Acórdão nº 3696/05.3TXPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução25 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: PROVIDO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 628 - FLS. 173.

Área Temática: .

Sumário: I- A liberdade condicional, regulada no art. 61º, 2 do C. Penal, deve ser considerada não um benefício, mas antes um verdadeiro direito subjectivo do recluso, significando uma forma substitutiva da execução.

II- Deste modo, verificados que sejam os requisitos formais e o condicionalismo consignado nas alíneas a) e b) do art. 61º, 2 do C. Penal, o Tribunal fica obrigado a colocar o recluso em liberdade condicional.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo Nº3696/05.3TXPRT-A.P1 Relator: Melo Lima Acordam em Conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

  1. Relatório 1. Nos autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional que, com o nº 3696/05.3TXPRT, correm termos no 1º juízo do Tribunal de Execução das Penas do Porto, foi proferida decisão judicial a negar a concessão de liberdade condicional ao recluso B…………..

    1. Inconformado, recorre ele no propósito de ver revogada aquela decisão, formulando as seguintes conclusões: i.

      O percurso de vida do recorrente nos últimos mais de 6 anos, conforme o demonstram os vários relatórios, a acta do Conselho, e demais elementos juntos aos autos, são elucidativos de que, assumiu e interiorizou a gravidade da sua conduta criminosa, repudia-a hoje, por completo, tem propósito firme de se integrar pessoal, social e profissionalmente, e de se afastar, por completo, da senda criminosa.

      ii.

      O seu comportamento no Estabelecimento Prisional é a demonstração inequívoca disso, o qual não foi impeditivo de um parecer favorável à sua liberdade condicional, por parte da direcção do EP, bem como do IRS.

      iii.

      O recorrente trabalha dentro do EP e quando em saídas precárias, cumpriu sempre escrupulosamente os seus deveres, sendo hoje um homem diferente.

      iv.

      O Recorrente tem elevado apoio familiar, é socialmente querido e teria trabalho se colocado em liberdade.

      v.

      Todos esses factores deveriam ter sido ponderados na decisão recorrida, porquanto indiciam, existir a real vontade do Recorrente, se reintegrar, adoptando um comportamento socialmente responsável.

      vi.

      Na decisão recorrida ao não ter sido feito, para efeitos do disposto no art. 61.°, n.° 2, um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o recorrente, uma vez em liberdade, adoptará um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal, violou-se o art. 61.°, n.° 2, ai. a) e b) do Código Penal.

      O despacho recorrido deve, assim, ser revogado e substituído por outro que julgue verificado o pressuposto do art. 61.°, n.° 2, al. a) e b) do Código Penal, colocando-se o Recorrente em liberdade condicional 3. A Exma Procuradora da República, junto do Tribunal recorrido, ofereceu Resposta onde, no sentido do provimento do recurso, refere nomeadamente: i. Objectivamente, nenhuma informação consta do processo que leve à conclusão do não preenchimento dos requisitos de que depende a concessão da liberdade condicional após o cumprimento de metade da pena - os que estão enunciados no citado artigo 61°, n° 2, alíneas a) e b). Pelo contrário, todas as apreciações feitas apontam no sentido da sua verificação.

      ii. O recluso já cumpriu 5 (cinco) anos e (oito) meses de uma pena total de 10 (dez) anos e 8 (oito) meses, período que se entende suficiente para ter interiorizado as consequências penais de uma conduta criminosa, o que parece ter acontecido.

      iii. De acordo com as recomendações do relatório da CEDERSP, a liberdade condicional tem a maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial na execução das penas de média e longa duração.

      iv. De notar que com a alteração do Código Penal pela Lei n° 59/2007, de 04/09, está prevista, no artigo 62°, a possibilidade de antecipação da liberdade condicional, pelo período máximo de um ano, com sujeição ao regime de permanência na habitação, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.

      v. In casu, ainda que se percebam as preocupações que levaram ao indeferimento da liberdade condicional, não existem obstáculos, de facto e/ou de direito, à libertação condicionada do recluso, nos termos dos artigos 61°, n° 2, 52° a 54°, ex vi artigo 64°, todos do Código Penal.

      vi. O argumento judicial decisivo para a não concessão dessa liberdade - os quatro disparos com arma de fogo, três dos quais atingiram a cabeça da vítima - já foi considerado em sede de determinação da medida concreta da pena (tal como o foi todo o contexto da consumação do homicídio), e não pode/deve ser novamente valorado de molde a constituir obstáculo ao fim em vista.

      Vii Não pode, de igual passo, constituir obstáculo o não pagamento das indemnizações fixadas, uma vez que o responsável está preso e, conforme as declarações exaradas na acta de fls. 110, não tem condições económicas para o fazer, pretendendo pagá-las à medida das suas possibilidades.

    2. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto Parecer no sentido de que o recurso deve proceder, justificando: i. Os dados recolhidos durante o cumprimento da pena, constantes dos relatórios e pareceres, são todos no sentido de que, durante aquele período, a personalidade do recorrente evoluiu no sentido da assunção da responsabilidade pelo crime de homicídio e pela grandeza da gravidade das suas consequências para a vítima e para si, no sentido de ter ganho responsabilidade profissional e laborai, de ter interiorizado a necessidade de cumprimento dos deveres jurídicos e de respeito pela lei e no sentido de que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, tendo sempre o adequado apoio familiar e tendo a expectativa séria de que as suas aptidões profissionais, que adquiriu no E.P. no domínio da mecânica, permitir-lhe-ão conseguir facilmente arranjar trabalho lícito e remunerado ii. Não está demonstrado na decisão recorrida que a libertação do recorrente na fase de cumprimento da pena em que este se encontra se revela incompatível com a defesa da ordem e da paz social. E tudo aponta no sentido de que a defesa da ordem e da paz social não será beliscada com a libertação do recorrente, ultrapassado que está mais de metade do cumprimento da pena aplicada. De facto, apesar do crime praticado pelo arguido, o de homicídio voluntário consumado, ser de grande gravidade e de ser elevado o desvalor da acção, certo é que foi praticado em circunstâncias que diminuíram a ilicitude da conduta, isto é, por ciúme ( a companheira do arguido tinha uma relação de amante com a vítima), antecedida de troca de agressões físicas entre o arguido e a vítima, conforme resulta do teor do acórdão condenatório, portanto, em circunstâncias em que sociedade portuguesa compreende melhor, sem a desculpar ou despenalizar, a conduta do agressor e, consequentemente, em que há uma necessidade em menor grau de repor a validade da norma violada e a paz social posta em perigo.

      iii. A liberdade condicional só deve ser recusada, uma vez cumprida metade da pena de prisão, se não for possível formular um juízo de prognose favorável, face à personalidade do recluso, reportada ao facto ilícito fundamentador da condenação e ao evoluir da personalidade daquele no decurso do cumprimento da pena, de que, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes e se, sendo possível esse juízo favorável, a libertação se revelar incompatível com a defesa da ordem e da paz social.

      iv. No caso, como demonstra o recorrente na motivação de recurso, é possível formular o dito juízo favorável e não está demonstrado que a sua libertação seja incompatível com a defesa da ordem e da paz social.

      v. Verificam-se preenchidos os pressupostos referidos no art. 61 n° 2 als. a) e b) do C.P. para a concessão ao recorrente da liberdade condicional.

    3. Observada a notificação prevista no artigo 417º/2 do CPP, colhidos os Vistos, porque nada obsta ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

  2. Fundamentação 1. É do seguinte teor a decisão sob recurso: «Corre o presente processo gracioso de liberdade condicional referente ao condenado B………., identificado nos autos. Foi cumprido o disposto no artigo 484.º, n.º 1 e n.º 2, do Código de Processo Penal.

    O Ministério Público teve vista do processo. Reuniu o Conselho Técnico e foi ouvido, a sós, o recluso. Cumpre decidir, nada obstando.

    O condenado cumpre a pena única de 10 anos e 8 meses de prisão, à ordem do Proc. n.º …../03.2PJPRT, da …..ª Vara Criminal do Porto, no âmbito do qual foram cumuladas penas parcelares atinentes à autoria de um crime de homicídio, um crime de ofensa à integridade física por negligência e um outro de detenção ilegal de arma.

    Atingiu o meio da pena em 10.09.2009, atingirá os dois terços da mesma em 20.06.2011, estando o seu termo previsto para 10.01.2015.

    O crime de homicídio em presença, praticado em contexto passional, reveste-se de acentuada gravidade, resultando fortes as exigências de prevenção ao nível geral que operam no caso em análise.

    Trata-se, neste âmbito, de preservar a ideia da reafirmação da validade e vigência da norma penal violada com a prática desse crime (v., a propósito do requisito da al. b), do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, as Actas da Comissão de Revisão do Código Penal, ed. Rei dos Livros, 1993, p. 62), o que se mostra incompatível com a aplicação do regime da liberdade condicional nesta fase do cumprimento da pena de prisão, antes demandando acrescido período de prisão efectiva.

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