Acórdão nº 489/08.0TTMAI.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelFERREIRA DA COSTA
Data da Resolução12 de Abril de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO SOCIAL - LIVRO 100 - FLS. 221.

Área Temática: .

Sumário: I - Sendo todos os actos do procedimento disciplinar praticados pela entidade empregadora, embora da nota de culpa conste ter ela sido emitida por diferente sociedade, apesar de se encontrar subscrita pelo Advogado nomeado instrutor pela mesma entidade empregadora, deve-se considerar tal diferença, atento tal contexto factual, como mero lapsus calami, nos termos do disposto no Art.º 249.º do Cód. Civil, sendo despropositada a invocação da figura da ilegitimidade.

II - A resposta à nota de culpa constitui uma declaração receptícia que carece de ser dada a conhecer ao destinatário e é eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou dele é conhecida – cfr. Art.º 224.º do Código Civil.

III - Se o trabalhador só coloca essa resposta no correio no dia em que terminava o prazo para a sua apresentação e ela só chega ao conhecimento da entidade patronal posteriormente, tem de concluir-se que a apresentação ocorreu fora do prazo.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Reg. N.º 669 Proc. N. º 489/08.0TTMAI.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…………… interpôs em 2008-10-02 a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C………….., S.A., pedindo que se:

  1. Declare ilícito o despedimento do A., efectuado pela R.

  2. Condene a R. a pagar ao A.: 1) - A indemnização, em substituição da reintegração, no valor de € 1.973,08; 2) - A quantia de € 5.150,59, relativa a férias de 2007, vencidas e não gozadas, férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais do ano de 2008 e danos patrimoniais e não patrimoniais, para além de todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal e 3) - Juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alega o A., para tanto e em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da R. em 2007-07-02, por contrato de trabalho a termo, por 8 meses, renovado por igual período em 2008-03-02, para exercer as funções de vendedor, mediante a retribuição mensal de € 475,00, acrecido de um subsídio de alimentação no valor de € 3,74, foi despedido sem justa causa em 2008-06-13, por carta de 2008-08-13. Tal ocorreu no seguimento de processo disciplinar instaurado ao A. pela R., depois de o A. ter sofrido um acidente de viação em 2008-03-10, ao volante do veículo que a R. lhe havia distribuído, sendo certo que a nota de culpa foi emitida por D…………., S.A. que, sendo embora do mesmo grupo da R., não é a entidade empregadora do A., o que determina a invalidade do procedimento. Acresce que tal despedimento foi decretado sem que a R. proferisse decisão final, por escrito e fundamentada, no processo disciplinar, o que também determina a respectiva invalidade.

Contestou a R., por impugnação, tendo também alegado os factos constantes da nota de culpa; por outro lado, pede a condenação do A. como litigante de má fé em multa e em indemnização a favor da R.; por último, deduziu reconvenção, na qual pede indemnização pelos danos que sofreu em consequência do acidente de viação causado pelo A., no montante de € 743,44, sem prejuízo do que mais se vier a liquidar oportunamente, sendo tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até ao efectivo pagamento.

O A. respondeu à contestação/reconvenção, por impugnação.

Proferido despacho saneador tabelar, o Tribunal a quo assentou os factos considerados provados e elaborou base instrutória quanto aos restantes, sem reclamações.

Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, tendo-se respondido à base instrutória, sem reclamações.

Proferida sentença, o Tribunal a quo: a) - Condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 748,17, a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; b) - Absolveu a R. dos demais pedidos e c) - Condenou o A. a pagar à R. a quantia de € 743,44.

Irresignado com o assim decidido, veio o A. interpor recurso de apelação, pedindo que se revogue a sentença, tendo formulado a final as seguintes conclusões: 1 - A entidade patronal do Recorrente, é a aqui Recorrida, "C…………, S.A.".

2 - Entidade Patronal com quem o Recorrente celebrou um contrato de trabalho, logo é esta que tem todo e qualquer poder disciplinar sob o trabalhador, e não qualquer outra.

3 - Ora o processo disciplinar, e em concreto a nota de culpa, é emitida por "D…………, S.A.", pelo que não tem esta entidade qualquer poder disciplinar sob o trabalhador, existindo por isso falta de legitimidade.

4 - Estamos perante figuras jurídicas distintas, pois possuem um número fiscal diferente, e possuem personalidade jurídica completamente distinta, ou seja, juridicamente estamos perante duas personalidades jurídicas distintas.

5 - Assim sendo a "D…………., S.A.", não tinha legitimidade para instaurar qualquer processo disciplinar ao trabalhador e aqui Recorrente.[1] 6 - O art. 396.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 recuperou integralmente o conceito de justa causa que constava do pretérito art. 9.º, n.º 1 da LCCT, pressupondo para o efeito a verificação de dois requisitos cumulativos: um comportamento culposo do trabalhador violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia da "inexigibilidade da manutenção vinculística".

7 - Exige-se para a verificação do segundo requisito uma "impossibilidade prática", com necessária referência ao vínculo laboral em concreto, e "imediata", no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato.

8 - São critérios de apreciação da justa causa: o grau de lesão dos interesses do empregador - em que, sem embargo da previsão específica da alínea e) do n.º 3 do art. 396.°, não se exige a verificação de danos -, o carácter das relações entre as partes e entre o visado e demais trabalhadores e todas as outras circunstâncias que relevem ao caso, a aferir no contexto da gestão da empresa (art. 396.°, n.º 2 do Código do Trabalho).

9 - Ao trabalhador assiste a faculdade de exprimir livremente as suas opiniões e críticas, mas impõe-se que tal direito seja exercido com respeito pelos deveres que para ele emergem do vínculo laboral, nos termos das obrigações contratualmente assumidas e da própria lei.

10 - A noção de justa causa de despedimento prevista no n.º 1 do art. 396.° do Código do Trabalho exige a verificação cumulativa de 2 requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

11 - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

12 - Face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e a acção de impugnação de despedimento constantes do Código do Trabalho e aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil, cabe ao empregador, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos constantes da decisão de despedimento, isto é, integradores da respectiva justa causa.

13 - O empregador não está onerado com a prova de factos alheios à justa causa que invocou, nomeadamente com a prova dos invocados pelo trabalhador, tenham ou não sido por este alegados no processo disciplinar.

14 - O dever de lealdade previsto no código do trabalho, tem um alcance normativo que supera os limites do sigilo e da não concorrência, impondo ao trabalhador que aja, nas relações com o empregador, com franqueza, honestidade e probidade, em consonância, aliás, com a boa fé que deve presidir à execução do contrato, nomeadamente, vedando-lhe comportamentos que determinem...

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