Acórdão nº 283/05.0GAOHP.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução10 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

1.1.

P, já devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento porquanto alegadamente incurso, segundo acusação deduzida pelo Ministério Público, na prática, em concurso real de infracções, de um crime de maus tratos e de um outro de homicídio qualificado, este sob a forma tentada, previstos e punidos através das disposições conjugadas dos artigos 152.º, n.ºs 1 e 2 [o primeiro]; 22.º; 23.º; 131.º; 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g), [o segundo] e 30.º, n.º 1, todos do Código Penal [diploma de que serão os preceitos doravante a citar, sem menção expressa da origem].

M.

, admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, deduziu também pedido de indemnização cível, visando obter a condenação do arguido a solver-lhe o quantitativo global de € 57.600,00, acrescido de juros, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência daquela assacada conduta delitiva.

Igualmente os Hospitais da Universidade de Coimbra deduziram pedido de indemnização cível tendente a obter o pagamento pelo arguido do custo com a assistência que prestaram a esta M., cujo valor computaram em € 6.568,06, a ele devendo acrescer os juros correspectivos.

Findo o contraditório, proferiu-se Acórdão, determinando ao ora relevante: - Condenar o arguido pela prática, em concurso real de infracções, de um crime de maus tratos, previsto e punido através do artigo 152.º, n.ºs 1 e 2 [vigente à data dos factos e a que actualmente – redacção resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro - corresponde o crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º, n.º 1, alíneas a) e c)], na pena de um ano de prisão e, pela prática de um crime de homicídio qualificado, sob a forma tentada, previsto e punido através dos mencionados artigos 22.º; 23.º; 131.º; e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) [hoje alínea h)], na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

Operando de imediato o cúmulo jurídico destas penas parcelares, acabou o arguido sentenciado na pena única de seis anos de prisão.

- Condenar o demandado a solver à demandante a título da indemnização reclamada, a quantia de € 18.000,00, acrescida de juros à taxa legal, então de 4% ao ano, e contabilizados desde 12 de Fevereiro de 2007.

- Mais o condenar a pagar aos Hospitais da Universidade de Coimbra, como pedido, a quantia de € 6.568,06, acrescida de juros à taxa legal, contabilizados idênticamente desde 12 de Fevereiro de 2007.

1.2. Porque se não revê no veredicto emitido, recorre o arguido extraindo da motivação ofertada as conclusões (após convite para que as completasse, ut despacho de fls. 964) seguintes: 1.2.1. Na fundamentação do aresto recorrido, consta do item 29 dos pontos de facto provados que “No decurso de um dos quatro últimos golpes, M chegou a agarrar na faca, pela parte da lâmina, ficando ferida nas mãos, de forma a evitar que P. enterrasse mais profundamente a faca no corpo dela”, sucedendo que o mesmo não constava da acusação deduzida e não teve qualquer suporte probatório no decurso da audiência.

Nesta perspectiva, incorreu o Tribunal a quo em excesso de pronúncia e, logo, preteriu o disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

1.2.2. A circunstância de o arguido, à data dos factos, ser dotado de uma personalidade com um quadro psiquiátrico dominado por alterações e perturbações de tipo passivo agressivo; sofrer de alcoolismo patológico, com dificuldades de controlo emocional, impulsividade incontrolada de que padecia; e estar convencido da infidelidade da mulher com a consequente tentativa de suicídio, neutraliza um tipo de culpa agravada, apontando antes para a emergência de um crime (tentado) de homicídio simples, previsto e punido através das disposições conjugadas dos citados artigos 22.º; 23.º e 131.º.

1.2.3. De igual modo, mostra-se provado que o recorrente sofre de imputabilidade diminuída, fundamentada nos elementos clínicos e perícia às faculdades mentais, revelando intolerância à frustração, requerendo tratamento médico continuado, dada a extensão e doença crónica de que padece.

1.2.4. Revelou sincero arrependimento pela prática dos factos ilícitos, como melhor consta dos elementos clínicos, perícia e relatório de reinserção social.

1.2.5. Este último, inclusive, requerido pelo próprio Tribunal, não foi levado em devida conta, sendo que o seu conteúdo é de expresso parecer pela aplicação ao arguido de uma medida não privativa de liberdade.

1.2.6. O recorrente não tem antecedentes criminais, estando habilitado com o 6.º ano de escolaridade e, é de modesta condição social, auferindo € 550,00 mensais.

1.2.7. O Acórdão sindicado não valorou, igualmente, a personalidade do recorrente com o alcoolismo patológico inerente e a sua agressividade se confinar ao seio intra-conjugal.

1.2.8. Como, de igual modo, não considerou suficientemente o facto de a vítima, no dia 28 de Setembro de 2005, horas antes da ocorrência do sucedido, ter apelidado o recorrente de “reles”; “bandido” e “ladrão”, sem qualquer razão ou motivo justificativo.

1.2.9. Não ficou provado o tempo que mediou a resolução de praticar o acto, sendo de rejeitar qualquer premeditação na sua prática.

1.2.10. Também se não mostra apreciada a boa aceitação do recorrente na comunidade em que se encontra inserido, e que, conjugada com tudo o demais que antecede, impunha a atenuação especial da pena a cominar-se-lhe.

1.2.11. Mostrando-se por isso adequadas as penas parcelares respectivas de três meses de prisão e de dois anos e seis meses de prisão, a que corresponderia uma pena única de dois anos e nove meses de prisão, ademais suspensa na sua execução, com subordinação a deveres de conduta que se considerassem ajustados.

Terminou pedindo que se decida em conformidade.

1.3. Notificados os sujeitos processuais visados ao efeito, respondeu o Ministério Público, sustentando o improvimento da impugnação.

Admitida, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a que fosse o recorrente convidado a completar as suas conclusões mas, em todo o caso, dever improceder o recurso.

Cumprido que foi o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, sem que fosse oferecida réplica, foi o recorrente convidado a completar as conclusões nos termos sugerido, face ao que apresentou as “novas” conclusões encimadas.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do dito inciso, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, determinou-se o prosseguimento do recurso, com recolha dos vistos devidos, o que sucedeu, bem como submissão à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.

* II – Fundamentação de facto.

2.1. No Acórdão recorrido tiveram-se por provados os factos seguintes: “1. P e M casaram, entre si, no dia 30 de….de 1992, em ….– Arganil.

  1. Desde então passaram a residir em …. Oliveira do Hospital.

  2. Sucede que, uma semana após o casamento começaram os problemas entre o casal, tendo passado a ser frequentes as discussões entre ambos.

  3. As discussões eram facilmente perceptíveis por vizinhos e pelos dois filhos do casal que, entretanto, nasceram e foram crescendo.

  4. Desde o ano de 1992 até 29 de … de 2005 que agressões de P à então sua mulher se repetiram inúmeras vezes.

  5. Inicialmente as agressões ocorriam com uma frequência de três a quatro vezes por ano, sendo que durante o Verão tais episódios eram mais frequentes.

  6. Durante todos esses anos, em datas não concretamente apuradas, P desferiu murros e pontapés em diversas partes do corpo da sua mulher M, tendo esta chegado a apresentar queixas na GNR, das quais acabou sempre por desistir, e saído de casa durante algum tempo.

  7. Em 16 de … de 2005, cerca das 21:40 horas, no interior da residência do casal, sita na Rua…., Oliveira do Hospital, o arguido, por razões relacionadas com um acidente ocorrido com o seu veículo automóvel, envolveu-se em discussão com a sua mulher, M.

  8. De seguida, desferiu-lhe vários murros e pontapés nas costas, empurrando-a de forma a fazê-la cair no chão.

  9. Quando a mesma aí se encontrava puxou-lhe violentamente os cabelos e arrastou-a pelo chão.

  10. Já após o início da agressão, M apelidou o marido de «reles» e «vil», e, visando fazê-la terminar, deu murros e pontapés ao marido.

  11. Visando que o pai interrompesse a agressão, o filho do casal TO ainda deu ao pai um pontapé nas pernas. No entanto, este só parou de agredir a mulher devido à intervenção de dois vizinhos que se encontravam no local.

  12. Nessa noite, a M juntamente com os seus filhos TO e B saíram da casa de morada de família e foram para Arganil, tendo, para o efeito tido protecção policial para evitar que o arguido os perseguisse.

  13. Ainda durante esse mês a M juntamente com os seus dois filhos foram viver para ….

  14. Em consequência dessa conduta, o arguido provocou na pessoa da sua mulher M as lesões descritas no auto de exame directo de fls. 7 e 8, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, designadamente, equimose arroxeada nos terços médio e inferior da face posterior do braço direito, equimose arroxeada no terço interior da face externa do braço direito, equimose arroxeada no terço superior da face posterior do antebraço direito, equimose arroxeada na face dorsal a nível das articulações metacarpo-falângicas do 4.º e 5.º dedos da mão direita, equimose arroxeada no terço médio da face posterior do antebraço esquerdo, equimose arroxeada no terço inferior da externa da coxa direita, equimose arroxeada no terço inferior da interna da coxa esquerda, as quais lhe determinaram um período de 6 dias de doença com incapacidade para o trabalho geral e com afectação da capacidade de trabalho profissional (6 dias).

    * 16. Em 28 de … de 2005, cerca das 16:00 horas, ML, fazendo-se transportar na viatura 29-…, propriedade do casal, acompanhada do filho mais velho, TO, dirigiu-se a casa de morada do arguido, …, Oliveira do Hospital, com o intuito de ir buscar bens de uso pessoal dela e dos dois filhos.

  15. Solicitou o arguido a presença do...

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