Acórdão nº 132/06.1TAGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, no âmbito do Processo Comum Singular nº 132/ 06. 1ATAGMR, por despacho de 28 de Outubro de 2009, foi rejeitada a acusação deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos Carlos R..., Miguel O..., Rui M... e Avelino S..., todos com os demais sinais dos autos, na qual lhes imputava, a cada um deles, a prática de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 1, alínea a), do Código Penal, 100º, nº 1, 106º e 109º,n.º1, do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º nº 177/2001, de 4 de Junho.

* Inconformado com tal despacho, o Ministério Público dele interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1ª- Em conformidade com o art.º 69º, n.º2 da Lei n.º 169/99, de 18.9, os poderes do presidente de câmara municipal, designadamente os previstos no art. 53º, n.º1,alínea m) da referida lei “embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações”) podem ser objecto de delegação; 2ª -Improcede a conclusão de que a entidade que proferiu a ordem de cessação de utilização não tinha competência para o efeito, devendo prevalecer a regra geral contida no aludido art. 69º, n.º2 da Lei n.º 169/99.

  1. - O legislador na Lei n.º 169/99 pretendeu claramente atribuir ao Presidente da Câmara Municipal a decisão de delegar quaisquer das suas competências, sem impor limites, ao contrário do que sucede com as competências da própria câmara municipal, titular de competências indelegáveis.

  2. - A Lei n.º 169/99 constitui lei de valor reforçado (artigo 112.°, n.º3 da Constituição da República Portuguesa); ainda que a Lei n.º 169/99 não pudesse ser considerada como lei de valor reforçado nos termos do artigo 112.°, n.º3 da Constituição da República Portuguesa, por ser uma lei que define a base do regime jurídico em causa sempre gozaria da tutela que também é reforçada no n.º2 do art.º 122º Constituição da República Portuguesa, que estabelece que as leis e decretos-lei têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-lei…que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos 6ª - O DL 555/99, de 16/12, com as alterações introduzidas pelo DL 177/2001, de 04/06 nunca poderá limitar os poderes de delegação e subdelegação previstos na Lei n.º 169/99.

  3. - A delegação de competência do presidente da câmara municipal de Guimarães a favor do vereador é juridicamente relevante e produz os seus efeitos legais (:o legislador da Lei n.º 169/99 pretendeu claramente atribuir ao Presidente da Câmara Municipal a decisão de delegar quaisquer das suas competências, sem impor limites, ao contrário do que sucede com as competências da própria câmara municipal).

  4. - Estando assim previstas no artigo 68º, n.º2, al. m) da lei n.º 169/99, lei-quadro de competências e regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias que define a base do regime jurídico em causa, aquelas mesmas competências definidas no RJUE e no artigo 69º, n.º2 da lei n.º 169/99 a possibilidade de delegação, o RJUE não precisa de prever expressamente a delegação de competência, pelo que a delegação é plenamente válida.

  5. - Uma vez que os arguidos, devidamente notificados para o efeito, não cumpriu as ordens que determinavam a cessação de utilização do aludido pavilhão ou parte dele, na sequência dos despachos proferidos pelo Exmo Vereador da Câmara Municipal de Guimarães, cometeram o crime de desobediência que lhe é imputado nos presentes autos, pelo qual devem ser julgados.

  6. A acusação só pode ser rejeitada por manifestamente infundada, desde que, por forma clara e evidente, seja desprovida de fundamento, por ausência de factos que a alicercem ou porque os dela constantes não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal e nenhuma destas situações se verifica no caso em apreço; os autos contêm todos os elementos suficientes que permitem fundamentar a prolação de um despacho que receba a acusação pública deduzida na sua totalidade; a acusação está alicerçada em indícios suficientes e é manifestamente fundada.

  7. - No despacho recorrido fez-se um pré-julgamento, o qual que não se coaduna nem com a natureza nem com as finalidades da face processual em causa e do despacho impugnado, previsto no artigo 311º Código de Processo Penal, sem as exigências que caracterizam a audiência de julgamento e os vários princípios que o enformam; nesse Despacho recorrido tomou-se posição final sobre o mérito da questão da verificação ou inverificação da prática do crime de desobediência e procedeu-se ainda um controle sobre a existência ou inexistência de indícios do crime, o que não lhe é permitido face à nova redacção do artigo 311º Código de Processo Penal.

  8. - O vocábulo "manifestamente" (art 311°. CPP) é a chave para a interpretação/resolução do problema em apreço, sobressaindo a impressão que o despacho impugnado não se estriba na completa ausência de descrição de factos essencialmente constitutivos do tipo, mas numa discordância com uma questão de interpretação do Direito muito longe de ser pacífica.

  9. - O despacho recorrido violou o artigo 311°. Código de Processo Penal e os arts 106°, 100° e 109°. N°. 1 do DL 555/91 e DL 177/2001 de 04/06; 68°, n.º2 e 69° da Lei 169/99 de 18/09 e art.º 348° do Código Penal e tais normas conjugadas entre si devem ser interpretadas no sentido de que os arguidos devem ser julgados pelo crime que lhes foi imputado.» Termina pedindo que “o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que receba a acusação.” *Os arguidos não responderam ao recurso.

*O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 507.

*Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.

*Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º2, do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais vieram os autos à conferência, pelo que cumpre conhecer.

*II- Fundamentação 1.

Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98) Neste recurso, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se o Presidente da Câmara pode ou não delegar num vereador a competência para ordenar e fixar prazo para a cessação da utilização a que se refere o artigo 109º do Dec.Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação).

*2. A fundamentação da decisão recorrida É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida (transcrição): «O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal. Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

*II - Registe e autue como processo comum com intervenção do tribunal singular.

*III - Rejeito a acusação deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos Carlos R...; Miguel O...; Rui M... e Avelino S... pelas razões que se passam a expor: Nos presentes autos de processo comum singular, vem imputada a cada arguido a prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348°, n.º1, a!. a), Cód. Penal, com referência aos arts. 100°, n.º 1, 106° e 109°, n.º 1, do DL n.º 555/99, de 16.12, na redacção dada pelo DL n.º 177/2001, de 4.6.

Nos termos do art. 348°, n.º 1, a), do C. Penal, comete o crime de desobediência quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.

São elementos objectivos do crime de desobediência: - a ordem ou mandado; - a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; - a competência da autoridade ou funcionário para a emissão da ordem ou mandado; e - a regularidade da sua transmissão ao destinatário.

A ordem ou mandado têm de se revestir de legalidade substancial (têm de se basear numa disposição legal que autorize a sua emissão ou decorrer dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente) e formal (a sua emissão deve conformar-se com as formalidades estipuladas pela lei para o efeito) É ainda indispensável que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, ou seja, que aquilo que pretendem impor esteja compreendido na esfera das suas atribuições.

Por fim, exige-se que a ordem ou mandado sejam transmitidas aos seus destinatários de uma forma que lhes permita tomar efectivo conhecimento daquilo que lhes é imposto ou exigido.

Para que se considere preenchido este tipo legal de crime, aos elementos objectivos descritos há-de acrescer o dolo do agente (elemento subjectivo), nos termos dos arts. 13° e 14° do CP.

Segundo o enunciado fáctico contido na acusação pública, "Em data não concretamente apurada, mas anterior a 1998, no Lugar de Sabroso, em 5. Lourenço, em área desta comarca de Guimarães, foi construído um pavilhão pela firma "V..., Lda. ", descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. ° 202/Sande S. Lourenço.

Ora, tal obra foi embargada, pois encontra-se na zona de protecção ao Castro Sabroso e na Reserva Ecológica Nacional, sendo Zona não Urbanizável por despacho do Sr. Vereador, com competência delegada, datado de 28 de Janeiro de 1998 e posteriormente, foi mesmo ordenada a sua demolição por despacho datado de 07 de Agosto de 1998.

Entretanto, em data não concretamente apurada, tal pavilhão passou a pertencer à firma "Imobiliária P..., SA", a qual, por sua vez e igualmente em data não concretamente apurada, permitiu mediante compensação monetária que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT