Acórdão nº 4307/06.5TDPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução21 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 633 FLS. 115.

Área Temática: .

Sumário: Se no que concerne à condenação, em julgamento, é exigível a prova – vale dizer, a convicção plena e não simples admissão de maior probabilidade, a certeza dos factos que se concilia com a reserva da verdade contrária – já ao nível da acusação, quanto da pronúncia, é bastante a indiciação suficiente, ou dizer, a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança.

Reclamações: Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 4307/06.5tdprt-A.P1 RELATOR: MELO LIMA Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. “B………….., LDA” apresentou queixa contra C…………, D…………… E E………….., imputando-lhes factos constitutivos da prática, em concurso real de um crime de burla qualificada e de um crime de falsificação de documento.

  1. No final do inquérito instaurado, o MP proferiu despacho de arquivamento.

  2. A queixosa constituiu-se assistente e requereu a abertura de instrução.

  3. Na concretização desta, o Exmo. Juiz de Instrução Criminal revogou aquele despacho de arquivamento e pronunciou os arguidos C…………., E…………., D…………….

  4. Inconformados, recorrem desta decisão os arguidos E………..

    e D……………, concluindo deste modo a respectiva motivação: 5.1 No decurso do inquérito e em sede de instrução não foram recolhidos indícios suficientes de que os arguidos tenham praticado os crimes de que vêm pronunciados, 5.2 Com efeito e no que concerne à prática do crime de burla previsto no art° 217 do C.Penal, não resultou indiciariamente provado que os arguidos tenham usado de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados, com o intuito de determinar outrem à prática de actos que lhe causem ou a outrem prejuízo patrimonial, com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.

    5.3 Pelo que desde logo não se configura a existência dos pressupostos que preenchem os elementos objectivos da prática do crime pelo qual foram pronunciados e muito menos que à data da transacção efectuada em sede civil os arguidos já tenham efectuado a mesma com intenção de dolosamente posteriormente procederem á dissolução da sociedade de F……………. Lda.

    5.4 Aliás não sendo a referida sociedade detentora de património ou bens que pudessem vir a ser penhorados em sede de execução (prova essa que não foi sequer abordada ou demonstrada pela assistente), bastaria aos arguidos deixarem seguir o curso normal do processo civil, para que a mesma viesse a ser inviabilizada em sede de processo de execução.

    5.5 Não tendo os arguidos obtido nenhum beneficio patrimonial extra por via da dissolução efectuada em prejuízo ou detrimento da assistente ou de terceiros.

    5.6 Por outro lado em sede penal o dolo não se pode presumir, até pelo princípio maxime in dúbio pró reo, sendo certo que dos indícios recolhidos nos autos não nos permitem tirar a ilação que a dissolução da sociedade teve como base a transacção judicial efectuada em 17 de Fevereiro de 2004; e muito menos que a referida transacção foi efectuada naqueles precisos termos já com a intenção por parte dos arguidos de posteriormente virem a proceder à liquidação da mesma.

    5.7 O que desde logo não indicia qualquer intenção de causar prejuízo patrimonial à assistente e muito menos que tal intenção tenha sido ardilosamente planeada, 5.8 Assim e não se mostrando nem sequer indiciariamente os pressupostos exigíveis para a configuração da prática de um crime de burla por parte dos arguidos, não se antevê que os mesmos possam vir a ser condenados pela prática do mesmo.

    5.9 Da mesma forma e pelas razões já anteriormente explanadas também não foram recolhidos indícios que permitam justificar a pronuncia por parte dos arguidos pela prática de um crime de falsificação de documento p.p. pelas disposições conjugadas dos art° 255 alin.

    a); 255, ali. a) e 256 n°1 alin. B) e n°3 todos do Código Penal 5.10 Com efeito também no que a este crime concerne se pode considerar o preenchimento de nenhum dos elementos que tipificam tal ilícito criminal, mormente a intenção dolosa e a falsidade da declaração.

    5.11 Com efeito a referida sociedade à data da liquidação não detinha qualquer passivo ou activo, sendo certo que a obrigação pela mesma assumida em sede judicial se tratava de uma mera prestação de facto e não uma declaração de dívida.

    5.12 Pelo que ao declararem os arguidos que a sociedade à data da liquidação não era detentora de qualquer passivo, fizeram-no convictos de que efectivamente essa era a realidade jurídica, pelo que desde logo não fizeram constar falsamente da escritura factos que não correspondiam à realidade.

    5.13 Por outro lado e como resultou dos depoimentos dos arguidos e de testemunhas por si arroladas nos autos, a dissolução da sociedade teve por base o falecimento de um dos sócios que a compunham e não a intenção de se eximir de qualquer responsabilidade judicial por esta anteriormente assumida.

    5.14 Sendo certo que da prova arrolada nos autos pela Assistente nada releva mesmo de forma indiciária para a intenção dolosa que obrigatoriamente teria de ser o móbil de actuação dos arguidos.

    5.15 Termos em que se conclui que nenhum dos elementos do tipo legal dos crimes analisados se encontra preenchido mesmo que de forma indicaria, sendo elevada a probabilidade de não virem a ser os arguidos condenados pela prática dos mesmos, pelo que nessa medida deverá ser revogado o despacho de pronúncia proferido em sede de instrução.

  5. Responderam e concluíram, respectivamente: 6.1 O Exmo. Procurador da República junto do Tribunal recorrido: 6.1.1 Os arguidos C………….., E………….. e D………… foram pronunciados pela prática dos crimes de burla qualificada e de falsificação, p. e p. pelos art.°s 202.°, 217.°, n.° 1, 218.°, n.° 2, al. a), 256.°, n.° 1, ai. B), e n.° 3, todos, do C. Penal.

    6.1.2 Inconformados com tal decisão vêm os arguidos E……….. e D………….. interpor recurso da mesma, alegando em síntese, que se não apuraram indiciariamente os factos integradores dos crimes de burla e d 2 falsificação pelos quais foram pronunciados.

    6.1.3 Como resulta da fundamentação prévia, a decisão do Tribunal de pronunciar os arguidos C…………, E………… e D………….., considerou os diferentes elementos recolhidos nos autos, os quais, apreciados no seu conjunto, levaram o Tribunal a considerar ser mais provável a condenação dos arguidos do que a sua absolvição, conforme se refere no despacho a fls. 295 e 296, argumentos que aqui nos dispensamos de reproduzir.

    6.1.4 Quanto ao crime de falsificação de documentos. A conduta imputada aos arguidos no requerimento instrutório de fls. 205 e ss. e pronúncia de fls. 296, encontra-se prevista no tipo legal do art.° 256.° do C.Penal, quer na redacção anterior à Lei 100/3003 de 15/11, que não alterou tal preceito, quer nas redacções ulteriores, designadamente, na Lei 61/2008 de 31/10.

    6.1.5 Afigura-se-nos quer a melhor interpretação da nova redacção do preceito - art° 256.°, n.° l, do CP, resultante da Lei 61/2008 de 31/10, abrange, também, aqueles casos em que a conduta seja dirigida a preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, independentemente de o arguido visar ou não a obtenção de benefício ilegítimo, para si ou para outra pessoa, ou causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado. A Lei 61/2008 acrescentou pois um novo elemento subjectivo ao tipo legal do art.° 256.°, n.° l, do C. Penal, o qual agora se mostra também preenchido desde que o agente do crime tenha a intenção de … preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, e pratique qualquer das condutas descritas nas diferentes alíneas daquele n.° l.

    6.1.6 A conduta imputada aos arguidos, conforme está descrita no requerimento instrutório e pronúncia, preenche todos os elementos típicos do crime em apreço, quer na redacção anterior à Lei 100/3003 de 15/11, que não alterou tal preceito, quer nas posteriores.

    6.1.7 De facto, os arguidos, declararam, na escritura de dissolução da "F………., Lda", celebrada em 19.04.2004, no 4.° Cartório Notarial do Porto, que "não existem quaisquer dívidas a terceiros, à excepção de quaisquer dívidas fiscais ainda não conhecidas ..." (cfr. doc. n.° 4 de fls. 22 e ss.). Fizeram-no depois de, em 17.02.2004, na acção n.° …/2001, da 3.a Vara Cível do Porto, na qual intervinham, a "F…………., Lda.", na qualidade de Ré, e. a ora assistente B…………, Lda., na qualidade de autora, ter sido celebrado o termo de transacção, homologado por sentença, no qual a "F…………, Lda." se compromete a reparar os defeitos da obra, aí melhor descritos, devendo as obras iniciar-se entre 30 de Março e 15 de Abril e terminar no prazo de 3 meses (cfr. doe. n.° l de fls. 6 e ss.).

    6.1.8 Ora, não podiam os arguidos ignorar, em 19.04.2004, decorridos apenas dois meses desde que tinha sido celebrado, em 17.02.2004, o referido termo de transacção, a obrigação/dívida que a firma "F…………., Lda."' havia assumido para com a ora assistente B…………, Lda.

    6.1.9 A conduta dos arguidos tinha o propósito claro de obterem para a firma "F…………, Lda." benefício, que sabiam ser ilegítimo, fazendo cessar, com a extinção desta sociedade, a obrigação que sobre ela impendia, bem sabendo, ainda, que com tal conduta, causavam prejuízos à assistente B……….., Lda., conformando-se com tal resultado.

    6.1.10 Quanto ao crime de burla p. e p. pelo art.°s 217.°, n.° l, e 218.°, n.° 2, al. a), ambos, do C. Penal. As alterações entretanto introduzidas em tais preceitos pela Lei 59/2007 de 04/09, têm a ver com a possibilidade de extinção do procedimento criminal em caso de restituição ou reparação e com a natureza particular do crime em apreço, em função das relações de parentesco, afinidade ou convivência análoga à dos cônjuges existentes entre o agente e a vítima.

    6.1.11 Tais alterações não relevam pois para a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido.

    6.1.12 A proximidade temporal, de apenas 2 meses, entre a transacção, em 17.02.2004, na acção n.° ../2001, da ...a...

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