Acórdão nº 4590/06.6TBMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Julho de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução08 de Julho de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.

Área Temática: .

Sumário: I – A doação modal ou com cláusula modal caracteriza-se por ser aquela em que o donatário fica adstrito ao cumprimento de uma ou mais prestações no interesse do doador ou de terceiro, ou, mesmo, no seu próprio interesse.

II – A obrigação ou o dever contraído pelo donatário não representa uma contraprestação, e muito menos o correspectivo ou equivalente, da atribuição patrimonial que lhe é feita – mas um simples ónus, restrição ou limitação dela.

III – Só existe doação com encargos quando, apesar da realização do encargo, o donatário ainda recebe um benefício que represente um valor superior àquele que se obrigou a despender em consequência dos encargos.

IV – Em caso de incumprimento do encargo pelo donatário, quer o doador, quer os seus herdeiros poderão resolver a doação, só tendo lugar, porém, a resolução, nos termos do art. 966º do CC, se esse direito tiver sido conferido pelo contrato.

V – Face ao relevante conceito jurídico de “ingratidão” – muitíssimo mais restrito que o empregue na linguagem comum – apenas se admite a revogação por ingratidão se se verificar, relativamente ao donatário, uma situação que, caso se verificasse em relação a um herdeiro, pudesse ser qualificada como justificativa de indignidade (art. 2034º) ou de deserdação (art. 2166º, ambos do CC).

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. nº 4590/06.6TBMAI – .º Juízo Cível da Maia Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1197) Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B………. e mulher C………. intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra D………. e mulher E………..

Pediram que: - Seja anulada a escritura de doação identificada no art. 41º da Petição Inicial, por erro na declaração destes; - Seja anulada a mesma escritura de doação, por erro da sua parte quanto ao objecto de tal negócio; - Seja anulada a mesma escritura de doação, por erro-vício da sua parte sobre a pessoa dos Réus; - Seja revogada a mesma doação por ingratidão dos Réus.

- E que, em consequência, se declare ineficaz a invocada escritura de doação e se ordene a restituição a si da propriedade plena de todos os bens doados, móveis e imóveis.

Como fundamento, alegaram que: Sendo proprietários de vários prédios, pensaram que poderiam fazer um acordo com alguém, dando a essa pessoa os seus bens recebendo em troca tudo aquilo de que necessitavam: companhia, cuidados na saúde e na doença, carinho, serviços domésticos, assistência e o cultivo das terras.

De entre os familiares, surgiu como candidato ideal o Réu, sobrinho da Autora-mulher. Até por que estavam convencidos de que, doada a sua casa ao Réu, este, como não tinha casa própria, iria habitar consigo, proporcionando-lhes a companhia e assistência por que ansiavam.

Foram, então, falar com os RR. que, sabedores e plenamente cientes dos motivos que levaram os AA. a fazer-lhes a proposta de doação e o que para estes era essencial na doação proposta e no que esperavam receber dos RR., aceitaram-na.

Celerada a escritura de doação, os RR. instalaram-se, com os seus dois filhos, na sua casa e passaram a viver, todos, como se de pais, filhos e netos se tratasse.

Passados quatro anos da doação, os RR deixaram de tomar as refeições consigo, deixando-os sem companhia, abandonando-os. Deixaram de cultivar as terras e ainda de lhes prestar qualquer cuidado ou atenção.

Perante tais atitudes, exigiram que os RR. lhes entregassem as terras e as alfaias agrícolas, pois o produto do cultivo, apesar, do usufruto reservado, estava a ser aproveitado apenas pelos RR., mas estes, sem qualquer explicação ou conversa, retiraram todas as suas coisas, carregaram os seus bens e animais, entregaram as chaves e deixaram a sua casa, em fins de Outubro de 1998.

Como os RR. se recusaram a prestar-lhes os serviços domésticos a que se obrigaram, então, em 04.12.98, contrataram uma empregada para os serviços domésticos e tiveram de intentar uma acção contra os RR. para obter o reembolso de tais despesas e, depois, de executar a respectiva sentença - tendo ocorrido o primeiro pagamento apenas no ano de 2005.

Em face das recusas em cumprir, tomaram conhecimento e certificaram-se, agora, que se enganaram quando outorgaram a doação, que se enganaram quando acordaram com os RR., que se enganaram a respeito das pessoas dos RR. e que foram enganados.

Se tivessem suposto sequer que seria possível que os RR. não cumprissem as obrigações acordadas, jamais lhes haviam doado a sua casa, com todos os seus pertences e mais 17 prédios rústicos. Se tivessem ponderado sequer a possibilidade de os RR. não terem as qualidades humanas necessárias para prestar aos AA. respeito, carinho, assistência e cuidados, jamais aqueles teriam outorgado aos RR. tal doação.

Os RR. reconheceram, ao aceitarem as doação nestes termos, que para os AA. era essencial que estes fossem pessoas com qualidades humanas para dispensaram aos seus tios de idade avançada “o maior carinho e respeito”.

Encontravam-se em erro quanto à pessoa dos Réus quando decidiram outorgar a escritura de doação a favor destes, uma vez que estavam convencidos de que os RR. tinham as características e as qualidades humanas necessárias para o cabal cumprimento dos encargos acordados.

Foram vítimas de erro aquando da outorga da doação em crise, quanto ao objecto do negócio celebrado com os RR. Todos sabiam que a doação era feita na condição de ser resolvida caso não fossem cumpridas as obrigações.

Os AA. ficaram atónitos ao verificar que da escritura não ficou a constar qualquer condição ou cláusula resolutiva. Perante a omissão da acordada condição resolutiva na escritura, houve erro na sua declaração expressa na mesma escritura.

Entendem ter direito a requerer a anulação da invocada escritura de doação em virtude de ter ocorrido erro na declaração dos AA., bem como erro quanto ao objecto negocial e erro vício quanto à pessoa dos RR., nos termos do permitido nos artigos 247º e 251º do Código Civil.

Supletivamente, dizem que os RR., porque e enquanto donatários, estão obrigados a prestar-lhes alimentos - cf. nº 2 do artigo 2011º Código Civil. A recusa dos RR. no cumprimento dos cuidados e serviços assumidos na doação, comprovada na suas cartas e constatada de facto, integra o comportamento previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 2166º do Código Civil e preenche o requisito exigido pelo artigo 974º do Código Civil, para se operar a revogação da doação.

Os Réus contestaram, aceitando a outorga da escritura de 09.11.1994 (rectificada em 1997) e impugnando a generalidade dos factos da p.i..

Alegaram que: Aceitaram a doação, com todos os seus encargos, no pressuposto de que a obrigação assumida na respectiva Cláusula 4ª seria cumprida por eles ou por quem os doadores quisessem.

Da interpretação da letra da doação infere-se que o que os doadores quiseram foi doar os bens com reserva de usufruto e imposição aos donatários dos custos dos serviços que estes ficaram obrigados a pagar-lhes, se não prestassem esses serviços exigidos, como eles quisessem, ainda em piores condições ou vantagens.

Desde a instauração da acção judicial acima aludida por parte dos Autores, nunca mais deixaram de pagar as prestações do vencimento da empregada doméstica dos Autores, e respectivos descontos da previdência social.

A Cláusula 6ª da doação é incompatível com a reserva do direito de revogar a doação e demonstrativa de que este direito não foi querido.

Os RR. quiseram efectivamente tratar os doadores como acordaram na doação, tendo feito tudo ao seu alcance para cumprirem o acordado.

Os Autores, sem qualquer fundamento, puseram-nos fora de casa, concedendo-lhes, provisoriamente, uma garagem que eles haviam construído para nela habitarem com os filhos. E, depois, obrigando-os a arranjar outra habitação, o que fizeram em Outubro de 1998.

Continuaram nas lides dos campos, mas foram forçados a abandoná-las por meio de ameaça de os matar de caçadeira.

Os Autores, depois de os expulsarem de casa, nunca mais quiseram que eles voltassem para donde haviam saído, criando condições para contratarem a empregada doméstica porque não queriam os serviços dos Réus.

Nunca tiveram conhecimento de os Autores terem sido hospitalizados ou estarem doentes e, de qualquer forma, estes não lhes abriam a porta.

Os Autores não estão necessitados de alimentos, já que fizeram mais de € 60.000,00 em pinheiros, têm o usufruto de todos os bens, recebem o subsídio do milho e têm rendimentos de capitais.

Em reconvenção alegaram que: Logo que foram viver em comum com os Autores, nos princípios de 1995, construíram uma vacaria e um silo (despendendo em materiais € 65.000,00), construíram uma garagem na eira (despendendo em materiais € 3.750,00), edificaram um alpendre (despendendo em materiais € 2.500,00), drenaram as águas do F………. (no que gastaram € 10.000,00), encanaram água do G………. para o H………. (gastando € 1.250,00), fizeram um furo artesiano na I………. (cuja empreitada lhes custou € 10.000,00) e instalaram um alambique de aguardente (no valor de € 2.500,00).

Despenderam com a empregada doméstica, em benefício dos Autores, a quantia de € 74.511,00.

Concluíram pedindo que a presente acção seja julgada improcedente, e, para o caso de esta proceder, a procedência da reconvenção.

Os Autores vieram apresentar réplica, em que mantêm a tese por si exposta na petição inicial e impugnam a matéria de excepção e de reconvenção trazida pelos Réus.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, decidindo-se: - revoga-se a doação dos autos (com o teor da escritura de fls. 52 e ss. com a rectificação operada pela escritura de fls. 123 e ss.), por ingratidão, ordenando a consequente restituição aos Autores da propriedade plena de todos os bens doados, móveis e imóveis.

Igualmente nos termos expostos, julga-se a reconvenção parcialmente...

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