Acórdão nº 1205/13.0GBAGD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | ISABEL SILVA |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I - HISTÓRICO DO PROCESSO 1. O Ministério Público (de futuro, apenas Mº Pº), deduziu acusação contra o arguido A...
, imputando-lhe a prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido (de futuro, apenas p. p.) pelo art. 181º nº 1, 184º e 132º nº 2 al. l), todos do Código Penal (de futuro, apenas CP).
Tal acusação foi considerada manifestamente infundada pela M.mª Juíza, que assim a rejeitou nos termos do art. 311º nº 1 al. a) e nº 3 al. d) do Código de Processo Penal (de futuro, apenas CPP).
2. Inconformado, recorre o Mº Pº de tal decisão, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «1ª - Discordamos do douto despacho proferido, a 23.02.2014, nos presentes autos, o qual rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público contra o arguido A..., imputando-lhe a prática de um crime de injúria agravada, p. e p. nos arts. 181°-1,184°e 132°-2-l), todos do CP, cometido na pessoa de B..., militar da GNR de Águeda, por considerar que a mesma é manifestamente infundada, na medida em que a factualidade ali descrita não constitui qualquer crime.
2ª - O Tribunal nunca poderá rejeitar uma acusação quando a subsunção jurídica a realizar seja controversa, ou seja, quando admite diversos resultados interpretativos possíveis.
3ª - O despacho de acusação proferido nos autos cumpre todos os requisitos constantes do art. 283°-3do CPP, mostrando-se claramente descritos os elementos, objectivos e subjectivos, do tipo de crime de injúria agravada.
4ª - A M. Juiz a quo, no momento do saneamento do processo, optou por manifestar a sua mera discordância quanto à suficiência ou gravidade das palavras proferidas pelo arguido ao ofendido, militar da GNR, considerando que não foi preenchido o elemento objectivo do tipo de crime em causa.
5ª - Estando-lhe vedada tal análise, no momento processual em causa, a M. Juiz a quo violou claramente o princípio do acusatório, na sua vertente de separação entre a entidade que acusa e a entidade que julga.
6ª - Quanto à concreta factualidade plasmada no despacho de acusação, a M. Juiz a quo limitou-se a fragmentar o discurso do arguido, para depois o analisar na sua mera literalidade, isto é, sem atender ao contexto em que o mesmo ocorreu e a especial qualidade do seu destinatário - um militar da GNR, devidamente fardado e em pleno exercício da sua função de autoridade.
7ª - O militar ofendido deslocou-se, juntamente com outros três militares, até à casa dos pais do arguido, em virtude de chamada telefónica efectuada, por estes, para o Posto da GNR de Águeda, onde se relatou a ocorrência de desacatos entre o arguido e os seus pais, o que poderia configurar uma situação de violência doméstica.
8ª - As expressões proferidas pelo arguido, dirigindo-se ao ofendido e militar B... - "oh chavalo! O que é que tu queres! está mas é calado porque isto não é nada contigo"; "sim, tu ó chavalo, o que é que tu queres? É por teres aí os teus seguranças que te estás a armar? olha-me nos olhos, sabes o que me apetece jazer agora? matar-te a ti e a eles os três!" - são ostensivamente ofensivas da honra e consideração devidas àquele.
9ª - O mero recurso a dicionário não permite captar o verdadeiro significado e intencionalidade de uma palavra verbalizada, sendo imperioso conhecer o contexto em que a mesma é proferida, bem como o referente sócio-cultural do seu emissor e receptor.
10ª - A linguagem utilizada pelo arguido visou deliberadamente ofender a honra e consideração, moral e social, que é devida ao ofendido, militar da GNR e em exercício das suas funções de autoridade.
11ª - Com as descritas expressões, quis e conseguiu o arguido diminuir o ofendido, tratando-o como um seu conhecido, chamando-o implicitamente de cobarde e manifestando total desprezo pela sua vida e pelas funções que então desempenhava.
12ª - O despacho recorrido desconsiderou as regras da experiência comum e violou o disposto nos arts. 32°-5 e 219°-1 da Constituição da República Portuguesa, bem como o art. 311°- 2-a)-3-d) do Código de Processo Penal.
Termos em que, dando-se provimento ao recurso e, em consequência, revogando-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público, nos seus precisos termos e qualificação jurídica, com subsequente agendamento da audiência de julgamento, farão V. Ex.as a costumada JUSTIÇA!» 3. A M.mª Juíza sustentou o seu despacho.
Já neste Tribunal da Relação, o Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 4. A DECISÃO RECORRIDA (transcrição) «O Ministério Público acusou, em Processo Especial Abreviado e por Tribunal Singular, A..., filho de ... e de ..., nascido a 29.03.1972, casado, residente na ..., em Águeda imputando-lhe, como autor material e na forma consumada, a prática de um crime de injúria agravada, p. e p. nos arts. 181º-1, 184º e 132º-2-l), todos do Código Penal.
Da acusação consta que o arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar aí descritas, dirigiu-se a B...
(militar da GNR, que se havia deslocado, devidamente uniformizado e juntamente com outros três militares da GNR, até à habitação dos pais do arguido) dizendo-lhe, em voz alta, “oh chavalo! O que é que tu queres! está mas é calado porque isto não é nada contigo!”. Consta ainda que, não obstante o ofendido B..., na qualidade de militar da GNR, o ter advertido que não lhe podia falar naqueles termos, o arguido logo retorquiu...
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