Acórdão nº 693/07.8TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGUERRA BANHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: APELAÇÃO.

Decisão: REVOGADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 347 - FLS 162.

Área Temática: .

Legislação Nacional: ARTºS 897º, AL. B), 882º, NºS 1 E 2, E 905º DO CÓDIGO CIVIL.

Sumário: I - Dos preceitos dos arts. 879.°, al. b), e 882.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil decorre que, na compra e venda de imóvel ou fracção autónoma, a obrigação de entregar a coisa compreende a entrega dos documentos, relativos ao imóvel ou fracção vendida, que o vendedor tenha consigo no momento da venda e que estejam associados ao direito de fruir e dispor plenamente da coisa.

II - Entre esses documentos inclui-se, na venda de imóveis ou fracções destinadas a escritórios ou estabelecimentos comerciais, a licença de utilização, por ser documento necessário para assegurar a aptidão da coisa para o fim ou função normal a que se destina e, assim, garantir a sua plena fruição.

III - A falta da licença de utilização pode ser considerada como uma limitação que onera anormalmente o imóvel ou fracção que dela carece, mas tal limitação só é susceptível de ser invocada contra o vendedor, como vício do contrato, se, por dolo do vendedor ou por erro, a falta da licença era desconhecida do comprador no momento da celebração do contrato (art. 905.° do Código Civil).

IV - Não existe incumprimento do vendedor em relação à entrega da coisa sem a licença de utilização se as partes convencionaram que a escritura de compra e venda seria realizada após a obtenção dessa licença mas, por interesse do comprador, a escritura é realizada antes da obtenção da dita licença.

V - Neste caso, o vendedor cumpre integralmente aquela prestação se obtiver e entregar ao comprador a licença de utilização após a realização da escritura de compra e venda.

VI - Não tendo as partes estabelecido, por acordo ou judicialmente, qualquer prazo para a obtenção da dita licença, não pode o comprador responsabilizar o vendedor pela não fruição plena do imóvel no período que decorreu entra a data da escritura de compra e venda e a data em que lhe foi entregue a licença de utilização.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Proc. n.º 693/07.8TVPRT.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 12-11-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO 1. B………., LDA, com sede na cidade do Porto, instaurou, nas Varas Cíveis do Porto, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, que correu termos na ..ª Secção da ..ª Vara Cível do Porto com o n.º 693/07.8TVPRT, contra C………., S.A., com sede na cidade de Lisboa.

Pediu a condenação da ré a pagar à autora a quantia de € 63.000,00, acrescida dos juros, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Fundamentou este seu pedido alegando, em síntese, que, por escritura lavrada em 29-06-2004, no 6.º Cartório Notarial do Porto, e em execução de contratos-promessa de compra e venda celebrados em 18-02-2002 e 23-10-2003, a ré vendeu à autora duas lojas, correspondentes às fracções autónomas designadas pelas letras "C" e "D" do prédio urbano, constituído no regime de propriedade horizontal, designado por "D………." (D1……….), sito na Rua ………., freguesia da ………., concelho do Porto; que, na data da realização daquela escritura, a ré ainda não tinha obtido a licença de utilização das duas fracções vendidas à autora e do edifício, mas exibiu o duplicado do pedido dessa licença apresentado na competente Câmara Municipal no dia 19-04-2004 e fez constar da escritura uma declaração dizendo, além do mais, "que a construção se encontra concluída … e que o pedido de utilização não foi indeferido …" e assumindo-se responsável pela obtenção da licença de utilização e pelos danos causados à compradora e a terceiros se aquelas declarações não fossem verdadeiras; que, porém, o pedido da licença de utilização foi por duas vezes indeferido, em resultado de vultosas alterações feitas pela ré ao projecto de arquitectura que estava aprovado sem que tivessem sido submetidas a prévia aprovação da Câmara, e, por esse motivo, a licença de utilização só veio a ser concedida em Julho de 2006, depois de regularizadas aquelas alterações; tal atraso impediu a autora de dar cumprimento a um contrato-promessa de arrendamento das duas lojas que tinha celebrado com a E………. em 25-11-2003, o qual só pôde ser concretizado em 01-08-2006, mas com perda das rendas dos meses de Setembro a Dezembro de 2005, de todo o ano de 2006 e dos meses de Janeiro a Maio de 2007, no valor total de 63.000,00€. Sendo este o valor do prejuízo que imputa à ré.

A ré contestou por impugnação, atribuindo, em síntese, à falta de diligência e de colaboração da autora o atraso na obtenção da licença de utilização das fracções e os eventuais prejuízos que daí lhe advieram.

Realizada a audiência de julgamento e decidida, por despacho a fls. 336-341, a matéria de facto controvertida que constava da base instrutória, foi proferida sentença, a fls. 344-358, que julgou a acção procedente por provada e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 63.000,00, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

  1. A ré apelou dessa decisão, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: 1.º - A apreciação crítica dos factos provados importa, desde logo, num conjunto de conclusões factuais que a Meritíssima Juiz a quo deveria [ter] considerado e não fez.

    1. - Nomeadamente, (i) em que a celebração da promessa de compra e venda relativa à loja . não assentou em qualquer interesse no subsequente arrendamento à E……….; em que a determinação do conteúdo da promessa de arrendamento, respectivos aditamentos não teve a intervenção ou o conhecimento prévio da Ré; (iii) em que o contrato promessa de arrendamento foi celebrado entre a Autora e a E………. com o pleno conhecimento de ambas de que não existia licença de utilização e sem que a Ré, naquela oportunidade, tenha dado qualquer indicação do prazo em que seria obtida a licença de utilização; (iv) em que a escritura pública de compra e venda foi outorgada após o termo do prazo fixado para a celebração do contrato prometido de arrendamento, tendo a Autora manifestado vontade de outorgar a escritura nessas condições e sem que a Ré tenha, nessa oportunidade, dado qualquer indicação do prazo em que seriam obtidas as licenças de utilização; e (v) em que a Autora não promoveu a prática de actos necessários à emissão da licença de utilização.

    2. - Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, a falta de licença de utilização do imóvel vendido só pode ser considerado venda de bem onerado se não for conhecida do comprador ou se for aceite com reserva.

    3. - No caso em apreço, a Autora tinha perfeito conhecimento da limitação que onerava as lojas em apreço, tendo manifestado vontade de outorgar a escritura pública de compra e venda com essa limitação e sem que dos factos provados transpareça alguma previsão então dada pela Ré a esse respeito, pelo que não aqui aplicável o regime instituído nos arts. 905.º e ss. do Código Civil que serve apenas para defender os compradores que desconheciam as limitações da coisa.

    4. - Se se entendesse que aquele regime jurídico é aqui aplicável, a indemnização que eventualmente fosse devida à Autora não poderia incluir o valor das rendas que deixou de auferir, seja porque se considerasse que a Ré actuou com dolo, seja porque se considerasse que a Autora estava apenas em erro, atento o disposto nos arts. 908.º e 909.º do Código Civil.

      6.ª - Reconduzido o caso ao regime da responsabilidade contratual geral, nomeadamente ao do cumprimento defeituoso, temos que, o cumprimento defeituoso pressupõe que o credor recebeu a prestação por desconhecer a inexactidão de que ela padecia ou, conhecendo essa desconformidade, a aceitou com reserva, pelo que, também aqui, o prévio conhecimento pela Autora do defeito invocado e a outorga da escritura sem reservas sanaram o eventual defeito de cumprimento. 7.º - Também à luz dos requisitos gerais da responsabilidade contratual, falta, desde logo, o da ilicitude, posto que não existiu na conduta da Ré uma qualquer desconformidade em relação à conduta que a Ré contratualmente se havia obrigado a prestar à Autora, sendo certo que essa apreciação tem necessariamente de ser efectuada em função da escritura pública de compra e venda celebrada entre Autora e Ré (ou em função dos contratos-promessa de compra e venda eventualmente).

    5. - Na verdade, a Ré outorgou a escritura pública prometida em execução dos contratos-promessa, em termos considerados perfeitos pela Autora que a subscreveu e não apôs qualquer reserva; e relativamente à obtenção da licença de utilização – cuja inexistência era do conhecimento da Autora –, a Ré não se obrigou a obtê-la em qualquer prazo previamente acordado com a Autora, tendo-lhe entregue a respectiva cópia logo que a obteve.

    6. - Falta igualmente o requisito do nexo de causalidade, uma vez que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (ou o incumprimento, no caso da responsabilidade contratual).

    7. - Esta fórmula corresponde ao acolhimento da teoria da causalidade adequada, que impõe ao juiz a apreciação da adequação ou da probabilidade objectiva do dano ou prejuízo atendendo às circunstâncias conhecidas pelo agente e às circunstâncias cognoscíveis por um observador experimentado no momento da prática do facto.

    8. - Ora, no caso em apreço, há a reter que, no momento da outorga da escritura pública com imputado defeito de direito da coisa (2004), não era do conhecimento da Ré, nem lhe era possível conhecer, a probabilidade de, em 2005, a E………. vir pretender alterações às lojas, de vir a exigir o que quer que fosse à Autora ou que a Autora viesse a acordar com a E………. na dispensa de 5, 10, 15, 20 ou 30 rendas, pelo que não há causalidade adequada entre a dispensa das rendas livremente negociada pela Autora e o imputado cumprimento defeituoso pela Ré.

    9. - Acresce que...

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