Acórdão nº 263/07.0TAOLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Maio de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução18 de Maio de 2010
EmissorTribunal da Relação de Évora

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO Sumário: 1 – Tem interesse em agir, e sequente legitimidade para recorrer da sentença, a assistente, ofendida em crime de violação da obrigação de alimentos, previsto no artigo 250.º n.º 1 do Código Penal, que manifesta divergência relativamente à pena de multa aplicada em 1.ª instância, propugnando por que o Tribunal de recurso aplique ao arguido uma pena de suspensão da execução da pena de prisão, com a suspensão condicionada ao pagamento das prestações alimentares em dívida.

2 – O «cariz do crime» não é critério para determinar a espécie da pena, menos ainda quando o próprio tipo, em alternativa, concebe a punição com pena de prisão e multa, como é o caso.

3 – Não pode erigir-se em critério de escolha da espécie da pena a eventual pressão que se pretende ver exercida sobre o condenado com vista a uma «maior garantia» do cumprimento de uma obrigação, no caso de alimentos, anteriormente fixada por um Tribunal.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. No âmbito do Proc. n.º 263/07.0TAOLH do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Olhão, o Ministério Público, no que foi acompanhado pela assistente AS, acusou, para julgamento em processo comum, com a intervenção do tribunal singular, AFS, imputando-lhe a prática, como autor material, de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1 do Código Penal [cf. fls. 82 a 84 e 92].

  1. Requerida, pelo arguido, a instrução, finda a mesma veio a ser pronunciado pela prática, em autoria material, do sobredito crime [cf. fls. 229 a 249].

  2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando o arguido pela prática como autor material de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. pelo artigo 250.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros), num total de € 1350,00 (mil trezentos e cinquenta euros).

  3. Inconformada recorreu a assistente, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Por decisão Judicial datada de 12 de Dezembro de 2005, proferida no âmbito dos autos de Regulação do Poder Paternal que, sob o n.º 787/05.4TMFAR, corre termos no 1.º Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Faro, o arguido encontra-se obrigado a contribuir com a quantia mensal de Euros: 350 (trezentos e cinquenta euros), a título de alimentos, para com a sua única Filha, AS, actualmente com 6 anos de idade; 2. Não obstante dispor da capacidade financeira para cumprir aquela sua obrigação, o arguido recusa-se terminantemente a cumprir a mesma, encontrando-se por liquidar, na presente data, a quantia de Euros: 13.350 (treze mil, trezentos e cinquenta euros).

  4. Em face do exíguo vencimento que aufere, a assistente é forçada a recorrer à ajuda material e monetária dos seus Pais, de molde a fazer face às necessidades básicas (v.g. saúde, alimentação, vestuário, educação) para com a sua filha menor.

  5. É patente que a conduta do arguido, ao violar reiteradamente a sua obrigação alimentar à sua citada e única filha e para a qual tinha condições para fazer face, criando um perigo concreto no que respeita à satisfação das necessidades básicas essenciais da menor Ana Sofia, integra a factualidade típica do crime previsto no artigo 250.º, n.º 1, do Código Penal, como Doutamente foi exarado na sentença recorrida.

  6. Com a devida vénia, a assistente não se conforma com o facto da sentença não reflectir a necessidade de proteger ou acautelar a reparação dos danos causados pela conduta ilícita do arguido, ou seja, o pagamento do valor dos alimentos respeitantes a quase 4 anos em falta, como pugnou nas suas alegações finais perante o tribunal recorrido, limitando-se a aplicar ao mesmo uma pena de multa de 150 (cento e cinquenta dias), à taxa diária de Euros: 9 (nove euros), perfazendo o total de Euros: 1350 (mil, trezentos e cinquenta euros), além das respectivas custas criminais.

  7. O arguido recusa-se terminantemente a proceder ao pagamento das prestações alimentares a que se encontra judicialmente obrigado, importando trazer à colação que, já depois daquela decisão de 12 de Dezembro de 2005, que fixou equitativamente o valor da prestação mensal alimentar, o arguido requereu junto do Tribunal de Família e de Menores de Faro, a alteração do valor dessa mesma prestação alimentar, pedido esse que foi indeferido por despacho datado de 18 de Dezembro de 2007, devidamente transitado em julgado e, depois disso, manteve a sua posição de total recusa de proceder ao pagamento daquela prestação alimentar de Euros: 350 (trezentos e cinquenta euros), não obstante auferir um vencimento líquido mensal de Euros: 3.715,76 (três mil, setecentos e quinze euros e setenta e seis cêntimos) Cfr: factos dados como provados sob o n.º 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 31.

  8. Esta continua e reiterada violação do Dever de Solidariedade Familiar, por parte do arguido, não pode deixar de significar a imperiosa protecção dos interesses da titular do direito a alimentos, face ao perigo de não satisfação das atinentes necessidades fundamentais, o que equivale a dizer, que qualquer decisão nesta matéria, não pode deixar de considerar as reais e concretas necessidades da menor Ana Sofia, nomeadamente, através da cominação para pagamento dos valores alimentares em divida.

  9. Sob pena de remeter para as “Calendas Gregas” – passe a expressão -, a satisfação dessas mesmas necessidades, a carecer de urgente tutela, como é claro e evidente, a decisão recorrida não poderia ter deixado de sopesar, no momento da determinação do tipo e da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, a reparação do mal por si causado, ou seja, o pagamento do avultado valor dos alimentos em dívida para com a sua filha menor, 9. Em termos de determinar ao arguido uma pena de prisão, próxima do limite mínimo da respectiva moldura penal, que se aponta para 6 meses, suspensa por um certo período de tempo, que se reputa justo ser de 18 meses, na condição do mesmo proceder ao pagamento das prestações alimentares em dívida.

  10. Por outro lado, a mera aplicação de uma pena de multa, a título principal, ao arguido é susceptível de desencadear, em ultimo termo, o efeito contrário à finalidade primacial que move a assistente nos presentes autos, isto é, o pagamento das prestações alimentares a que o arguido se encontra obrigado, 11. porquanto, numa leitura sinépica, a aplicação da aludida pena de multa, a reverter na totalidade para os cofres do Estado, conflitua com a necessidade obrigação de o arguido dispor da totalidade do seu rendimento/património, a fim de pagar o valor total das prestações alimentares vencidas e vincendas, cumprindo aquela sua obrigação elementar para com a sua citada filha menor.

  11. Por último, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão de 6 meses, cuja execução fica suspensa por um período de 18 meses, na condição do mesmo proceder ao pagamento das prestações alimentares em divida, como se pede e se espera, mostra-se consentâneo com o cariz do crime praticado, com elevada ilicitude do comportamento do arguido e com o dolo intenso com que actuou em todo este longo período de tempo.

    Uma vez que a sentença recorrida não tomou nada disso em consideração, violou o disposto nos artigos 14º, nº 1, 50º, nº 1 e nº 2, 51º, nº 1, alínea a) e 250º, do Código Penal.

    Daí que deva ser substituída por outra que aplique ao arguido uma pena de prisão por período de 6 meses, suspensa na sua execução por um período de 18 meses, na condição de o arguido pagar à assistente o valor dos alimentos em dívida e aqueles que no futuro se vierem a vencer, devendo fazer a devida prova nos presentes autos, com as devidas e legais consequências.

  12. Na 1.ª instância, apenas, o Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo: 1. São elementos constitutivos do tipo objectivo e subjectivo do crime de violação da obrigação de alimentos, p. e p. no artigo 250º, n.º 1 do Código Penal que: - Que o agente esteja legalmente obrigado a prestar alimentos; - Que o agente tenha capacidade para cumprir tal obrigação e não a cumpra; - Que este incumprimento ponha em perigo, sem auxílio de terceiro, as necessidades fundamentais do alimentando; - O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal (Damião da Cunha, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, 621); 2. O artigo 40º do Código Penal indica as finalidades das penas, consagrando o princípio da congruência entre a ordem axiológica – constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Só as finalidades de prevenção geral e especial, nãos as finalidades absolutas de retribuição e expiação podem justificar intervenção do sistema penal e conferir fundamento às suas reacções específicas.

  13. Dispõe o artigo 70º do Código Penal que se a pena for combinada no tipo legal, em alternativa com prisão ou multa, o tribunal dá preferência à não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nesta operação apenas se deve tomar em consideração as exigências de prevenção, maxime de prevenção especial.

  14. Por sua vez, rege o artigo 71º do mesmo diploma legal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

  15. Neste percurso há que ter em conta que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (cfr. artigo 40º, nº 2 do mesmo Código).

  16. No caso vertente, o Tribunal a quo considerou que “as exigências de prevenção geral revelam-se altas, tendo em conta o alarme social que o não cumprimento da obrigação de alimentos impõe, devendo a respectiva reacção penal pender para uma certa severidade com vista a...

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