Acórdão nº 80/08.0PTVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 292º,Nº1 E 69º,Nº1 DO CP, 127º E 344º,Nº2, 374º,Nº2 E 379º,Nº1 DO CPP; DL N º291/90 DE 20/09, DL 192/2006 DE 25/09 E PORTARIAS Nº 784/94 DE 13/08 E Nº1556/07 DE 10/12 Sumário: 1.Confessada integralmente e sem reservas a conduta, e tendo o tribunal afirmado que baseou a sua convicção, entre outros pontos, nessa mesma confissão e no exame quantitativo ao teor de álcool no sangue, no sangue, basta para fundamentação factual num crime de tal natureza, aliás de acordo com o estabelecido no artigo 344º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal.

  1. Não se torna necessário que o arguido tenha consciência do teor exacto da taxa de álcool no sangue, sim que tenha consciência de que ingeriu bebidas alcoólicas e que a taxa respectiva – a apurar apenas por métodos científicos ou técnicos com quantificação desconhecida a priori e de impossível quantificação por convencimento pessoal ou crença – tem um significado normativo claro. Isto é, para afirmar o dolo e a consciência da ilicitude é aqui essencial ver o facto como realidade normativa e não como realidade naturalística.

  2. Os aparelhos já aprovados e fiscalizados dão garantia de “qualidade” metrológica, isso quer dizer que cumprem padrões de rigor apertados que o legislador entendeu suficientes para o seu uso e para, inclusive, a definição quantitativa de ilícitos contra-ordenacionais e criminais.

  3. Assim, quer a Portaria 784/94, quer a Portaria 1.556/07, regem, exclusivamente, a área da metrologia legal e a sua vigência destina-se a regulamentar a aprovação de aparelhos de medição, não contendo comandos que sejam operativos para lá dessa específica realidade.

  4. O seu campo de actuação – como o dos EMA previstos - esgota-se na actividade de aprovação e verificações do aparelho e não pode ser transposto para a audiência de julgamento.

  5. Assim, ao Tribunal cabe apenas certificar-se que os aparelhos utilizados pelas forças de segurança estão aprovados e regularmente verificados, sem prejuízo dos seus poderes de análise face à concreta conformação dos factos surgidos em audiência de julgamento e à aplicação das regras de apreciação da prova e do regular exercício do contraditório. Mas isto em concreto, que nunca por apelo a um hipotético e abstracto “erro máximo admissível” que não pode continuar a ser confundido com “margem de erro” para efeitos de apreciação concreta dos factos.

  6. Nada obsta a que o RIC seja considerado pelo tribunal como elemento de registo de relevo no apurar do comportamento estradal anterior do arguido.

  7. O prazo de validade do registo individual do condutor inicia-se após o terminus do prazo de execução das sanções aplicadas.

Decisão Texto Integral: A - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – 1º Juízo Criminal - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual o arguido R solteiro, filho de A e de M., natural da freguesia de… concelho de Viseu, nascido a 27 …. de 1983, vendedor, residente… Viseu, titular do Bilhete de Identidade n.º, emitido em …./…/27, pelo Arquivo de Identificação de Viseu, foi condenado, como autor de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º/1 do Código Penal, na pena de 105 (cento e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 6 (seis euros) (cfr. artigo 47.º/2 do Código Penal), ou seja, na multa de € 630 (setecentos e vinte euros), fixando-se em 70 (setenta) dias de prisão a respectiva prisão subsidiária (artigo 49.º/1 do Código Penal) e, de acordo com o disposto no artigo 69.º/1, a) do Código Penal na pena acessória de proibição de condução de quaisquer veículos motorizados pelo período de 6 (seis) meses.

* A final recorreu o arguido da sentença proferida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: I)Não foi produzida qualquer prova pela acusação, designadamente não se fez qualquer prova da consciência da ilicitude, sendo certo que a essa consciência não se presume.

II) Da confissão integral e sem reservas, efectuada pelo arguido em audiência de julgamento, apenas resulta, como confissão de que "terá bebido e conduzido" e nunca de que conduzia com uma determinada taxa de álcool no sangue e que assim deverá ter-se como confessado o valor de 1,35 gr/1.

III) Aquela confissão não pode abranger factos que estão fora do circulo de conhecimentos do arguido, factos que só operações técnicas de medição podem determinar e que escapam ao conhecimento e vontade do arguido.

IV) O objecto da confissão apenas se pode restringir validamente ao facto de conduzir, de ter ingerido álcool, de ter sido submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue e de este ter acusado determinada taxa, o valor concreto desta taxa é algo que está fora da extensão admissível da confissão.

  1. Não se provando a consciência da ilicitude do facto o arguido deveria ter sido absolvido. Sem conceder, VI) A contra-prova não foi efectuada no mais breve curto prazo de tempo possível.

    VII) O tempo de verificação da concentração de álcool no sangue, como o tempo de verificação do seu processo de eliminação influencia a respectiva verificação da taxa.

    VIII) O processo de avaliação de grau de alcoolemia é composto por uma fase ascendente, em que o organismo vai concentrando o álcool no sangue, seguido de uma fase descendente em que a concentração depois de atingir o seu máximo, inicia o processo de eliminação do álcool no sangue, diminuindo progressivamente a concentração.

    IX) O processo de absorção é influenciado pela presença e o tipo de comida que se encontra no tracto gastrointestinal quando o álcool é consumido.

  2. O arguido vinha de um jantar com amigos.

    XI) Tendo em conta os resultados dos exames de pesquisa de álcool no sangue efectuados e que constam dos autos, o tempo de intervalo entre ambos os exames, o processo de absorção do álcool no sangue e o princípio constitucional "in dúbio pro réu", necessariamente se teria que concluir que a taxa de alcoolemia de 1,24 gr/I apurada no primeiro exame seria aquele que mais se aproximaria da realidade.

    XII) Sendo certo que a este valor de 1,24 gr/I sempre teríamos que deduzir 8% ao valor apresentado pelo aparelho que realizou o teste ao arguido, de acordo com a taxa de EMA definida na Portaria 1556/2007, daí resultando que o valor de taxa de álcool no sangue seria de 1,14 gr/I, não se verificando o elemento típico de ilícito previsto no artigo 2920 do Código Penal. À CAUTELA XIII) A pena aplicada ao arguido sempre se reputará de exagerada, dada a confissão, a inexistência de consequências pessoais ou patrimoniais, as condições económicas e profissionais do arguido o facto de ser "condutor prudente, pessoa cumpridora das regras de circulação rodoviária, sendo pessoa responsável, trabalhadora, respeitada, respeitadora e socialmente inserida e bem comportada, devendo a mesma ser aplicada pelo mínimo. Igualmente, XIV) A sanção acessória mostra-se exagerada e desajustada.

    XV) O averbamento ao RIC efectuado em consequência da decisão de 10-11-… do 1 ° Juízo Criminal do Tribunal de Viseu não é válido e, consequentemente, nunca deveria ter sido o arguido considerado como reincidente.

    XVI) O Dec. Lei 105/2006 de 07 de Junho que veio dar nova redacção ao regime do RIC (Dec.Lei 317/94 de 24.12) e que aumentou o anterior prazo de três anos para cinco anos, relativamente ao cancelamento dos averbamentos das infracções daquele RIC, não pode ter aplicação no presente processo (a sentença em causa, transitou em julgado em Janeiro de … e, por isso, muito antes de 13 de Junho de 2006, data da entrada em vigor daquela nova redacção) por se tratar de tratamento mais favorável ao arguido, sob pena de violação do disposto no artigo 29° nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

    XVII) Inexistindo reincidência, sempre a sanção acessória de inibição de conduzir, atentos os factos provados, deveria ter sido aplicada pelo mínimo (3 meses).

    XVIII) A sanção acessória aplicada, tendo em conta os factos dados como provados, é assim demasiadamente gravosa e desmotivante para o arguido, quer em termos pessoais quer em termos profissionais, colocando em risco sério a sua vida familiar e profissional.

    XIX) Foram violados, entre outros os artigos 69°, 71°, 72°, n? 2, alíneas c) e d) e 292°, todos do Cód. Penal, 379° e 410° nº 2 do C.P.P., 29° nº 4 da CRP e art° 10° do Dec. Lei 317/94 de 24.12.

    Termos em que, deve ser revogada a douta sentença proferida e em consequência o arguido absolvido do crime porque foi condenado.

    Caso assim se não entenda, o que só por mera hipótese académica se admite, deverá a multa e a sanção acessória da inibição de conduzir serem reduzidas ao mínimo legal.

    * O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Viseu respondeu às alegações do recorrente, apresentando doutas motivações.

    O Exmº Procurador-geral Adjunto neste tribunal emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

    * Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais.

    * B - Fundamentação B.1 - Resultaram provados os seguintes factos: 1) No dia … de… de 2008, cerca das 06:45 horas, o arguido foi fiscalizado por elementos da P.S.P.-D.T. de Viseu, em missão de fiscalização rodoviária, quando circulava pela Avenida Infante D. Henrique, Viseu, via aberta à circulação pública de trânsito rodoviário, da área desta cidade e comarca de Viseu, conduzindo o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula ….ON, submetendo o arguido ao “teste do balão” (aparelho SD-2), que revelou a presença de álcool no sangue superior aos valores legalmente admissíveis;---- 2) Na sequência dessa fiscalização, foi o arguido submetida ao exame de pesquisa de álcool no sangue, através do aparelho “DRÄGER”, modelo 7110MKIII P, n.º ARTL-0079, aprovado pelo I.P.Q. e autorizado pela D.G.V., tendo acusado uma taxa de álcool no sangue (T.A.S.) de 1,24 gramas por litro;------ 3) Requereu, então, contraprova, através de análise...

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