Acórdão nº 1279/09.8TBCTB-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução16 de Abril de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 01/09/2009 foi instaurada uma execução para pagamento de quantia certa[1] pelo Banco C…, S.A., Sociedade Aberta (doravante designado como Exequente e Apelado no contexto deste recurso) contra os seguintes Executados: M…, É…, C…, I… e F… (este último Executado ocupa, na presente instância, em conjunto com um interveniente adiante indicado, a posição de Apelante[2]).

Refere-se a execução ao valor de €204.061,97 (capital e juros), apresentando o Banco como título executivo uma livrança subscrita pelos Executados.

1.1.

No desenvolvimento desta instância executiva viria a ter lugar, efectivada pela Agente de Execução designada, a penhora de vários imóveis (no que aqui interessa de partes destes)[3], entre os quais, designados no correspondente auto de penhora como verbas 1 e 3, ambas pertencentes ao Executado F…, descritas nos seguintes termos: (a) “1/2 fracção autónoma designada pela letra ‘X’, correspondente ao 5.º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito … (verba nº 1); (b) “Fracção autónoma designada pela letra ‘P’, correspondente ao 3.º andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito … (verba nº 3).

1.2.

Notificado do referido auto de penhora, atravessou o Executado F… na execução o requerimento aqui certificado a fls. 5/7 contendo, no que respeita às mencionadas verbas 1 e 3, as seguintes informações: “[…] Foi penhorado 1/2 da fracção X, bem identificada sob o nº 1 e 1/2 da fracção P, bem identificada sob o nº 3.

1/2 das referidas fracções pertence à sua ex-mulher, E…, de quem está divorciado, sendo certo que foram compradas em comum e partes iguais, estando casado sob o regime de separação de bens.

As mesmas não admitem divisão em substância.

Sobre as metades indivisas, pertencentes ao executado, das fracções X e P, está inscrita, através da Ap.1632 de 2010/06/18, uma promessa de alienação, com eficácia real, com início em 18/06/2010, em que é sujeito activo (promitente comprador) J…, casado com C…, no regime de comunhão de adquiridos, tudo conforme se vê da descrição nº 657 e 668, freguesia de ...

Promessa que obsta ao prosseguimento da execução, face à natureza da promessa de alienação, com registo definitivo, e ao disposto no artigo 119º, nº1 do Código do Registo Predial.

[…]”.

Recaiu sobre este requerimento o despacho que se mostra aqui certificado neste apenso a fls. 15/17 (despacho datado de 29/03/2011 e com a referência citius 2437331). Este, na parte respeitante às ditas verbas 1 e 3, contém a seguinte asserção decisória: “[…] No que toca à observação efectuado pelo executado F… à penhora da verba n.º 1 e 3, defendendo que deverá ser dado cumprimento ao disposto no art. 119.º CRP atento [o] registo de promessa de alienação com eficácia real daqueles bens, reitera-se o acima exposto. Ou seja, não se verificam os pressupostos da citação a que alude o art. 119.º, n.º 1, CRP, dado que o titular inscrito de 1/2 da fracção penhorada é o próprio executado e não o promitente comprador com eficácia real. Acresce que quanto à penhora da verba n.º 1, foi a mesma sustada nos termos do art. 871.º CPC (fls. 6).

[…]”.

1.2.1.

Ainda neste contexto apresentou o Executado F… o seguinte requerimento (retemos o trecho respeitante à verba 3 aqui em causa), respondendo à Agente de Execução que o ouviu nos termos do artigo 886º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) sobre a venda: “[…] Quanto à verba nº 3: Vai arguir, perante a M.mª Juiz, a nulidade de decisão, que consiste em não ter sido efectuada a notificação do promitente comprador, J…, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 119º do C. R. Predial, em virtude de entender que tal verba não pode ser vendida, por existir registo de alienação da respectiva fracção, antes do registo da penhora, invocada pelo exequente.

Por mera cautela, propõe o valor base de €130 000,00.

[…]”.

Neste mesmo contexto apresentou o promitente comprador do imóvel em causa na verba 3 (J…[4], a pessoa como tal identificada pelo Executado F…[5]) o requerimento certificado a fls. 24/29, no qual, sob a forma de arguição de nulidade, sustenta a aplicação ao caso (dele promitente comprador) do disposto no artigo 119º, nº 1 do Código do Registo Predial (CRPred) – haveria, portanto, necessidade de o notificar nesses termos, sendo essa a nulidade alegadamente cometida – e a inaplicabilidade do artigo 903º do CPC[6]. Juntou a este requerimento o “contrato-promessa de compra e venda com eficácia real”, respeitante às partes envolvidas nas verbas aqui penhoradas.

Neste contrato, que é datado de 18/06/2010 (é, pois, posterior à instauração desta execução e à citação para a mesma do Executado F…[7]) é promitente vendedor o referido Executado e promitente comprador J..

.

1.3.

Recaiu sobre esta arguição – do promitente comprador – o despacho certificado a fls. 42 (datado de 24/05/2012, referência citius 2938294) – consubstancia este, integrado pelo despacho de fls. 15/17, a decisão objecto do presente recurso –, indeferindo a mencionada arguição de nulidade, nos seguintes termos: “[…] Uma vez que o Tribunal já se pronunciou expressamente sobre a questão entendendo que o registo de promessa de alienação com eficácia real não cria qualquer obstáculo à penhora do bem prometido vender, apenas conferindo ao promitente comprador com eficácia real um direito de aquisição oponível à execução, ou seja, a possibilidade de requerer que a venda lhe seja feita directamente, nos termos do disposto no artigo 903.º do CPC, pelo que não estamos perante a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva não se verificando qualquer irregularidade ou nulidade – cfr. artigo 201.º, n.º 1, do CPC.

Face ao exposto, sem necessidade de mais considerandos, indefere-se arguida nulidade.

[…]”.

1.4.

Inconformados – inconformado o promitente vendedor aqui Executado com o não atendimento da nulidade suscitada pelo promitente comprador e a viúva deste último, entretanto habilitada –, inconformados, dizíamos, interpuseram estes o presente recurso, motivando-o a fls. 49/63, rematando tal peça processual com as seguintes conclusões: “[…] II – Fundamentação 2.

Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos dois Apelantes – transcrevemo-las no item 1.4.

supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC[8]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Resulta das conclusões – e assim enunciamos o fundamento do recurso (trata-se, como veremos, de um fundamento estruturado em duas vertentes) – que os Apelantes pretendem a aplicação, nesta execução (e constitui a primeira vertente), ao caso do promitente comprador que seja parte numa promessa dotada de eficácia real, do regime previsto do artigo 119º do CRPred. Esta pretensão segue em paralelo (e constitui a segunda vertente), face ao entendimento do Tribunal quanto à sujeição da situação da promessa com eficácia real ao artigo 903º do CPC, à defesa da não aplicação deste, sendo que constitui elemento particular deste entendimento dos Apelantes a consideração de que esta norma (o artigo 903º) padece de inconstitucionalidade material.

O recurso estrutura-se, assim, na opção alternativa entre considerar aplicável o artigo 119º do CRPred ou o artigo 903º do CPC, sendo relevantes para apreciação desta questão o conjunto de incidências relatadas ao longo do item 1. deste Acórdão, com particular destaque para a seguinte circunstância: estando o processo agora já no dealbar da fase da venda, a penhora anteriormente efectuada incidiu, entre outros bens, sobre metades indivisas de prédios urbanos (parte de fracções de dois prédios em propriedade horizontal) inscrito em nome do Executado, sendo que este, depois de ter sido citado para a execução (mas antes da penhora), decidiu celebrar um contrato-promessa de compra e venda desse bem, atribuindo-lhe eficácia real, nos termos do artigo 413º do CC. Foi a posterior penhora – posterior relativamente ao registo da promessa – das referidas fracções (da parte do Executado nelas) que colocou aqui a necessidade de articular a venda executiva com a situação do promitente comprador titular, por via dessa eficácia real, de um “direito real de aquisição”[9] daquele bem penhorado no intuito de ulterior venda para satisfação do direito do credor enquanto Exequente.

2.1.

Como ponto de partida tomamos aqui o texto das duas normas convocadas. Começamos pela constante do Código do Registo Predial, sendo esta – o artigo 119º – a disposição que os Apelantes entendem ser a aplicável ao caso:Artigo 119º Suprimento em caso de arresto, penhora ou apreensão1 – Havendo registo provisório de arresto, penhora ou apreensão em falência de bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido ou executado, o juiz deve ordenar a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou o direito lhe pertence.

2 – No caso de ausência ou falecimento do titular da inscrição, far-se-á a citação deste ou dos seus herdeiros independentemente de habilitação, afixando-se editais pelo prazo de 30 dias...

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