros; - Dois jogos de chaves de velas BJPB no valor de € 365,92 euros; - Dois jogos de chaves longas SHPPB no valor de € 311,62 euros; - Dois jogos de chaves longas de cardan cabo T 99BJE/2 no valor de € 691,60 euros; - Um kit EP40 mais garrafas 23300915 CI ACE- B, consistente em garrafas de solda no valor de € 754,00 euros; - Uma máquina Nikerne H16 80/16, agrafador a ar no valor de € 105,00 euros; - Uma máquina contador de impulsos HTC no valor de € 486,33 euros; - Uma prensa portátil, tacógrafo no valor de € 426,65 euros; -Um guincho eléctrico XD 9000 ID no valor de € 859,45 euros; - Duas tomadas de guincho Wan comum no valor de € 41,50 euros; - Um motor de guincho 24V. 25 HP no valor de € 316,07 euros; - Uma caixa de bobines 24V. no valor de € 141,72 euros; - Um conjunto de travões de guincho M/2000 no valor de € 142,90 euros; - Um carregador de baterias 6/12/24V F925 no valor de € 365,97 euros; - Um computador Pentium II 333 no valor de € 853,02 euros; - Um telefax OK 330 FX no valor de € 284,31 euros; - Uma impressora Epson 2170 LQ no valor de € 698,07 euros; - Uma impressora Epson...

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