Acórdão nº 554/08.3PAVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Julho de 2009
Magistrado Responsável | MARIA DO CARMO SILVA DIAS |
Data da Resolução | 01 de Julho de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
(proc. n º 554/08.3PAVNF.P1)* Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: *I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial de V. N. de Famalicão, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº 554/08.3PAVNF do 1º Juízo Criminal (Juízos de Competência Criminal) foi proferida sentença, em 28/11/2008 (fls. 87 a 94), constando do dispositivo o seguinte: Pelo exposto, e ao abrigo dos citados preceitos legais, julga-se procedente a acusação e, em consequência:
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Condena-se o arguido B................. pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153 nº 1 do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à razão diária de 10 (dez) euros, no montante global de 400 (quatrocentos) euros.
Mais condeno o arguido nas custas do processo, fixando-se em 3 UC o valor da taxa de justiça devida (acrescida de 1% nos termos do art. 13 nº 3 do Decreto-Lei nº 423/91, de 30.10) e em 1/2 de procuradoria a favor do S.S.M.J. (cfr. arts. 74, 82, 85 nº 1-b) e 95 do CCJ e 513 do CPP).
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Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo C.................. e, em consequência, condena-se o demandado a pagar ao demandante a quantia de 700 (setecentos) euros, absolvendo-se o demandado do demais peticionado.
Custas deste pedido por demandante e demandado na proporção do decaimento.
(...)*Não se conformando com essa decisão, o arguido B................. dela interpôs recurso (fls. 101 a 110), formulando as seguintes conclusões: «1. Resultou provado que o arguido proferiu a seguinte expressão: "ou paras com isso com a minha mãe ou ponho-te sem conserto". Salvo melhor opinião, a expressão em causa "ou paras com isso com a minha mãe ou ponho-te sem conserto" não poderá, nunca, ser considerada uma ameaça.
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Assim, mal andou o tribunal a quo na qualificação jurídica dos factos dados como provados.
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Tal expressão, não é susceptível ou adequada a causar medo ou inquietação; trata-se de uma expressão típica de uma situação de conflito, mas que não tem a carga ameaçadora séria e credível que a lei pretende punir através do artigo 153 nº 1 do Código Penal.
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Como escreve o Professor Taipa de Carvalho - in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo (pág. 348), "o critério de adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do "homem comum"); individual, no sentido de que deve relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das "sub-capacidades" do ameaçado)".
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No que se refere às circunstâncias em que a expressão em causa foi proferida, resultou provado que tal expressão foi proferida num contexto de desavenças familiares anteriores entre a mãe do arguido e o ofendido e a sua esposa (vide 2. da matéria de facto provada).
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Quanto à personalidade do agente, o próprio ofendido diz "eu fiquei assim a olhar para ele, e há outra coisa, eu admira-me da religião que ele é, e da religião que ele anda, admira-me ele fazer isso" - cfr. 01:55 até 02:09, do depoimento do ofendido.
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De facto, e conforme ficou provado em audiência de julgamento, (cfr. depoimentos do arguido, desde 10:11 até 11:12, bem como das testemunhas D.............., desde 05:24 até 06: 12, E.............., de 10:15 até 10:28, F.............., todo o depoimento, e G................, todo o depoimento), o arguido é Testemunha de Jeová, e de forma activa divulga a sua religião, a qual se rege por princípios muito rígidos de conduta. O Tribunal a quo, ao avaliar a personalidade do arguido, não valorou devidamente os depoimentos das testemunhas citadas.
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Quando o ofendido diz, em audiência, "eu fiquei assim a olhar para ele, e há outra coisa, eu admira-me da religião que ele é, e da religião que ele anda, admira-me ele fazer isso", o ofendido sabia perfeitamente que o arguido não tinha qualquer intenção de cumprir com o mal constante da alegada ameaça.
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Com tal expressão, o arguido quis proferir, não uma ameaça, mas um aviso ao ofendido. É o próprio ofendido, C.................., que, não raras vezes, durante o seu depoimento, refere que o arguido lhe fez um aviso. Vejamos: -04:24 - "veio-me dar o aviso, mais nada" -07:12 - "ele veio à minha beira, deu-me o aviso..." -07:36 - "ele veio-me só dar o aviso" -11:17 - "ele para me avisar não demora dois minutos, nem três" -12:29 - "eu na minha maneira de ver, ele de certeza que veio-me avisar por causa da mãe" -15:20 - "ele estava a dar-me o aviso".
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O arguido não sabia que esta sua conduta era proibida e punida por lei. A lei não comina com o crime de ameaça aquela que avisa outrem de uma determinada situação.
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Tal expressão não poderá, igualmente, ser considerada uma ameaça, pelo seguinte: analisando linguisticamente (gramaticalmente) a frase em apreço, "ou paras com isso com a minha mãe ou ponho-te sem conserto", facilmente se percebe que se trata de uma expressão condicional.
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A jurisprudência tem entendido que o crime de ameaça, para além de exigir a cominação de um mal futuro, não se compadece com a subordinação da concretização do mal ameaçado a uma condição dependente da vontade do próprio ameaçado - cfr. Ac. da Relação do Porto de 19/06/2002, proc. nº 0110909.
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A inevitabilidade do mal ameaçado tem de aparecer como dependente da vontade do agente, sendo esta que distingue a ameaça do simples aviso ou advertência.
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Destarte, no caso concreto, se o arguido anuncia ao ofendido um mal que não depende do seu querer, da sua vontade, tal não passará de um aviso, ou uma advertência, não sendo o mero aviso susceptível, por si só, de perturbar a liberdade de decisão e de acção do visado. Propondo-se, apenas, com tal expressão, consciencializar a pessoa visada de eventuais consequências do seu comportamento ou atitude, chamando-o à razão.
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Ora, a expressão "ou paras com isso com a minha mãe ou ponho-te sem conserto", configura não um crime de ameaça mas um aviso com a subordinação do mal ameaçado na dependência do comportamento do ofendido C..............
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Para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito previsto no artigo 153 do Código Penal, não basta o anúncio de um qualquer mal futuro. Nem todos os factos socialmente danosos constituem crimes, mas tão só os que o legislador tipificou como tais, por considerá-los de tal modo graves para a vida social que justificam a sanção penal para quem os praticar.
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O Direito Penal rege-se por princípios, entre os quais merece destaque o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade, isto é, o Direito Penal só deverá intervir quando essa intervenção for essencial para a protecção dos bens jurídicos fundamentais, sendo, ainda, de notar, que a vulgarização da intervenção penal para tutela de interesses que, pese embora socialmente incorrectos, não são essenciais para a vida em comunidade, enfraquece a sua força preventiva de protecção de valores sociais absolutamente fundamentais.
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Ora, não constituindo a expressão em causa "ou paras com isso com a minha mãe ou ponho-te sem conserto" mais do que um aviso cuja concretização depende do comportamento do próprio ofendido, forçoso se torna concluir pelo não preenchimento do tipo legal do crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153 nº 1 do Código Penal. Decorre do exposto que o arguido deve ser absolvido da prática do crime que lhe é imputado.
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O tribunal a quo violou, pois, o art. 153 nº 1 do Código Penal, subsumindo ao crime de ameaça uma expressão que não é adequada a produzir tais efeitos.
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Sendo que essa conduta não preenche o ilícito penal por que foi condenado, também não integra o ilícito civil susceptível de gerar o dever de indemnizar. Nos termos do PIC junto aos autos, o ofendido refere que "ao dirigir-se ao demandante dizendo "ou paras com isso com a minha mãe ou ponho-te sem conserto", o demandado provocou na pessoa do demandante um extremo temor de vir a ser agredido fisicamente por aquele. Com efeito, perante o tom de tal ameaça o demandante ficou receoso e temeu pela sua vida e integridade física... perspectivado no medo de, dado haver sido ameaçado, sentir um constante receio que o mal prometido se venha a verificar. O que se consubstancia num elevado dano moral e efectivamente merece tutela".
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Nos termos já expostos, a expressão em causa não é susceptível de configurar, por parte do arguido, o crime de ameaça. Dado que o ofendido baseou o seu pedido de indemnização civil na "ameaça", e não em qualquer outro motivo, nomeadamente a responsabilidade extracontratual ou pelo risco, deverá o arguido ser absolvido do pedido de indemnização civil de que vem condenado." Termina pedindo o provimento do recurso, com a sua consequente absolvição da acção penal e do pedido de indemnização civil.
*Na 1ª instância, o MºPº respondeu ao recurso (fls. 115 a 119), pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da...
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