Acórdão nº 608/09.9TTVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFELIZARDO PAIVA
Data da Resolução11 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação foi a arguida/recorrente condenada, em cúmulo jurídico, pela AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO (Unidade Local de ...) na coima única de 9.100,00 € (nove mil e cem euros) pela prática, na forma negligente, das seguintes contra-ordenações: a) Tipificada como leve, p. e p. pelos nos nº 1 e 3 do artigo 179º, 659º nº 2 e 620º nº 2 alínea b) do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto[1], em conjugação com o disposto no nº 1 do artº 2º e artº 3º da portaria nº 983/2007 de 27 de Agosto (por o motorista não se fazer acompanhar de mapa de horário de trabalho ou de isenção do mesmo), a que fez corresponder a coima parcelar de € 600,00 b) Tipificada como muito grave p. e p. pelo artigo 3º da Portaria nº 983/2007 de 27 de Agosto, conjugado com o nº 3 do artº 1º e com a alínea a) do artº 5º da mesma Portaria, artigo 14º nº 3 alínea a) do Dec. Lei 237/07 de 19/06 e artigo 620º nº 4 alínea e) do Cód. do Trabalho de 2003[2] (falta de livrete individual de controlo), a que fez corresponder a coima parcelar de € 9.000,00 *** II - Inconformada com tal condenação, dela a arguida interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Aveiro, recurso que veio a ser julgado improcedente.

É desta decisão que a arguida agora interpõe recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões: [……………………………………………………] + Respondeu o Ministério Público, alegando em resumo útil: […………………………………………………………...] + + Corridos os vistos cumpre decidir.

*** III- E, como é sabido, em matéria contra-ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11).

Assim, a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e é a seguinte: 1. No dia 11 de Julho de 2008, pelas 11 horas e 15 minutos, no IP 3, ao Km 86.6 – Santa Comba Dão, na Comarca de Santa Comba Dão, Sociedade A.....

, NIPC ..., com sede em ..., ...., mantinha ao seu serviço, sob suas ordens e direcção e mediante remuneração, o motorista B.....

, afecto à condução da viatura pesada de mercadorias, com a matrícula ..., de que é proprietária.

  1. Transportava carcaças de animais não destinados ao consumo humano.

  2. Sem se fazer acompanhar de fotocópia do mapa de horário de trabalho nem de livrete individual de controlo.

  3. Conforme foi verificado pelo agente autuante em acção de fiscalização, que solicitou tais documentos, e a quem não lho foram exibidos.

  4. A..., enquanto entidade empregadora, não diligenciou no sentido de que o seu motorista B... pudesse exibir, naquele dia, hora e local, uma cópia do mapa de horário de trabalho, ao agente autuante, aquando do controlo efectuado pela GNR.

  5. A... não diligenciou no sentido de que o seu motorista B... se fizesse acompanhar, naquele dia, hora e local, do livrete individual de controlo.

  6. Nas instalações da arguida está afixado o mapa de trabalho, como o estava à data dos factos.

  7. No dia indicado a arguida não utilizava os discos de tacógrafo na viatura.

  8. Após a autuação voltou a colocar os discos na viatura 10. São registadas diariamente, em fichas, a hora de saída dos motoristas e mantido arquivo na empresa.

  9. São registadas diariamente, as horas de chegada dos motoristas/viaturas através de pesagem, que regista a hora de pesagem, estando tais documentos também arquivados na empresa.

  10. A empresa emprega 88 trabalhadores e apresenta um volume de negócios de 15 988, 402, 01.

*** IV- É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

As questões a decidir são as seguintes: 1 – Se a infracção - leve – praticada referida em a) supra deveria ter sido sancionada com simples admoestação; 2 – Se o Dec. Lei nº 237/07 de 19/06 é organicamente inconstitucional; 3 – Se o regime deste Dec. Lei e a Portaria 983/07 de 27/08 é aplicável ao tipo de transporte efectuado pela recorrente: 4 – Se, no caso afirmativo, é de considerar que a recorrente agiu com erro sobre a ilicitude não censurável ou censurável, devendo respectivamente, ser absolvida ou ser a coima especialmente atenuada.

1) Da aplicação de uma simples admoestação: A recorrente aceita ter praticado a contra ordenação e que foi sancionada com um coima de e 600,00.

A sua discordância reside no facto de entender que devia ter sido aplicada uma simples admoestação dada a reduzida gravidade da infracção e da culpa.

Na verdade, o artigo 51º do RGCO prevê a possibilidade de aplicação da admoestação.

Pese embora a inserção sistemática do preceito em causa no capítulo III “aplicação da coima pelas autoridades administrativas”, é de entender que a referência a “entidade competente” usada na redacção do referido normativo leva a que a admoestação possa ser aplicada quer na fase administrativa quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa (cfr. M. Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa “in” Contra Ordenações, anotações ao regime geral, 3º edição, 20006, págª 363.

Também o artigo 48º da actual Lei 107/09 de 14/09 (que aprovou o regime processual aplicável às contra ordenações laborais e de segurança social) preceitua que “excepcionalmente, se a infracção consistir em contra ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o Juiz proferir uma admoestação” Ora conforme se lê na decisão recorrida “verifica-se que em ambas as infracções, a arguida com falta de zelo, atingiu o interesse da Administração em garantir, os direitos do trabalhador bem como a segurança rodoviária”.

(…) Em ambos os casos, a culpa assume uma intensidade média dentro do tipo de ilícito, não se vislumbrando em que medida a culpa do agente será reduzida, dentro da previsão legal.

Não se justifica, portanto, a aplicação de mera admoestação, em conformidade com o disposto no artº 51º do Regime Geral das Coimas e Contra-ordenações ou com o art.º 48º da Lei 107/2009 (…)” Sufragamos inteiramente este entendimento pelo que também entendemos não ser de aplicar a reclamada admoestação.

2) Da inconstitucionalidade orgânica do Dec. Lei nº 237/07: Pelas razões mais detalhadamente consignadas nos artigos 104 a 121 das suas alegações, entende a recorrente que o citado Dec. Lei é organicamente inconstitucional por ter regulado matérias da exclusiva competência da Assembleia da República sem estar munido da competente lei de autorização legislativa.

A questão foi já objecto de decisão pelo Tribunal Constitucional – Acórdão nº 578/09 de 17/11/09, processo 343/09 “in” DR II, nº 250 de 29/12/09, págªs 52434 a 52435 proferido, ao que supomos, no âmbito do processo do Tribunal de Trabalho de Faro referido no artigo 121 das alegações da recorrente e que recusou a aplicação do referido diploma por o considerar organicamente inconstitucional.

Por se revestir de manifesto interesse para a decisão da questão permitimo-nos transcrever parte desse acórdão.

Lê-se no dito aresto “O artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, invocado pela decisão recorrida, reserva à competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo. O Tribunal Constitucional tem -se debruçado detalhadamente e por várias vezes sobre o sentido normativo fundamental deste artigo 165.º, n.º 1, al. d), da Constituição. Fê -lo, pela primeira vez, mais detalhadamente, no Acórdão n.º 56/84, (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3.º, págs. 153), ao qual se seguiram ao longo dos anos muitos outros. Dessa vasta jurisprudência resulta, em síntese, que apenas é matéria de competência reservada da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre o regime geral do ilícito de mera ordenação social e do respectivo processo; isto é: (i) sobre a definição da natureza do ilícito contra -ordenacional, (ii) a definição do tipo de sanções aplicáveis às contra -ordenações (iii) a fixação dos respectivos limites das coimas e (iv) a definição das linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Assim e em suma, com observância do regime geral, e dos limites aí definidos, pode o Governo livremente criar contra -ordenações novas, modificar ou eliminar...

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