Acórdão nº 140/12.3TAFVN.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2014 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito dos autos de Instrução n.º 140/12.3TAFVN do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, na sequência do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público finda a fase de inquérito, requereu a assistente A..., S.A. a instrução, com vista à pronúncia do arguido B...
senão pela prática consumada de um crime de burla, pelo menos na forma tentada
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Requerimento, esse, que, por inadmissibilidade legal, veio a ser rejeitado por despacho judicial de 20.02.2014.
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Inconformada com a decisão recorreu a assistente A..., S.A., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. É patente que, dos sinais dos autos, resulta a prática de um crime de burla designadamente na forma tentada.
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O comportamento do arguido demonstra a intenção de querer efectuar um seguro, “para safar um amigo”, ao arrepio das normas internas da ora recorrente, acabando por ter existido um sinistro que deu azo a que, por força de danos corporais causados a terceiros, viesse o Fundo de Garantia Automóvel a pagar a respectiva indemnização.
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Trata-se de um crime público que o Ministério Público decidiu não fazer prosseguir com o pitoresco argumento de não existir engano sobre a ofendida, ora recorrente.
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Com nítido prejuízo da verdade material sobre a verdade formal, entende a ora recorrente que o requerimento de abertura de instrução contém a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a eventual aplicação de uma pena ao arguido.
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Da leitura exegética do artigo 283.º, n.º 3, al. b), não resulta uma narração acusatória de cabal exigência, possibilitando-se uma narração sintética, bem como a eventual possibilidade de narração do lugar, do tempo e da motivação da prática dos factos.
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Concatenado esse preceito com o requerimento de instrução contraditória, não se vislumbra uma nulidade tão gravosa e insanável como a que sustenta o despacho recorrido, tanto mais que, na sua articulação com o disposto no art. 287.º, n.º 2 do C.P.P., tiveram-se por cumpridas todas as suas estatuições, designadamente os meios de prova que não foram considerados no inquérito e os factos que se esperavam provar.
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Não tendo admitido a abertura da instrução, o douto despacho recorrido violou o disposto nos arts. 287º, nº 2 e 283º, n.º 3, al. b) do C.P.P., devendo, por isso, ser revogado e substituído por outro que admita a requerida abertura da instrução.
Termos em que deve ser revogado “in totum” o douto despacho que não admitiu a abertura da instrução, dando-se provimento ao presente recurso, só assim se fazendo manifesta, sã e verdadeira JUSTIÇA! 4. Por despacho exarado a fls. 298 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.
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Ao recurso respondeu o Ministério Público, concluindo: 1. As normas constantes do art. 287.º, n.º 2 e 283.º, n.º 3, al. b) e c) do C.P.P. impõem que o requerimento de abertura de instrução contenha a narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.
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O requerimento apresentado nos autos pela Assistente não contém essa narração dos factos, nem sequer de forma sintética.
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A consequência dessa omissão é a nulidade do requerimento e a consequente inadmissibilidade legal da instrução; 4. Razão pela qual o Tribunal a quo rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Assistente.
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Tal decisão não violou qualquer norma legal, pelo que não merece qualquer censura, devendo ser mantida nos seus precisos termos.
Assim farão, V. Exas. a esperada e costumada JUSTIÇA! 6. Também o arguido respondeu ao recurso, concluindo: 1.Tendo a assistente optado, pelo requerimento de abertura de instrução, como forma de reagir ao despacho de arquivamento do inquérito, não podemos deixar de chamar à colação, o ensinamento ínsito à douta fundamentação do aresto proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em 27/11/2013, em que foi relator o Venerando Desembargador Abílio Ramalho, recordando que o requerimento de abertura de instrução (rejeitado) estava “onerado à rigorosa observância das formalidades postuladas pelo n.º 2 do 287.º normativo do C.P. Penal, enunciando, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, bem como, sendo caso disso, a indicação dos actos de instrução que pretenda que o Juiz (JIC) leve a cabo, os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito, e os factos concretos que através de uns e de outros se espera provar, necessariamente ilustrativos dos elementos constitutivos, objectivos e subjectivos – com descrição do dolo ou negligência (nos casos em que a pertinente figura-de-delito contempla tal nexo de imputação subectiva, bem entendido!) – de determinada/imputada infracção criminal, que haverá, outrossim, que expressamente identificar, bem como da enunciação da concernente liberdade de determinação do(s) agente(s) e do pessoal conhecimento/consciência da respectiva ilicitude comportamental, ou seja, da culpa – em sentido estrito -, precisando (se tal for revelado no inquérito) as circunstâncias de tempo, lugar e modo da comissão infraccional, a motivação da respectiva realização, o grau comparticipativo do agente (autoria – imediata/material, mediata/moral ou co-autoria – ou cumplicidade), e, ainda, quaisquer outras circunstâncias relevantes para a determinação da sanção aplicável, …tudo em conformidade com o estatuído no art. 283.º n.º 3, als. b) e c), do mesmo compêndio legal, para que remete o n.º 2 do citado preceito 287.º, [com referência ao art.º 1º, al. a)], sob pena de nulidade do próprio acto, naquele outro dispositivo expressamente cominada.
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Tal actividade processual do assistente haverá, pois, que materializar uma verdadeira acusação – alternativa ao arquivamento decidido pelo M.ºP.º 3.
Regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e do contraditório, a necessidade de uma tal enunciação factual tem subjacentes duas ordens-de-razão: uma, inerente ao objectivo imediato da instrução, a comprovação judicial da pretensa indiciação – que, para que se possa demarcar o âmbito do objecto específico desta fase do processo e para que o/arguido/s se possa/m...
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