Acórdão nº 1341/08.4TAVCT de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Abril de 2010

Magistrado ResponsávelANSELMO LOPES
Data da Resolução12 de Abril de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Após conferência, acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: TRIBUNAL RECORRIDO Tribunal Judicial de Viana do Castelo – 1º Juízo Criminal RECORRENTE O Ministério Público OBJECTO No âmbito do processo acima identificado, o Digno Procurador-Adjunto formulou a seguinte promoção: Os presentes autos iniciaram-se com a denúncia apresentada por Agostinho C... na qual participa criminalmente contra desconhecidos por factos passíveis de integrar a prática de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180°, nº 1, 182°, 183°, nº. 1, a) e 184°, com referencia ao art. 132º, I), todos do Código Penal.

O denunciante é médico e faz parte do quadro do Serviço de Obstetrícia da ULSAM, EPE (Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE).

De acordo com o teor da denúncia, os utilizadores denominados "lsabelmaria55", "luisavc" e "Katya9" tiveram várias intervenções no fórum "net.bebe.forum.sapo.pt", onde produziram vários textos de carácter difamatório contra o denunciante.

Do mesmo modo, actuaram os utilizadores "Mariaq" e "lsabeli" no fórum do site www.pinkblue.com, com os IP's 212.55.183.202 e 212.55.183.165, respectivamente.

Como suspeitos da autoria dos referidos textos foram indicados António C...

e mulher, Jacinta C...

, os quais, ao serem interrogados, usaram da faculdade de não prestar declarações.

No decurso do inquérito foi solicitada à PJ a identificação dos referidos utilizadores de contas que participaram nos fóruns associados aos mencionados sites, com recurso a endereços de IP pertencentes a ISP's (internet service provider) sedeados em Portugal.

Em ordem a apurar o registo da realização das mencionadas intervenções, bem como a identificação dos respectivos autores, a PJ solicitou à Portugal Telecom a identificação dos Protocolos de Internet, com referência ao grupo data-hora, associados à colocação dos comentários no site "net.bebe.forum.sapo.pt", bem como relativos à criação das contas referidas, assim como a identificação e contacto do responsável do fórum.

Em resposta, a Portugal Telecom condicionou o fornecimento de tais dados à existência de autorização do JIC, escudando-se nas normas que regulam o sigilo das comunicações electrónicas (cf. fls. 415-416 e 424-425) - É o seguinte o teor da resposta da Portugal Telecom: «Acusamos a recepção do v/ ofício datado de 12/06/2009, o qual mereceu a nossa melhor atenção.

Quanto ao pedido de identificação dos postos de acesso à Internet solicitados, informamos V. Exa., que o fornecimento dos dados de tráfego carece de autorização do Juiz de Instrução, à semelhança do que acontece com os dados de conteúdo, nos termos do artigo 27º, nº1, alínea g) da Lei n° 5/2004, de 10 de Fevereiro, (Lei das Comunicações Electrónicas) e do artigo 4º da Lei nº 41/2004, de 18 de Agosto, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas).

Atento o disposto nos citados normativos a PT.COM Comunicações Interactivas, S.A encontra-se obrigada a garantir a "Protecção dos dados pessoais e da privacidade no domínio especifico das comunicações electrónicas, em conformidade com a legislação aplicável à protecção de dados pessoais e da privacidade" bem como a "...garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público", sendo “proibida a escuta, a instalação de dispositivos de escuta, o armazenamento ou outros meios de intercepção ou vigilância de comunicações e dos respectivos dados de tráfego por terceiros sem consentimento prévio e expresso dos utilizadores, com excepção dos casos previstos na lei" (sublinhado acrescentado).

Do exposto, resulta que o actual quadro legal confere aos dados de tráfego (facturação detalhada/identificação do número chamador) igual protecção jurídica que na vigência da Legislação ora renovada (Lei nº 91/97, de 1 de Agosto, e Lei 69/98, de 28 de Outubro) era cometida apenas aos dados de conteúdo (intercepção das comunicações electrónicas/escutas telefónicas). Ou seja, a inviolabilidade das comunicações electrónicas abrange, actualmente, não só as comunicações (dados de conteúdo) mas também, os respectivos dados de tráfego, razão pela qual o seu fornecimento carece de autorização do Juiz de Instrução.

O legislador veio, deste modo, consagrar no artigo 4º da Lei nº 41/2004, de 18 de Agosto, a doutrina vertida no Parecer nº 000212000, do Conselho Consultivo da PGR, publicado do DR nº198, de 28-08-2000, que, na conclusão 2ª, prescreve o seguinte: "Na fase de inquérito, tais elementos de informação, quando atinentes a dados de tráfego ou a dados de conteúdo, apenas poderão ser fornecidos à autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do Juiz de Instrução (artigos 187°, 190º e 269°, nº 1 alínea c), do Código de Processo Penal".

Face ao exposto, considerando que os dados requeridos se encontram cobertos pelo sigilo das comunicações electrónicas, o mesmo só poderá ser satisfeito mediante despacho de autorização do Juiz de Instrução».

.

Vejamos.

Nos termos da 1ª conclusão do Parecer n° 21/2000 da PGR, "os elementos de informação respeitantes aos utilizadores de serviços de telecomunicações, geralmente designados como dados de tráfego e dados de conteúdo, e bem assim os dados de base relativamente aos quais os utilizadores tenham requerido um regime de confidencialidade (...) estão sujeitos ao sigilo das comunicações (...) Estabelece a 2a conclusão do mesmo Parecer que "na fase de inquérito, tais elementos de informação, quando atinentes a dados de tráfego e a dados de conteúdo, apenas poderão ser fornecidos às autoridades judiciárias, pelos operadores de telecomunicações, nos termos e pelo modo em que a lei de processo penal permite a intercepção das comunicações, dependendo de ordem ou autorização do juiz de instrução (...)".

Acrescenta a 3a conclusão que "em relação aos dados de base, ainda que cobertos pelo sistema de confidencialidade a solicitação do assinante, tendo em consideração que o sigilo profissional em causa releva de um simples interesse pessoal do utilizador que não contende com a respectiva esfera privada íntima, os correspondentes elementos de informação poderão ser comunicados, a pedido de qualquer autoridade judiciária, para fins de investigação criminal (...)" - cfr. circular nº 8/2000, da PGR, fixando doutrina obrigatória para o Ministério Público.

Por outro lado, de acordo com a 4a conclusão do Parecer nº 16/94, da PGR, são: - elementos de base os relativos ao posto e ao número de acesso; - elementos de tráfego os que respeitam à direcção da comunicação, localização, data e duração; - elementos de conteúdo os que se referem ao conteúdo da própria mensagem ou transmissão.

A Lei 48/2007 introduziu alterações legislativas nesta matéria, no âmbito do Código de Processo Penal, algumas das quais foram de encontro ao entendimento da mencionada circular.

Assim, o art. 189°, n.° 1 do Código de Processo Penal prevê que as normas referentes à realização de intercepções telefónicas são correspondentemente aplicáveis "às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital". O n.º 2 prevê a necessidade de autorização do juiz de instrução para a "obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações." De acordo com o Dr. Benjamim Silva Rodrigues, in "A Monitorização de dados pessoais de tráfego nas comunicações electrónicas", Raízes Jurídicas, Curitiba, v. 3, n. 2, jul./dez. 2007, disponível na Internet: «Numa classificação aglutinadora dos dados pessoais que estão subjacentes àqueles preceitos, podemos distinguir três tipos de dados: os dados de base, os dados de tráfego e os dados de conteúdo. Os dados de base consistem nos elementos fornecidos pelo utilizador à empresa que fornece o acesso à rede e ou ao serviço de comunicações electrónicas, v.g., nome, morada, e os dados que aquela empresa fornece, em sentido inverso, ao utilizador para efeito de interligação à rede e ou ao serviço de comunicações electrónicas, v.g., número de acesso, nome de utilizador, password. Os dados de tráfego dizem respeito aos elementos funcionais da comunicação e permitem o envio da comunicação através de um rede de comunicações electrónicas, v.g., data e hora do início da sessão (login) e do fim (logoff) da ligação ao serviço de acesso à Internet, endereço de IP atribuído pelo operador, volume de dados transmitidos, entre outros. Os dados de conteúdo baseiam-se no conteúdo da comunicação transmitida pela rede de comunicações electrónicas. Suponhamos que António celebra um contrato com um ISP para o fornecimento de acesso à Internet e cede o que designamos por dados de base. Já na posse de todos os elementos necessários para a ligação à Internet, envia uma mensagem de correio electrónico a um colega, com o seguinte conteúdo: "Convite para jantar amanhã às 17hOO. Abraço. António". A hora de envio, o volume de dados transmitidos, o IP de origem, entre outros configuram o que apelidamos de dados de tráfego, e, por último, a mensagem enviada integra-se no conceito de dados de conteúdo.» Entretanto, com a evolução das directivas comunitárias em matéria de comunicações electrónicas verificou-se uma metamorfose no paradigma da protecção jurídica dos dados pessoais em que, ao lado da mencionada trilogia de dados de tráfego, de base e de conteúdo, surge agora a definição de dados de localização.

Nesse contexto, foi publicada a Lei n.° 109/2009, de 15 de Setembro, que aprova a Lei do Cibercrime, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.° 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT