Acórdão nº 2049/2007-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelROQUE NOGUEIRA
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1 - Relatório.

A intentou, em 23/10/98, acção declarativa constitutiva, sob a forma ordinária, contra a B, C e D, alegando que a ré B adquiriu a fracção autónoma comercial, designada pela letra «C», correspondente ao rés-do-chão (com sobreloja) do prédio urbano que identifica, em venda judicial realizada em 9/11/87, no âmbito de uma execução fiscal movida contra os 2ºs réus.

Mais alega que, naquela data, como agora, a referida fracção estava arrendada ao autor e que este, ao ser citado, em 24/4/98, para uma acção de despejo que a B intentou contra si, é que teve conhecimento da forma e natureza da venda, do preço do bem, das condições de pagamento e demais encargos da venda.

Conclui, assim, que devem os réus ser condenados a reconhecer ao autor o direito de preferência na venda efectuada à B da aludida fracção, e, consequentemente, que se declare que a mesma se encontra vendida ao autor, por este ter direito a havê-la para si.

A ré B contestou, alegando que o autor, como inquilino, teve conhecimento da penhora, e que a própria venda foi publicitada por anúncios em jornais e por edital colocado no edifício a vender.

Mais alega que o autor, em 19/3/92, solicitou indicação do nome da pessoa a quem deveria pagar a renda, e que, em 19/2/97, fez à B uma proposta de aquisição do imóvel.

Alega, ainda, que, de todo o modo, o tribunal cível é incompetente para conhecer da questão colocada, pois que tal competência pertence ao tribunal tributário de 1ª instância de L....

Conclui que deve considerar-se provada a excepção da incompetência do tribunal ou, então, que deve a acção ser havida como improcedente.

O autor respondeu, concluindo pela improcedência das alegadas excepções e pela procedência da acção.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção dilatória invocada pela ré B e se procedeu à selecção da matéria de facto relevante considerada assente e da que passou a constituir a base instrutória da causa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção improcedente.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação daquela sentença.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 - Fundamentos.

2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos: 1 - A propriedade da fracção autónoma designada pela letra "C" correspondente ao rés-do-chão letra "C" do prédio urbano sito na T...e Rua ... freguesia de A, descrita no Conservatória do Registo Predial de A sob o n°.. inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ..., encontra-se registada desde 26/01/1993 a favor da ré B S.A. por arrematação em consequência de execução (inscrição G-2 Ap....)-al.A).

2 - No âmbito do processo de execução fiscal n.° ... instaurado contra os réus C e D foi penhorada, em 28/07/1986, a fracção autónoma descrita em A) para pagamento da quantia proveniente de execução que a Fazenda Nacional moveu aos réus - al.B).

3 - No âmbito da execução fiscal referida em B), foi afixado em 12/10/1987 o edital (cópia de fls. 154, que dou por integralmente reproduzida) informando que no dia 9 de Novembro de 1987 iria proceder-se à arrematação em hasta pública da fracção autónoma descrita em A) - al.C).

4 - No âmbito da execução fiscal referida em B), a ré B S.A. arrematou a fracção autónoma descrita em A) pela importância de € 22.445,91 (4.500.000$00) - al. D).

5 - No dia 07/05/1986, compareceram no 1° Cartório Notarial de A.... D e mulher C e A, declarando os primeiros darem de arrendamento, ao segundo, a fracção autónoma descrita em A) pelo prazo de um ano, renováveis por iguais períodos, para o exercício da actividade de cervejaria, restaurante e "snack-bar" mediante a contrapartida monetária de duzentos e setenta mil escudos - al.E).

6 - Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 13/12/2005 e transitado em julgado em 11/01/2006, no âmbito da acção declarativa ordinária n°...., que correu termos neste juízo de competência especializada cível, foi negada a revista e confirmando o acórdão recorrido, julgando improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento celebrado com o autor e relativo à fracção autónoma descrita em A) - al. F).

7 - A data e hora da venda referida em D) foi publicitada por anúncios publicados em jornais - art.2°.

8 - E nesta data (19/03/1992) enviou à ré B S.A. o escrito constante de fls. 31 (cujo teor dou por integralmente reproduzido) solicitando a informação em nome de quem poderia depositar a renda do estabelecimento - art. 6°.

9 - E em 19/02/1997, o autor enviou à ré B, o escrito constante de fls. 32 (cujo teor dou por integralmente reproduzido) oferecendo de € 25.937,49 (5.200.000$00) para aquisição da fracção autónoma descrita em A) - art. 7°.

2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões: I - A douta sentença, de que ora se recorre, julgou a acção interposta pelo Autor, ora Recorrente (de ora avante dito apenas Rct. por comodidade de expressão) improcedente, absolvendo os Réus do pedido contra si formulado de reconhecimento do direito de preferência que assiste àquele, na aquisição do imóvel a que corresponde a fracção autónoma designada pela letra C, correspondente ao r/c do prédio urbano sito na Rua , lote..., A..., por, à data da arrematação do mesmo imóvel, este lhe estar arrendado e não lhe ter sido comunicada a venda a fim do Rct. poder exercer o seu direito de preferência.

II - Sustenta a douta sentença o seu sentido decisório na figura do abuso de direito, previsto no Art.° 334° do Código Civil vigente, alegando que o Rct. excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, na medida em que pretende exercer o direito de preferência sobre um bem adquirido pela 1a Rcd. há 11 anos, quando há pelo menos seis que tem conhecimento da realização da venda sem ter adoptado qualquer diligência no sentido de apurar as respectivas condições do negócio, tendo pago as rendas a esta, e proposto a compra do mesmo imóvel antes de reclamar o seu direito de preferência que agora alega.

III - O Rct. não pode, de todo, aceitar ter exercido o seu direito de preferência excedendo os limites da boa fé, muito pelo contrário, toda a sua conduta é de quem quer cumprir a ordem jurídica no seu todo, de que é corolário a própria preocupação no pagamento da renda, pelo que o presente recurso se limita à impugnação da existência da figura do abuso do direito na conduta do Rct., o que determinará, consequentemente, o reconhecimento do direito de preferência que lhe assiste na aquisição do imóvel objecto do presente processo judicial e a possibilidade do seu exercício.

IV - Dissecando os requisitos para que o julgador possa declarar a verificação dessa mesma figura encontramos: a) a existência de um direito; b) o exercício desse direito de forma manifestamente excessiva face aos limites acima referidos.

V - Na verdade, o Rct.

é titular do direito de preferência que aqui invoca e este reconhecimento, da sua existência na ordem jurídica, é efectuado pela própria sentença na parte da mesma não recorrida, pelo que solidificada pelo trânsito em julgado desta parte da decisão, é inegável, portanto.

VI - E nem se diga, o que por mera hipótese de raciocínio se coloca, que o facto de terem sido celebrados dois contratos entre o Rct. e os 2a e 3° Rcds.: a) em 07 de Maio de 1986, no 1° Cartório Notarial de A..., escritura pública de arrendamento, na qual os 2a e 3° Rcds. dão de arrendamento ao Rct. a fracção autónoma objecto deste processo judicial, pelo prazo de um ano, renováveis por iguais períodos, para o exercício da actividade de cervejaria, restaurante e "snack-bar"; e, na plena vigência daquele contrato de arrendamento, b) em 20 de Fevereiro de 1987, no mesmo cartório notarial, se ter celebrado escritura pública de trespasse do estabelecimento de cervejaria, restaurante e "snack-bar", pelo qual aqueles 2a e 3° Rcds. transmitem ao Rct. a propriedade do estabelecimento instalado na fracção autónoma objecto do presente processo judicial e mantêm o arrendamento celebrado na escritura anterior, não pode nunca significar, como tem sido erradamente alvitrado pela 1a Rcd., que o Rct. só é arrendatário da fracção aqui em causa a partir da data da segunda escritura; põe em causa a conclusão judiciária da existência do direito de preferência na esfera jurídica do Rct..

A qualidade jurídica de arrendatário da fracção aqui em causa é ininterrupta, na esfera jurídica do Rct.. desde 07 de Maio de 1986 até à presente data (e enquanto não for exercido o direito de preferência aqui reclamado). O que se altera é tão só que, a partir de determinada data, o Rct. passa a ser proprietário do estabelecimento, mas mantém-se arrendatário, locatário contínuo do imóvel desde 07 de Maio de 1986.

VII - Acrescente-se que, em virtude da aquisição da propriedade do estabelecimento comercial é até perfeitamente natural e expectável que as condições do arrendamento, nomeadamente de prazo - este passou a ser de seis meses o que constituía o prazo aplicado nos arrendamentos vinculísticos que se pretendiam que perdurassem no tempo com alguma estabilidade, o que se mostra perfeitamente coerente com a aquisição da propriedade do estabelecimento -, bem como de renda do arrendamento in casu sejam alteradas e adaptadas às novas condições globais do negócio sem que se perca o...

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