Acórdão nº 520/03.5PTPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 01 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução01 de Julho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. n.º 520-03.

Porto.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto No .º Juízo Criminal do Porto, entre o mais que agora irreleva, foi decidido: Julgar a acusação improcedente e em consequência, absolver o arguido B.......... da prática dos crimes de que vinha acusado.

Julgar o pedido de indemnização cível parcialmente procedente e em consequência condenar os demandados Fundo de Garantia Automóvel e B.......... a pagarem, solidariamente, à demandante C.........., o montante global de 2.729,00 €, referente 229,00 € a danos patrimoniais e 2.500,00 € de danos não patrimoniais, no mais absolvendo os demandados. A esta quantia acrescem os juros legais à taxa legal anual, contados desde a notificação da demandada para os termos do pedido cível até efectivo pagamento.

Inconformado com a condenação no pagamento de indemnização cível o arguido/demandado interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: 01. Apesar de ter sido absolvido dos crimes de que vinha acusado - pois não ficou provado que era o arguido o agente dos factos ilícitos pelos quais vinha acusado - o ora Recorrente foi condenado a pagar, solidariamente com o Fundo de Garantia Automóvel, a quantia de 2.729,00€ à demandante.

  1. O Recorrente não se conforma com esta condenação, considerando que o Tribunal a quo, para além de ter incorrido em erro de apreciação da prova testemunhal, inteligiu mal o direito aplicável.

    Erro de direito 03. O erro de direito que se assaca à Sentença a quo prende-se com a decisão nela constante de que devia "convolar-se o pedido na presente acção para a responsabilidade objectiva nos termos dos artigos 483, nº2, 499º e 503º, nº1 do Código Civil" 04. Ora, tal "convolação" não é admitida pelo ordenamento jurídico, como resulta do princípio da adesão no processo penal e da natureza, necessariamente ilícita, do facto que preenche a causa de pedir da indemnização cível que é enxertada no processo penal.

  2. Ou seja, e como tem sido recorrentemente decidido em casos similares aos dos autos em processo penal não há lugar a condenação em indemnizações com base em responsabilidade pelo risco.

  3. No artigo 71º do Código de Processo Penal consagra-se a conexão necessária e obrigatória entre a acção civil e a acção penal, estabelecendo-se uma verdadeira "dependência processual" do pedido de indemnização civil perante o processo penal - deste modo, o pedido de indemnização fundado na prática de um crime deve, sempre e impreterivelmente, ser formulado no processo penal respectivo.

  4. Articulado este preceito com o que dispõe o artigo 377.º do Código de Processo Penal, resulta que a sentença penal apenas tem que apreciar e decidir o pedido de indemnização civil baseado em danos provocados pela prática do crime que constitui objecto da acção pena.

  5. Isto porque o pedido de indemnização civil a deduzir no processo penal tem necessariamente por causa de pedir o facto ilícito criminal, ou seja, os mesmos factos que constituem também o pressuposto da responsabilidade criminal 09. Ou seja, a responsabilidade civil a apreciar em sede de processo penal é tão somente aquela que emerge de uma conduta danosa que consubstancie violação, com dolo ou mera culpa, do direito de outrem, ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, ou seja, a responsabilidade extra-contratual prevista no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil.

  6. Ora, a condenação em crise funda-se num plano absolutamente alheio à ilicitude e à culpa, estribando a causa de pedir em factores sociais objectivos, "in casu", os riscos de circulação inerentes à condução de veículos automóveis - artigo 503.º do Código Civil.

  7. Acresce que a decisão sobre o pedido de indemnização civil versará sempre e impreterivelmente sobre os factos fixados na acusação que constituíram o objecto do processo-crime, bem como sobre aqueles que serviram de fundamento ao pedido de indemnização civil conexa com a responsabilidade criminal que aqueles factos implicariam, se provados.

  8. Ora, o pedido de indemnização civil formulado pela Demandante encontra-se alicerçado no crime imputado ao Arguido no libelo acusatório; ou seja, o pedido cível, tal como é configurado pelo demandante, radica na actuação ilícita do Arguido, geradora da sua responsabilidade criminal, em tempo algum alegando a demandante que a propriedade do veículo dos autos era propriedade do ora Recorrente.

  9. Nesta conformidade, e uma vez que a responsabilidade pelo risco não tem, nem pode ter, como "causa petendi" o facto ilícito típico, a condenação do Demandado com fundamento em tal responsabilidade objectiva necessariamente conduziria a uma alteração da causa de pedir, pelo que a Sentença a quo viola ainda o princípio da estabilidade da instância, previsto no artigo 268.º do Código de Processo Civil.

  10. Decorrentemente, a sentença a quo não só é legalmente inadmissível na parte em que condena o Demandado, como está ferida de nulidade, porquanto, ao condenar em responsabilidade pelo risco, assenta a sua decisão em causa de pedir não invocada e condena em objecto diverso do pedido 15. O Tribunal a quo andou mal ao pronunciar-se sobre uma eventual obrigação de indemnização com fundamento na responsabilidade objectiva, pois que tal extravasa claramente os seus poderes de cognição no âmbito do processo penal, como resulta da correcta interpretação e aplicação das disposições legais contidas nos artigos 483.º e 503.º do Código Civil, 129.º do Código Penal, 71.º e 377.º do Código de Processo Penal, e 268º, 272º, 273º e 668º, 1 d) e e) do Código de Processo Civil.

  11. Em suma o processo penal é o meio inadequado para conhecer do pedido de indemnização baseado na responsabilidade objectiva ou pelo risco resultante da utilização de veículos, deve a sentença a quo ser revogada e o ora Recorrente absolvido do pedido cível.

    Erro de facto 17. Mesmo a prevalecer a tese defendida na Sentença a quo e a ser de aplicar a responsabilidade objectiva ao caso dos autos, o demandado não tinha a direcção efectiva do veículo na data do acidente.

  12. O Demandado provou, quer documentalmente quer através da prova testemunhal que o automóvel causador do acidente esteve na sua esfera patrimonial do ora Recorrente por escassos 20 dias, tendo sido vendido no dia 15/09/2003 a D.......... (vide fls. 243 dos autos).

  13. O Tribunal a quo, em face desse documento e perante o óbito dessa pessoa - que foi arrolada como testemunha de defesa - não deu credibilidade ao documento junto, considerando que se tratava "de um mero expediente utilizado pelo Arguido para afastar a sua responsabilidade".

  14. Ora, a declaração em causa é absolutamente idêntica às demais dos autos que demonstram a cadeia de transmissão do veículo que foi apurada em inquérito e através das quais (e de mais nenhum meio de prova) veio o Ministério Público a produzir a acusação; 21. E mais, caso fosse um "mero expediente...", o Arguido demandado não teria arrolado como testemunha o comprador do automóvel, nem teria requerido, como requereu a 12 de Maio de 2008, que a testemunha fosse localizada para vir depor, o que fez em face da notificação datada de 30-04-2008 que dava conta da impossibilidade de notificar D.......... por endereço insuficiente.

  15. Equivale isto por dizer que o Tribunal a quo, não fundamentou convincentemente a razão pela qual desconsiderou um elemento probatório idêntico aos demais dos autos e que levaram a que fosse o ora recorrente, e não um qualquer desconhecido, viesse a ser acusado da prática dos crimes dos autos.

  16. Sucede que a testemunha E.........., como se demonstrou com recurso a excertos gravados do seu depoimento, credível e com razão de ciência, logrou provar a factualidade alegada na contestação.

  17. Fundamentalmente ressalta do seu depoimento que o Recorrente vendeu o carro por o mesmo, ter problemas mecânicos que a própria testemunha detectou, um ou dois dias após o Demandado ter adquirido o veículo dos autos.

  18. Por último, percebe-se que a convicção do tribunal a quo quanto à propriedade do veículo adveio do documento junto a fls. 340 e que constitui uma notificação policial, supostamente rubricada pelo ora Recorrente, em que o seu subscritor declara, em data posterior à do acidente, que o veículo em causa era propriedade do Arguido.

  19. Sucede que, perante tal documento o ora Recorrente, logo que teve conhecimento de que a autoria dessa declaração lhe era imputada, impugnou a rubrica dele constante, o que fez por requerimento ditado para a acta.

  20. Sucede que apesar da impugnação da autoria do documento, e de mais nenhum elemento probatório (para além da declaração de fls. 19 que se admite ser verdadeira, mas com idêntico valor à de fls. 243) apontar para a propriedade do veículo, o Mmo. Juiz a quo considerou despicienda a perícia sugerida, invocando o princípio da livre apreciação da prova - acabando por erigir tal documento a prova única da putativa direcção efectiva do veículo.

  21. Ora, perante o facto de a mesma vir rubricada e não assinada conforme o B.I., perante o de nela não constar a data de emissão desse documento, perante o facto de na mesma notificação não vir referido que a assinatura e identificação do subscritor do mesmo tenha sido feita perante a exibição do bilhete de identidade, ao contrário do que se depreende da Sentença recorrida, sempre restará a dúvida - que o recorrente quis esclarecer disponibilizando-se a prova pericial - de que terá sido outrem, conhecedor do número do nº do seu B.I., quem se fez passar pelo demandado.

  22. Tanto mais que esse documento, salvo o devido respeito, não foi valorado no conjunto da prova produzida, mas sim erigido a principal meio de prova para a condenação na indemnização cível que se espera ver revogada.

  23. Pelo que deve ser dada resposta diversa aos pontos 1 e 26 do...

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