Acórdão nº 1710/09.2TBVCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução26 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: CONFIRMADA.

Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 414 FLS. 232.

Área Temática: .

Sumário: A cláusula de reserva de propriedade a favor da entidade financiadora é nula.

Reclamações: Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 1710/09.2 TBVCD.P1 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto:IB……………, SA, intentou a presente acção, sujeita à forma do processo declarativo comum sumário, contra C…………….., LDA., pedindo se declare judicialmente a resolução do contrato de crédito que celebraram destinado à aquisição do veículo com a matricula ..-BE-.. e, consequentemente, se condene a Ré a restituir à Autora o referido veículo automóvel, e se reconheça o direito ao cancelamento do registo de reserva de propriedade averbado.

Alegou para o efeito que celebrou com a Ré um contrato de crédito que teve por objecto o financiamento de € 20. 999,99, que se destinou à aquisição por parte desta da viatura automóvel de marca Volkswagen, modelo Sharan Diesel, com a matricula ..-BE-.., tendo ficado registada a reserva de propriedade a seu favor, tendo a Ré, entretanto, deixado de pagar as 21.ª s prestações e seguintes.

Citada pessoal e regularmente, a Ré não contestou.

Atenta a não contestação por parte da Ré, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 484.º, n.º 1, ex vi art. 463.º, n.º 1, do C.P.C. e considerando a prova documental junta aos autos e não impugnada, o tribunal a quo proferiu decisão seleccionando os factos assentes.

Mais proferiu decisão julgando a acção improcedente (expressão em falta no texto, mas que está implícita) e absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com tal decisão, dela veio a Autora recorrer concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: a) O Meritíssimo Juiz a quo julgou a presente acção declarativa improcedente, porquanto entende não haver lugar à constituição da reserva de propriedade, em face da celebração de contratos de financiamento, uma vez que tal garantia jurídica poderá apenas ser acordada quando estamos perante a celebração de contratos de compra e venda; b) O M. Juiz a quo deu como provado, os factos já transcritos supra, nos pontos 1º a 10º, que se dão por integralmente reproduzidos.

c) Acontece que para o Meritíssimo Juiz a quo não basta que se verifique a existência de reserva de propriedade inscrita a favor da A., nem que se verifique o incumprimento das obrigações que originaram a mesma, é necessário, também, que a referida reserva de propriedade seja garantia do cumprimento de um contrato de compra e venda resolvido, e não de qualquer outro; d) Ora, salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento que, em nossa opinião, não faz a correcta interpretação da Lei; e) A reserva de propriedade, tradicionalmente uma garantia dos contratos de compra e venda, tem vindo, face à evolução verificada nas modalidades de contratação, a ser constituída como garantia dos contratos de mútuo, sobretudo, daqueles cuja finalidade e objecto é financiar um determinado bem, ou seja, quando existe uma interdependência entre o contrato de mútuo e o contrato de compra e venda; f) Nestas situações, tem-se verificado uma sub-rogação do mutuante na posição jurídica do vendedor, isto é, o mutuante ao permitir que o comprador pague o preço ao vendedor, sub-roga-se no risco que este correria caso tivesse celebrado um contrato de compra e venda a prestações, bem como, nas garantias de que este poderia dispor, no caso, a reserva de propriedade; g) Este entendimento encontra pleno acolhimento no artigo 591º do Código Civil, bem como, no principio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405º do Código Civil, uma vez que, não se vislumbram quaisquer objecções de natureza jurídica, moral ou de ordem pública relativamente ao facto de a reserva de propriedade ser constituída a favor do mutuante e não do vendedor; h) Ora, a própria lei que regula o crédito ao consumo o admite no n.º 3 do seu artigo 6º quando refere que “o contrato de crédito que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações deve indicar ainda:(.) f) O acordo sobre a reserva de propriedade”.

i) Entendimento este, que também tem sido sufragado em diversos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, entre os quais destacamos o acórdão de 27-06-2002, consultado na base de dados do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt, cujo n.º de documento é RL200206270053286, o acórdão de 13-05-2003 consultado na mesma base de dados de que não se encontra disponível o n.º de documento e que teve como relator o Meritíssimo Juiz Desembargador Rosa Maria Coelho, e o acórdão datado de 26/01/2006; j) Por outro lado, o direito que a Recorrente tem de reaver a viatura decorre da propriedade que tem sobre ela, bem como, face à resolução contratual verificada e dada como provada pelo M. Juiz a quo, tem direito ao cancelamento do registo averbado a favor da Recorrida, na Conservatória de Registo Automóvel, k) A propriedade da Recorrente será condicionada, é certo, mas ao não se verificar a condição que implicaria a transmissão da mesma para a Mutuária, então a propriedade permanece na sua esfera jurídica; l) Posto isto, e encontrando-se inscrita a favor da Recorrente reserva de propriedade sobre a viatura que se requereu a restituição, bem como, estando provado que a mutuária não cumpriu as obrigações que originaram a constituição da reserva de propriedade, conforme resultou da matéria provada, pelo que, e em conformidade, assiste à A. o direito de reivindicar o veículo que adquiriu, ao abrigo do disposto no art. 1311º do Código Civil.

m) Ou seja, enquanto a reserva a favor da Recorrente se mantiver, a R. é apenas mera detentora do veículo automóvel financiado, pelo que fica necessariamente sujeito a que, se não pagar o preço acordado, a reservatária possa exigir a sua restituição! n) Acresce que, tendo em consideração a tese já defendida de interpretação actualista da Lei, necessário será apelar também à interpretação actualista do n.º 1 do art. 18º do DL n.º 54/75, de 12/12, devendo este normativo, englobar, também, as situações de contrato de mútuo conexo com o contrato de compra e venda.

o) O mesmo entendimento encontra-se presente em diversa jurisprudência, já indicada a título exemplificativo supra, p) Certo é que, aquando da celebração de um contrato de mútuo com vista ao financiamento do contrato de compra e venda de veículo automóvel, quem, efectivamente, corre o risco relativamente ao incumprimento não é o vendedor mas antes o mutuante!!! q) Assim, e tal como resulta do acórdão datado de 05/05/2005, melhor identificado supra, “aceitar-se a formal e redutora interpretação de que só o incumprimento e consequente resolução do contrato de alienação conduz à apreensão e entrega do veículo alienado, a cláusula da reserva de propriedade deixaria de ter qualquer efeito prático, sempre que a aquisição do veículo fosse feita através do financiamento de terceiro – o que, como se disse, é hoje a regra face à evolução verificada nessa forma de aquisição”.

r) A reserva de propriedade acordada funciona como condição suspensiva do efeito translativo do direito de propriedade sobre a viatura em causa, tal como resulta claramente do disposto no art. 409º do...

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